sábado, 31 de outubro de 2015

NA PRAIA

Antes mesmo do livro Coração à Deriva, ed. Rovelle, com as lindas aquarelas da Claudia Simões chegar nas minhas mãos, eu já havia tido a ideia de gravar um vídeo na praia para ajudar a divulgar o trabalho. O livro é inteiro de mar.
O problema era : E quem gravaria o vídeo?
Conversando por acaso com o Valdinei Santos, o menino que nos dá suporte técnico na parte de informática, ele disse:
_ Dona Roseana, pode deixar que eu gravo para a senhora. Tenho uma pequena filmadora com ótima resolução.
Combinamos então de gravar no sábado passado, às 17horas.
Quando ele chegou o tempo estava horrível. O céu bem carregado e ventos muito fortes. Ele perguntou:
_ A Senhora não prefere fazer num outro dia? Com o mar azul?
Eu não preferia. Como dentro do livro há uma belíssima tempestade, achei que ficaria ótimo gravar com tempo ruim. Não estava chovendo.
Lá fomos nós.
Eu não havia ensaiado o texto. Pensei: O que vier na hora eu falo.
Na praia o vento fazia muito barulho e o mar também.
Gravamos uma vez. Olhamos o vídeo e parecia bom.
Viemos para casa passar para o computador e o Valdinei dizendo que achava que o barulho do vento iria abafar a minha voz.
Mas que nada! O vídeo ficou ótimo com aquele barulhão do vento e do mar.
E porque conto os bastidores do vídeo? Para falar que o Valdinei, que trabalha muito numa empresa de informática, sem hora para voltar para casa, um menino que vive tão longe dos livros, foi possuído por uma grande felicidade  ao gravar este vídeo para o meu livro.
Ele, por algum tempo, viveu comigo uma forte emoção, uma experiência muito diferente . Ele se sentiu um artista também.
Quanta gente maravilhosa existe no mundo.
O vídeo está disponível no youtube, no meu site e no facebook.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

FLORES RARAS

Ontem revi o filme Flores Raras que ainda é mais belo que o livro, a história de amor entre Lota e Elizabeth Bishop. Os momentos em que a poeta está criando são de uma intensidade, como os versos vão se formando dentro dela, o seu processo de criação, é muito emocionante.
Que poeta maravilhosa.
Um de seus poemas mais belos e conhecidos, foi lido num dos encontros do nosso Clube de Leitura pela Professora Zete, que veio do sertão da Bahia para nos conhecer:
 

Uma Arte

A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. Um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.


Elizabeth Bishop; tradução de Paulo Henriques Brito

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O QUE EXISTE DENTRO DA CABEÇA DE UM POETA?

Aqui em Saquarema, no bairro de Bacaxá, há uma ONG que se chama educandário do Bem. Sua Diretora, Fátima Alves, faz um trabalho belíssimo com alunos da rede municipal no contra-turno, com aulas de teatro, dança, contação de histórias, reforço escolar.
Ela me pediu para trazer seus meninos e meninos para um café literário no meu projeto Café, Pão e Texto. Eles estão lendo meus poemas e muito impressionados, querem saber "o que existe dentro da cabeça de um poeta"  .
Não sei se conseguirei responder. Mas acho que assim como um músico usa o corpo e o instrumento (que pode ser a voz) para construir um mundo, o poeta já tem o mundo construído, mas ele tem que fazer recortes e para isso há que afiar os olhos e ver. E principalmente mergulhar no que vê, às vezes de tal maneira, que se transforma no que vê. E a matéria do poeta são as palavras. Por isso, mesmo quando não estou escrevendo poemas, e posso passar longos períodos sem escrever, estou escrevendo dentro de mim. E se estou lendo e estou sempre lendo, também estou escrevendo , mesmo que a leitura seja ficção ou ensaio, meus olhos estão sempre buscando a poesia dentro do texto.
Hoje, quando caminhava, havia no meio fio de uma rua uma explosão de flores silvestres. Eram brancas , bem pequenas, mas de um branco esverdeado, como se feitas de água. Elas são um poema que ainda não foi escrito.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

NÓS, OS PERECÍVEIS

Sei quando Neruda entrou na minha vida: pelas mãos da Bárbara , uma pintora chilena que hospedamos em nossa casa logo depois do golpe do Chile, ela , sua mãe, uma escultora, Teresa Vicuña e a filha Tatane. Teresa logo foi embora para Paris e Bárbara e Tatane ficaram um ano morando conosco até sair o visto de permanência. Depois a vida nos separou.
Mas Bárbara trazia entre seus pouquíssimos pertences, e uma vida desfeita, um volume dos "Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada" . E nunca mais Neruda saiu da minha vida com suas imagens arrebatadoras, sua poesia caudalosa, imensa.
Tenho um pequeno livro que se chama "Ainda" e nesse livro há um poema que amo e que já li muitas e muitas vezes e sempre me emociona:

XV

Nós, os perecíveis, tocamos metais,
vento, margens do oceano, pedras,
sabendo que continuarão, imóveis ou ardentes,
e eu fui descobrindo, nomeando todas as coisas:
foi meu destino amar e despedir-me.

in Ainda, José Olympio, tradução de Olga Savary

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O CIRCO

Recebo uma nova edição  de um livro muito antigo, que primeiro foi editado pela Miguilim na década de 80 e depois refeito pela Paulus em 2011 com ilustrações espetaculares do cartunista e cineasta baiano Caó Cruz Alves.
Adoro este livro e as crianças também. Já perdi a conta de quantos circos vi nas escolas construídos com estes poemas.
O circo, para as crianças, é como um conto de fadas, e para os adultos também, basta ver o sucesso do Cirque du Soleil . Eles nos jogam dentro de um não tempo de pura magia, onde se misturam ternura, medo, enlevo.
Fiz os poemas como se estivesse construindo um circo: primeiro o circo anuncia a sua chegada na cidade, depois entram os operários, depois do circo montado dou licença poética para os meninos e meninas que não podem pagar a entrada possam ver o espetáculo de qualquer maneira e então vou introduzindo os personagens , começando com o Mestre de Cerimônias.
Adoro o poema da bailarina :

A BAILARINA

Caminha na ponta dos pés
a bailarina,
como se o circo fosse feito
de neblina:
vai bailar a bailarina,
vai voar a bailarina
e é tão fina, tão fina...
vira vento a bailarina,
vira nuvem, vira ilha,
e num último salto
ilumina o palco,
transformando o silêncio
em maravilha.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

AO MESMO TEMPO

Num fim de tarde, quando meu filho Guga tinha uns 6 ou 7 anos, entrávamos na Rua Citiso onde morávamos no Rio Comprido, no Rio de Janeiro, e de repente ele parou, me puxou pelo braço e disse:
_ Mãe, sabia que agora mesmo, neste minuto, estão acontecendo muitas coisas ao mesmo tempo?

Naquele instante ele teve a percepção do mundo, da simultaneidade dos acontecimentos.

Ao mesmo tempo o Brasil está quase no fundo de um poço escuro, com verbas da educação e saúde sendo cortadas, investimentos primordiais para a vida humana, ao mesmo tempo o sonho de um Estado Palestino parece cada vez mais impossível, ao mesmo tempo a Guerra da Síria, o estado Islâmico, as doenças na África, o deslocamento de milhares de seres humanos, ao mesmo tempo mapas que provavelmente serão redesenhados.
Mas também ao mesmo tempo a dádiva da vida, crianças e jovens com os olhos e os corações bem acesos, pequenas e grandes descobertas.

Ao mesmo tempo a poesia.


sábado, 24 de outubro de 2015

PACIFICAÇÃO PELA LITERATURA

Recebo a mensagem mais maravilhosa do mundo. Andre de Paiva me escreve:

"De todo coração agradeço sua presença no encerramento da Flupp em Olaria.  Quisera que todos os autores pudessem "invadir" nossas comunidades regularmente, eletrizando e conquistando as mentes e corações dos jovens leitores.  Seus livros, sua literatura é um presente valioso para a cultura brasileira.  A literatura é a verdadeira "pacificação", abaixo as armas e a violência, viva a leitura e a escrita !! Beijos e abraços em meu nome e de toda nossa Escola Odilon de Andrade.  Volte sempre (mesmo) !! Se possível, conte a todos o que viu e ouviu, despertando o interesse dos produtores culturais de todo o Brasil pelas comunidades carentes de literatura.  Juntos, vamos transformar essa cidade!   Beijos e abraços, de todos nós."

Que maravilha o que ele diz!!!!! Uma pacificação pela literatura e arte. Mas se é só nisso que acredito e em mais nada!!!
Oito escolas de Olaria foram "atingidas" mas acontece que é preciso que todas as crianças recebam esta cachoeira em seus corpos e mentes.
O que vi no palco, em Olaria: crianças e jovens lendo fluentemente, sem nenhuma hesitação.
Crianças e jovens criando cenários e maneiras de expressão.
Crianças e jovens fazendo um resumo oral das histórias que leram com uma segurança e uma graça de tirar o fôlego.
Mas é tão óbvio que essa é a solução. Por que não enxergam isso? E o que acontece são algumas explosões de felicidade numa noite escura e quase sem saída de mortes e violência.
Que possam contar comigo pois me apaixonei pelos meninos e meninas da E.M.Brasil e por todos os outros das outras escolas , crianças e jovens com uma capacidade de amar e fabricar arte maior do que a nossa galáxia.
Que todos os educadores, artistas e professores se unam para preencher com arte e literatura os buracos negros da sociedade brasileira.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

UM TERREMOTO EM OLARIA

Ontem fui testemunha, junto com Bráulio Tavares, Flávio Carneiro e Nilma Lacerda de um terremoto em Olaria. (Marina Colasanti e Roger Mello não puderam ir). Mais precisamente no Olaria Atlético Clube. Mais precisamente um terremoto de literatura promovido pela Flupp Parque.
Ontem, entre 800 e 1000 crianças e jovens lotavam o salão imenso com suas escolas organizadas em torcidas musicais, pois era o dia da grande gincana. Cada escola adotou um autor e leu pelo lado direito e pelo avesso alguns livros de cada autor escolhido.
E na chegada cada autor era recebido com percussão, música, gritos, dança, era acolhido num turbilhão imenso de amor. Então além do terremoto havia um furacão na chegada.
E ao final da gincana haveria um único vencedor, mas com a ressalva de que todas as escolas eram vencedoras, pois apostando na literatura e na arte, todos estavam salvos.
Houve um milagre nos dias da gincana. As escolas, que antes eram rivais, com muita música, poesia, contos, uma rede de histórias, se aproximaram e vibravam juntas e aplaudiam a outra escola quando se apresentava no palco.
Cada escola fez o cantinho do seu autor. Cada escola montou alguma coisa com a obra ou a vida do autor, cada escola respondeu a tantas questões sobre a vida do autor. E posso jurar que já era mais do que um terremoto furacão de aplausos, gritos, fúria emotiva: era um verdadeiro tsunami de amor que numa onda gigantesca nos levava pelos ares.
Crianças e jovens, extremamente musicais, com percussão e pandeiros, eram a mais maravilhosa expressão da alegria.
Como posso agradecer a E.M.Brasil e a todo o pessoal da Flupp por ter me adotado?

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

PÃO NEGRO

Termino de ler um livro maravilhoso de uma autora italiana, Miriam Mafai. O livro se chama Pane Nero, Pão Negro e é um retrato imenso da Itália desde o minuto em que Mussolini aparece no balcão do Palácio para anunciar que a Itália entrou na Guerra até a rendição final . Mas a originalidade do livro é que a história é contada através de depoimentos de mulheres que existiram. Elas dizem sempre assim: No dia tal quando aconteceu isso eu estava em tal lugar fazendo tal coisa. E através destes pequenos retalhos de tempo e espaço vamos construindo o grande mosaico da fome , dos absurdos que a guerra engendra, da loucura que foi o fascismo, do perigo que o populismo representa.
E também mais uma vez nos assombramos com a força das mulheres que ficaram sozinhas sem seus pais ou sem os maridos e tiveram que enfrentar muitas guerras além da própria Guerra.
Livro surpreendente.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

UMA ESCOLA EM GORIN

Faz algum tempo passei meu chapéu de poeta para ajudar a Monique Malfatto e sua associação Coup de Pouce Nord Sud a construir uma escola de Educação Infantil em Gorin, Burkina Faso, África.
Muitos amigos virtuais e reais me ajudaram. Agora está chegando a hora de enviar o dinheiro para a França. Assim que os bancos voltarem a funcionar. Infelizmente o euro está altíssimo e vamos perder muito. Mas o que importa é que tantos pessoas se emocionaram junto comigo e me ajudaram e estão fabricando junto com a Associação Coup de Pouce uma escola que será construída num dos lugares mais pobres do mundo.
Evelyn Kligerman fará uma placa de cerâmica para assinalar a nossa presença. Monica Botkay, nossa grande amiga em comum, levará a placa para a França em abril e entregará nas mãos da Monica. Assim é o tecido das redes poéticas. A cerâmica é frágil e tem que ser levada com cuidado, assim como a amizade e a poesia.
Monique me enviou uma mensagem linda agradecendo a todos:

"Roseana   tu trouveras ci-joint le rib de la banque de coup de pouce où tu pourras faire le virement
nous ne savons comment te remercier, toi et tous ces amis inconnus, au-delà de l'argent c'est un formidable message de paix, de solidarité et d'amour qui est transmis au village de Gorin
en décembre, lors de notre mission, nous étudierons la meilleure façon de construire cette classe maternelle, en fonction de nos moyens et de nos forces.
merci de transmettre ce message à tous"
beijos y saudade

terça-feira, 20 de outubro de 2015

DIMENSÕES

Passar da montanha para o mar é quase uma viagem interplanetária. São dimensões tão diferentes que para atravessar este espaço gasto muita energia. No dia em que chego tenho que mastigar a mudança.
Mas hoje já estou aqui na minha mesa, nas minhas costas o mar, na minha frente jardins, telhados e lá longe também a montanha.
Retomo os meus fazeres como se me sentasse outra vez num tear  onde a trama da vida e da poesia pedisse o toque das minhas mãos.
 

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

ATRIUM

Estou em Resende, na Atrium Escola de Música . É minha última escala antes de chegar na montanha.
Esta é uma casa maluca, como diz meu poema:
"Esta é uma casa maluca
de velas soltas ao vento
os sonhos são sua bússola
os que moram dentro dela
pensam estrelas e música"
...................................................................
Aqui se respira música, literatura, se respira arte,num casarão centenário, tombado.
Há uma sala de espera para os pais e alunos, mas como no meu poema
"aqui o tempo não passa
o tempo senta e descansa"
...................................................
pois há livros espalhados pela sala, ao alcance da mão e a Atrium agora é também livraria infantil.
Minhas mãos alcançam os Cem sonetos de Amor do Neruda que amo de paixão perdida e os poemas que Vinicius fez para o poeta quando da sua morte.
A Atrium , com sua oficina de loucuras incessantes me enche de orgulho, pois meu filho Guga Murray e Patrícia de Arias são "artesãos do sentimento".

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

ARMAÇÃO LITERÁRIA DE BÚZIOS

Começo agora a mais linda viagem junto com meu filho Guga Murray, Patricia de Arias, minha nora e meu neto Luis de seis anos. Vamos para Búzios em sua primeira Feira Literária. Hoje faço um bate-papo com meus leitores às 21 horas e Guga e Patrícia sobem ao palco para apresentar o Livro-Concerto Fio de Lua&Raio de Sol. Luis é o técnico de imagens, compenetradíssimo em seu trabalho.
E domingo vamos para Resende e segunda vou para a minha casinha na montanha, dentro da mata. Levo livros, os poemas novos para trabalhar um pouco. E na montanha viro águia, voo.
Escreverei quando puder, mas lá não tenho internet. Estarei portanto ausente alguns dias. Não se esqueçam de mim!!!.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

LIVRO NOVO

Um dia Claudia Simões, minha amiga bem de antigamente, que fez as aquarelas do livro Abecedário (Poético) de Frutas e ganhou o Prêmio de Ilustradora Revelação da F.N.L.I.J, era seu primeiro livro, me telefonou e disse:
- Ando obcecada com umas sereias. Só quero pintar sereias. Você não quer fazer uns poemas para elas?
Pedi que me mandasse as imagens. A primeira imagem que vi era uma sereia pendurada na lua!
Criei com meus poemas uma fio narrativo e na verdade transformei as várias sereias em uma só.
Criei uma belíssima história de amor. Mas um amor grande demais, porque impossível.
O livro é belíssimo. As aquarelas da Cláudia são arrebatadoras.
Espero que nossas sereias consigam chegar até a pedra dourada que há no coração de cada um.
O livro se chama CORAÇÃO À DERIVA, ed. Rovelle e semana que vem estará disponível.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

CONVERSA

Como se conversa com os jovens sobre poesia? Primeiro há que lembrar a eles que a poesia trabalha dentro da gente de uma maneira muito diferente da ficção. Quando lemos um conto ou um romance caminhamos numa estrada rumo ao final. Mas a poesia não tem rumo e nem estrada. A poesia trabalha com fragmentos, cortes, símbolos, metáforas, o alargamento do sentido das palavras. E quando o poema acende o leitor, dá um choque no leitor, então algo maravilhoso acontece: o poema se torna necessário, muitas vezes imprescindível e o leitor se apropria do poema.
Em 1990 conheci uma pequena leitora que esteve hospitalizada sem poder andar.  Ela ganhou meu livro Classificados Poéticos e ao ler meu poema

Quero asas de borboleta azul
para que eu encontre
o caminho do vento
o caminho da noite
a janela do tempo
o caminho de mim

ela disse que era a borboleta azul e que voltaria a andar. Quando voltou a andar disse que ela havia escrito o poema. Tudo isso sua mãe me contou em Garibaldi, no R.S e quando fui ao seu encontro  ela me entregou um bilhete que dizia : "nunca deixe de fazer poemas para as crianças." Era mais ou menos assim.
Ontem conversava com os jovens na E.M Elcira aqui em Saquarema e fui construindo com eles uma teia poética. Contei como foi meu processo de criação no livro Cinco Sentidos e Outros e eles tinham que dizer que sentidos estavam envolvidos nos poemas que eu ia lendo.
Falei para eles como a poesia pode também ser um desabafo e como é terapêutica , curativa.
Uma menina leu um poema que havia feito para mim, ela estava muito emocionada. O poema tem meu nome e seu nome é Anaelize.

ROSEANA

A vida lhe ensina a viver,
lhe ensina a sonhar,
lhe ensina a recitar,
lhe ensina a amar,
lhe ensina a chorar,
lhe ensina a cantar,
lhe ensina a aprender,
lhe ensina a sofrer,
pois a vida é bela,
bela a vida é.
Roseana é o nome da poesia,
como um livro em pé,
como maria - fumaça,
a brilhar em cada vagão,
a brilhar em cada estação.

Anaelize

terça-feira, 6 de outubro de 2015

ZONA RURAL

Saquarema tem uma parte rural belíssima. Todos os dias caminho pelas ruas de dentro que também são maravilhosas. Parece que voltei ao Grajaú da minha infância.
Hoje farei uma visita a uma escola rural , a E.M.Elcira. As crianças vieram ao meu Café, Pão e Texto e agora me convidaram para um café da manhã.
Todos os dias há que abrir uma caixinha de música.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O TEMPO

Maria Clara, uma leitora do nosso Clube, nos trouxe um poema belíssimo do Álvaro Mútis, que além de romancista é um grande poeta:

SONATA
Outra vez mais te trouxe a mão do tempo
ao círculo de meus funéreos sonhos.
Tua pele, certa umidade salina,
teus olhos assombrados de outros dias,
vieram com tua voz, teu cabelo.
O tempo, menina, que trabalha
como loba que enterra sua ninhada,
como ferrugem nas armas de caça,
como sargaço na quilha do navio,
como língua que lambe o sal do sono,
como o ar que se escapa das minas,
como trem na escuridão dos ermos.
Do seu trabalho opaco nos nutrimos
como pão ázimo ou rançosa carne
secada à febre de todos os guetos.
Sob a sombra do tempo, amiga minha,
uma água mansa de açude me devolve
o que guardo de ti para ajudar-me.

domingo, 4 de outubro de 2015

MESTRES DO AMOR

Há uma magia e um mistério nos encontros.  No Clube de Leitura da Casa Amarela essa maravilhosa alquimia sempre se repete.
Ontem discutimos Judas, do Amos Óz e A Última Escala do Velho Cargueiro, do grande escritor colombiano Álvaro Mútis.
Cristiano, que foi quem sugeriu a leitura do Judas, não pode vir, mas me escreveu pelo whatsup oferecendo uma chave para o elo entre os dois romances:
“ Puxe pelas duas mulheres dos romances. São personagens extraordinárias. Mestres do amor, como Diadorim foi para Riobaldo”.
Suzana Vargas sugeriu que um bom começo seria ler um trecho do velho cargueiro. Ela sempre faz isso em seus encontros de leitura.
Adorei a idéia e escolhi o primeiro encontro do narrador com o navio, quando vai a Helsinque e quer chegar ao extremo da Finlândia para ver as cúpulas douradas de São Petersburgo. Felipe Lacerda, que voltou ao Clube quase depois de um ano de ausência, leu em voz alta, já que além de ter passado em primeiro lugar no concurso para professor em Duque de Caxias, é ator.
Há uma beleza tão imensa nesta cena, é tudo tão absolutamente perfeito, que todos ficamos sem fôlego e a partir daí recontamos o romance que tem dois narradores, já quem um deles conta a história que ouve de outro. E o livro é uma incrível história de amor. E ao unir as duas mulheres dos dois livros ,Warda e Atalia,  que são duas mestres do amor, foi possível começar a discutir o Judas,  um dos melhores livros que já na vida.  Fizemos a mesma coisa, comecei lendo o primeiro parágrafo:
“ Eis aí uma história dos dias de inverno no final de 1959 e início de 1960. Nesta história há erro e desejo, há amor frustrado e certa questão religiosa que ficou aqui sem resposta. Em alguns prédios ainda se reconhecem os sinais da guerra que há dez anos dividiu a cidade. Ao fundo dá para ouvir o toque distante de um acordeão ou os sons nostálgicos de uma gaita ao entardecer, por trás de uma persiana cerrada.”
O romance inteiro já está aí, concordamos todos. Neste trecho mínimo Amos Oz já nos joga neste lugar, Jersusalém dos anos 60, já nos situa historicamente, falando das ruínas da Guerra da Independência, e nos fala de erro e desejo, e ao evocar os sons nostálgicos da gaita, também nos fala de memória.
E a maior questão do livro que tem muitas e muitas camadas é a traição.
Suzana Vargas disse que a epígrafe também diz o livro inteiro:
“Eis que corre o traidor na beira do campo.
Não ao vivo, mas ao morto que há nele a pedra mirava.
Nathan Alterman”
Shmuel, o estudante, nos é oferecido em sua inteireza quebrada.
Ele perde tudo de uma só vez: a namorada, a mesada dos pais para poder estudar, a irmã que vai para a Itália.
Então começa a sua aventura, ao aceitar o emprego de “distrair” e cuidar um pouco do velho intelectual, Guershom Wald.
Shmuel  escreve sua tese. A de que Judas não era um traidor, mas sim o discípulo que mais amou Jesus.
O próprio avô de Shmuel foi considerado traidor pelos israelenses e assassinado, quando na verdade era um agente duplo.
O pai de Atalia foi considerado um traidor, pois antes da Declaração do Estado de Israel pela ONU, ele pregava um não Estado, com árabes e israelenses vivendo juntos e misturados, sem fronteiras. Ele, como um profeta, já previa a carnificina futura.
Então Amos Óz, concordamos todos, desarruma o conceito de traição.
Os traços físicos, o cheiro de cada personagem é tantas vezes reforçado, que eles saem do livro e estão ali, bem diante dos nossos olhos, de carne e osso.
Suzana Vargas mos diz que Amós Oz parece que escreve fazendo cinema.
Gilcilene fez um depoimento lindíssimo. Ela disse que a cada encontro do livro seus preconceitos são destruídos, há uma desconstrução de tantas idéias preconcebidas que ela tinha.
Fernando, Helio, Cesar, Flora, tantos falaram sobre a traição de Judas, e do que seria o mundo e o cristianismo se o judaísmo tivesse aceito Jesus. Shmuel , em sua tese, sustenta que, ao contrário, não foi uma traição. Judas não era um traidor. Abravanel não era um traidor, o avô do Shmuel não era um traidor.
Falamos todos da beleza e do cuidado que havia entre Shmuel, o estudante e Guershom, o velho.
Do cuidado com que Alalia, a mulher misteriosa e inalcançável tem com o estudante, ela, a sua “mestre do amor”.
Messias , que não pode vir, também me mandou um whatsup sugerindo:
“ Um dos clímax do livro é a carta da irmã!!!! Quase a metonímia do enredo do romance...”
Lemos então um trecho da carta, belíssima, da irmã que vai para a Itália e pede ao irmão que não pare de estudar.
Na verdade esta é a única relação familiar não destroçada.
Maria Clara leu o trecho em que Guershom fala que Atalia, sua nora é sua “Koná”, que no hebraico contemporâneo, feminino de “koné”, quer dizer compradora, mas no hebraico bíblico tem o sentido de criador e dono. Assim, Atália era a sua “dona”.
E foi impossível esgotar todas as maravilhas do livro que merece uma segunda leitura, uma terceira.
Assim, de literatura, pão e vinho, a amizade de todos do grupo, a cada encontro se alimenta e fortalece.

O almoço estava magnífico.  

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

APESAR

Apesar do governo estar jogando o país num abismo que parece não ter fundo, a vida tem que ser vivida.
Não há vergonha . Os políticos fazem abertamente acordos horrendos para se salvar. . Como se estivéssemos em pleno carnaval. Mas as suas fantasias são macabras e não são fantasias, São a própria pele.
Apesar de tudo o que está acontecendo temos que ir em frente, pois a seta que aponta para o próximo minuto não nos deixa parar.
Entretanto, temos que fazer escolhas. É esse Brasil que queremos?
E como a vida tem que ser vivida da maneira mais bela e limpa possível, amanhã é o nosso encontro do Clube da Casa Amarela.
Vamos discutir Judas, do Amoz Óz e A Ultima Escala do Velho Cargueiro, do Álvaro Mútis.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

E.M.BRASIL E FLUPP

Ontem, em Olaria, ao chegar no portão da E.M.BRASIL fui recebida amorosamente e calorosamente com aplausos por um grupo de jovens. Um amigo, William Amorim, me disse que ao ver a foto da chegada, que esse acolhimento lhe devolvia a esperança no Brasil.
Porque a E.M.Brasil, entre as favelas do Alemão e da Maré, com 1100 alunos nos ensina que há uma outra maneira de fazer educação. Logo ao chegar na Sala dos Professores, a atmosfera era de afeto e descontração. Não havia nenhum professor vestido com uma armadura medieval. Percorri muitas salas que estavam em aula. Um grupo de alunos me levou para fazer a visita. Era assim, uma aluna do grupo abria a porta e me apresentava, mas eu não podia acreditar no que via. Numa das salas aula de música, na outra um grupo trabalhando com artes plásticas e numa outra, numa aula normal , todos numa postura descontraída, participando com alegria.
A FLUPP é um evento gigantesco , a Feira Literária da Periferia,  não é apenas um evento, pois trabalha com formação de leitores. A E,M.Brasil é uma das oito escolas que participam da FLUPP.
A escola está mergulhada na minha obra. Até os pais da Educação Infantil participaram junto com as crianças de uma oficina  de pintura com meu livro Um Gato Marinheiro! Pais e pequenininhos pintando e lendo juntos.
A escola inteira estava vestida com uma camiseta que os alunos idealizaram na aula de Artes Plásticas, com o letreiro "Caminhos de Murray" até os professores!
Nosso encontro foi na Sala de Leitura que é o coração da escola. A sala estava lotada, alunos menores e maiores sentados nas cadeiras e no chão, em forma de mandala. Rosângela, a coordenadora da Sala, incansável na sua delicadeza, havia preparado para os alunos uma mesa lindíssima para este Café Literário.
Conversamos sobre muitas coisas, lemos poemas, eu acho que foi um belíssimo encontro, pois todos estavam muito envolvidos e compenetrados. às vezes o silêncio dos alunos fala mais do que muitas palavras.
Tenho certeza que tudo o que falamos ficará dentro de cada um e se desdobrará em mil e uma maneiras de ver a vida.
Dia 22 de outubro será o grande encontro no Clube de Olaria, pois a FLUPP é uma grande gincana literária e eu estarei presente.
Mas a minha pergunta é a seguinte: Por que todas as escolas do Brasil não são como a E.M.Brasil que ao colocar a literatura e todas as artes em primeiro plano, consegue a expansão dos seres humanos , a sua transformação em pessoas maravilhosas com todos os seus dons à flor da pele, com todas as possibilidades para crescer e viver uma vida plena?