segunda-feira, 28 de março de 2016

IRARA

Ter uma casinha dentro da mata é uma experiência única. Sei que existem tantas vidas aqui, é todo um universo e sou apenas uma variação.
Faz tempo que uma irara aparece , já a vi muitas vezes. Mas agora, com a goiabeira na porta da casa, pude vê-la com calma e deleite. É grande, do tamanho de uma preguiça ou até maior. Tem um rabo maravilhoso, uma carinha de coala ou de ursinho. Mas é feroz. Ontem ela veio e não me viu, mas hoje me viu e bufou pra mim. Eu não estava tão perto que ela pudesse me alcançar. Estava do outro lado da janela, mas ela se sentiu ameaçada. Espero que volte.
Tenho então três seres maravilhosos e quando dou sorte aparecem: um lagarto teiú, imenso, um esquilo e agora a irara.
Fora os jacus, guaxos, tucanos, dezenas de borboletas brancas e azuis, passarinhos de todas as variedades.
Felizmente as cobras não me visitam , são lindas, mas prefiro que fiquem bem escondidas.

segunda-feira, 21 de março de 2016

ÁRVORES DE PRESENTE

Estou na minha casinha da montanha, profundamente mergulhada no verde e no azul, na chuva e no sol, mergulhada no bosque. Amo esse lugar.  
Meu filho mora aqui, com minha nora e minha neta de dois anos e quatro meses.
Hoje minha nora me conta:
Todos os dias, ao acordar, Gabi olha pela janela e dá uma árvore de presente para cada pessoa da família. Ela olha a árvore e diz: essa árvore é de presente pra mamãe, essa é pro papai... e vai assinalando as árvores com o seu olhar.

quinta-feira, 17 de março de 2016

PARTIDA

Amanhã parto bem cedo para a montanha. Muita saudade dos filhos e dos netos. Muita saudade da mata, do fogo, do frio.
Dou notícias.

quarta-feira, 16 de março de 2016

GRITO E SILÊNCIO

Ferreira Gullar é meu poeta mais do que amado. Sem saber, com o seu Poema Sujo, ele me deu licença para escrever poesia.
Peço então licença poética para dizer o que vou dizer: temos dois poemas que se complementam. O dele está no livro Muitas Vozes. O meu está no livro Poesia Essencial. Quando escrevi meu poema, não conhecia o seu, escrevi muito antes que saísse o livro Muitas Vozes.

INFINITO SILÊNCIO

houve
   (há)
um enorme silêncio
anterior ao nascimento das estrelas

   antes da luz

   a matéria da matéria

de onde tudo vem incessante e onde
     tudo se apaga
     eternamente

esse silêncio
     grita sob nossa vida
     e de ponta a ponta
     a atravessa
                      estridente

Ferreira Gullar, in Muitas Vozes


GRITO

a única certeza que me cabe
quando olho minhas mãos
que envelhecem comigo
embora às vezes pareçam
tão separadas do corpo
pássaros que tivessem perdido
todo o resto do bando
a única certeza é de que o grito
que nasce com cada um
o primeiro grito
tem que ser ouvido
com seu timbre ainda impregnado
de infinito e dores ancestrais
e esse grito se espalha
em tudo que se faz

in Poesia Essencial

terça-feira, 15 de março de 2016

VARANDA VAZIA

Hoje eu receberia o Colégio Estadual Ducler Laureano Matos, pelas mãos da Professora Monica Pimentel, para um encontro aqui em casa, dentro do meu Projeto Café, Pão e Texto.
Os professores, com toda a razão, estão em greve. Com a greve, todos saem perdendo, alunos e professores, que terão que repor as aulas. Toda a minha solidariedade aos professores, que deveriam ter um salário digno e condições de trabalho e aos alunos. E estou bastante triste com a varanda vazia.

segunda-feira, 14 de março de 2016

VANDA E SAMUEL

Vou contar a história da Vanda e do Samuel. Para mostrar que posso ter uma grande consciência social e não concordar com o governo sem que por isso mereça adjetivos terríveis.
Vanda e Samuel vieram de Minas.
Quando estávamos construindo a nossa casa, Samuel era ajudante do pedreiro, ele misturava cimento. Juan vinha ver a obra todos os dias e num destes dias, viu que Samuel havia cercado a única planta, uma alamanda amarela, que havia no terreno, para que ela não fosse destruída.
Juan chegou em nossa casa provisória e me disse:
_ Encontrei o nosso caseiro.
Assim que a obra ficou pronta, Samuel veio trabalhar aqui de jardineiro. Não havia nenhuma planta, só o pé de alamanda. Hoje temos o mais lindo jardim.
Vanda, sua mulher estava muito doente. Eles não tinham casa, pagavam aluguel num casebre onde dormiam cinco pessoas.
Conseguimos uma internação no Pedro Ernesto.Fizemos toda a papelada e o seu caso era tão grave que ela foi operada em emrgência.
Compramos uma casa para eles na zona rural de Saquarema e a financiamos sem juros em alguns anos. Eles já acabaram de pagar , a casa é linda, com jardim, um varandão com fogão de lenha .
Pagamos um seguro de saúde para Vanda e ela trabalha meio expediente ganhando um salário integral. Eu já pagava seu FGTS muito antes de virar lei. Pagamos o seguro de saúde da sua filha que também tem um problema crônico de saúde; Pagamos um curso profissionalizante no Senac de cabeleireiro para sua filha que se formará em abril. Ela já havia feito cursos de manicure, maquilagem, etc. Pagamos a melhor escola particular para o neto da Vanda, pois queremos que esteja em pé de igualdade com o meu neto. Dou aula de leitura para a Vanda.
Samuel e Vanda comem com a gente na mesa e são nossos amigos. Participam das nossas vidas como nós participamos da vida deles. Quando chegam aqui pela manhã, encontram a mesa do café posta para eles.
Participam de todos os meus eventos de leitura, que faço gratuitamente, nunca pedi ajuda financeira para ninguém.
A minha imensa consciência social já nasceu comigo. Mesmo quando não podia eu dividia o que tinha. Já adotei muita gente pagando cursos de música, de inglês, etc.
Conto tudo isso para dizer que não concordo com esse governo. Aplaudo tudo o que foi feito de bom mas a corrupção não tem desculpa.
Os ganhos sociais não podem ser desfeitos, como não foram desfeitos na Espanha, quando o PSOE saiu do poder. A Espanha não perdeu seus direitos quando o PP (que eu detesto) assumiu o poder. Ainda bem que a filha da Vanda terá o seu Salão de Beleza e não precisará fazer faxina pelo resto da vida. A leitura está dando tanta dignidade para a Vanda, ela é outra pessoa. Ainda bem que a nova geração está podendo seguir novos sonhos. Mas ainda acho que tanto tem que ser feito pela educação e pelos professores. Não estou satisfeita com nada do que vejo. Falta muito.
Infelizmente não temos ninguém que pudesse assumir o Brasil, mas não por isso corruptos precisam continuar no poder. Corruptos precisam pagar pelo mal que fizeram.
Sou contra o governo e não tenho partido. Mas não concordo com o que vejo.

sexta-feira, 11 de março de 2016

CARAVANA

Faz muito tempo fiz um livro com Roger Mello que se chama Desertos. Foi publicado pela Objetiva, mas está esgotado. Em algum momento, não sei quando, sonho em publicar outra vez este livro tão belo.
Roger havia feito uma viagem ao Marrocos e levou um caderno para desenhar na viagem. Ele me mostrou o caderno e num gesto de extrema confiança deixou o caderno original em minhas mãos. Fiz um poema para cada desenho.
Eu não conheço o deserto, mas quando criança lia na escola as histórias da Bíblia, onde o deserto é paisagem  assídua. Também as Mil e Uma Noites com suas caravanas. Busquei dentro de mim o eco dessas lembranças ao olhar os desenhos do Roger e os poemas foram chegando.
Esse livro faz um contraponto com o livro Jardins tão colorido e exuberante e acho que os dois deveriam estar sempre juntos. Há um silêncio maravilhoso no livro. O que eu imagino ser o silêncio do deserto.
O meu livro Poesia Essencial da Ed. Manati, abre com o deserto. Eu adoro esse poema:

CARAVANA

no meio do deserto
os homens arrumam
a noite
para que a caravana
pouse
o céu é de zuarte
e o silêncio anda
em círculos
feito lobo

alguns mastigam
sonhos
enquanto o sono
costura as pálpebras
com o fio do não tempo

essa é a pausa
entre um século
e outro
entre um delírio
e outro

em algum lugar
dorme um poço
com seus anjos
e demônios.


quinta-feira, 10 de março de 2016

REGINA RENNÓ

Regina Rennó é uma grande ilustradora. Fez apenas um livro comigo e eu amei.
Ilustrou o livro Fio de Lua&Raio de Sol que fiz com Patricia de Arias.
Viajamos juntas uma vez e foi uma delícia ter a sua companhia.
Descobri já faz tempo que todas as pessoas fazem algo surpreendente. Regina, além das ilustrações tão lindas, desenha óculos. Olha para o rosto da pessoa e desenha o seu modelo perfeito!
Agora temos a Mantiqueira em comum. Quando vou para a minha casinha da montanha sei que ela está no mesmo planeta que eu.
Regina acaba de finalizar um livro lindo de imagens e me perguntou se eu achava que caberia algum poema. Eu achava que cabia apenas um, falando do desfecho. Fiz o poema e dei de presente.
Regina ficou feliz, eu fiquei feliz e os leitores vão amar quando o livro sair.
Agora estamos juntas outra vez .

terça-feira, 8 de março de 2016

DIA DA MULHER

Hoje é o Dia da Mulher.
Temos que pensar nas mulheres que ainda vivem em cativeiro, físico e psicológico.
Nas mulheres que sozinhas enfrentam o mundo.
Nas mulheres que sozinhas sustentam a sua família.
Nas mulheres que ainda lutam contra moinhos de vento.
Todo dia é Dia da Mulher, subjugada por milênios.

TAITI

Adoro os documentários da TV5. Ontem vi um maravilhoso sobre o Taiti e o esforço de algumas pessoas para salvar um pequeno pássaro negro que vive em altitudes. Estava praticamente extinto e começam a recuperar a sua vida na Terra.
Os europeus quando chegaram ao Taiti traziam uma espécie de planta que se espalhou rapidamente por todos os lugares. Ela ameaça a floresta, é invasora e mata as outras espécies, ficando assim o pequeno pássaro sem a sua alimentação. A planta também ajuda na proliferação de ratos, predadores dos pássaros.
O trabalho dessas pessoas é cortar o arbusto e colocar veneno para os ratos. Para chegar até o local distante, o caminho é quase intransponível . Cheio de armadilhas mortais.
Mas o que move essas pessoas para salvar uma espécie da extinção é um amor tão imenso que enfrentam todos os riscos.
É uma magnífica lição de vida.

domingo, 6 de março de 2016

TECELÃS DE SONHOS

Recebo uma carta emocionante da Espanha, dos arredores de Granada. Minha sobrinha Maria José Sanchez criou um grupo de mulheres que tecem.
As Tecelãs de Sonhos/Tejedoras de Sueños.
São mulheres simples, do povo. Elas tecem em lugares públicos e contam suas vidas, suas tristezas, doenças, silêncios, alegrias. Eram mulheres massacradas, tinham tudo bem guardado lá dentro. Massacradas por seus homens, pela dureza da vida.  E então, tecendo, exercendo esse ofício milenar, puderam voltar a sonhar.
O movimento foi crescendo tanto, já que como elas tecem em público, chamam a atenção, que os sonhos foram se ampliando. Agora fazem troca de livros, ajudam escolas e até mulheres presas.
Virou um movimento social. Que inspire outros movimentos assim poéticos e maravilhosos.
Cabe aqui o meu poema :

Oração:

A todos os ventos
eu peço coragem
a cada estrela e estrada
ao mar que não morre nunca
eu peço coragem
e ao sol e à lua
e a todo o firmamento
a cada pássaro
a cada pedra
a cada bicho da terra e do ar.
Peço coragem a tudo o que vive agora
e ainda viverá
coragem para cavalgar os dias
navegar nas horas
e a cada minuto e segundo sonhar.

sexta-feira, 4 de março de 2016

DESCOBERTAS

Vamos então falar de poesia, hoje, muito necessária, com todos os ânimos e humores exaltados. Que cada um prove a sua inocência nesse oceano de lama. Basta isso. Provar a inocência.

Todos sabemos, que tudo já foi escrito, não há nada de novo. O que muda é o olhar do poeta, seu jeito de respirar, de ver o mundo, de se emocionar com o mundo.
Para mim um poema vale quando me dá um choque, essa é a minha medida, um curto circuito de emoção. Experiências formais nunca me emocionaram.Quanto mais inesperada é uma imagem, maior a emoção. A poesia é um grande mistério, pois é música sem ser música.
Um dos poetas que me acompanham desde os 20 anos é Neruda, que descobri através de uma chilena que hospedei, pois chegou ao Brasil fugida do golpe no Chile. Ela me apresentou os 20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada em espanhol, língua que falo e amo .(Segundo meu neto espanhol eu falo mal, ele detesta o meu acento!)
De Neruda só não gosto dos poemas políticos, daqueles que estão servindo a uma ideologia. Os de amor são insuperáveis.

ARTES POÉTICAS (II)

No he descubierto nada yo,
ya todo estaba descubierto
cuando pasé por este mundo.
Si regreso por estos lados
les pido a los descobridores
que me guarden alguna cosa,
un volcán que no tenga nombre,
un madrigal desconocido,
la raíz de um rio secreto.

Fui siempre tan aventurero
que nunca tuve una aventura
y las cosas que descubrí
estaban dentro de mí mismo,
de tal modo que defraudé
a Juan, a Pedro y a María,
porque por más que me esforcé
no pude salir de mi casa.

Contemplé con envidia intensa
la inseminación incesante,
el ciclo de los sateloides,
la añadidura de esqueletos,
y en la pintura vi pasar
tantas maneras fascinantes
que apenas me puse a la moda
ya aquella moda no existía.

( Isla Negra, 1969) Fin de Mundo.

Maneira linda de Neruda dizer que está tudo dentro da gente e que às vezes modismos frívolos são passageiros e nada como a raíz de um rio secreto.


quinta-feira, 3 de março de 2016

CASULO

Tudo o que está acontecendo no Brasil e no mundo nos deixa tristes e desanimados.
Depois da barbárie da Segunda Guerra no século passado, não era para o mundo ser um lugar menos violento?
Basta saber que o Homo Sapiens, desde que existe, já dizimou 90% das espécies! E a velocidade com que a destruição avança é absurda.
Talvez tivesse que nascer uma outra espécie.
E muitas perguntas ficam sem resposta.
Por que algumas pessoas se deleitam com o mal, sentem prazer em matar, ferir, magoar? Por que alguns se sentem superiores, quando não existem raças, mas apenas uma, a raça humana, de triste figura?
Então para sobreviver, construo um casulo feito de livros e beleza. Feito de silêncio e de amigos.
Pois esse é o tempo que me coube viver e só o que sei fazer é doar amor e rabiscar alguns poemas. Essas são as minhas ferramentas.

terça-feira, 1 de março de 2016

CONFESSO QUE VIVI

Ando numa fase de releituras. Como é maravilhoso reler. A leitora da primeira leitura é tão diferente da segunda, tantas coisas aconteceram no intervalo entre uma leitura e outra e como vou me tornando com o tempo uma leitora melhor.
Estou terminando de reler um livro maravilhoso, pela terceira vez. Sem discussão essa está sendo a melhor leitura.
O livro é Sefarad, de um dos maiores escritores espanhóis que quase ninguém conhece no Brasil, por quem sou apaixonada: Antonio Muñoz Molina. Li muitos livros seus. Está publicado em português pela Companhia das Letras. São relatos que se passam em épocas distintas, sempre na fronteira de alguma coisa, já que Sefarad é o país perdido (Espanha) pelos judeus. Então Sefarad, além de um país, é também uma metáfora.
Mas hoje me deu saudades imensas do livro Confesso que Vivi, do Neruda. Vou ter que reler.São também relatos autobiográficos. Num deles, a minha paixão, Neruda se perde nas montanhas.Mas encontra uma casa e pede abrigo. É a casa de três irmãs francesas. Quando diz que é estudante, elas o recebem com uma grande alegria. É servido um jantar que é um banquete. Ele recita Beaudelaire e as irmãs recebem o poema como a joia mais preciosa. E contam que ao longo dos anos, para cada visitante perdido, prepararam um suntuoso jantar, sem nunca repetir um prato.
Que a alegria em torno de um poema que nos acende e nos traz de volta algum momento mágico, possa sempre existir em nossas vidas.