segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O TEMPO

Maria Clara, uma leitora do nosso Clube, nos trouxe um poema belíssimo do Álvaro Mútis, que além de romancista é um grande poeta:

SONATA
Outra vez mais te trouxe a mão do tempo
ao círculo de meus funéreos sonhos.
Tua pele, certa umidade salina,
teus olhos assombrados de outros dias,
vieram com tua voz, teu cabelo.
O tempo, menina, que trabalha
como loba que enterra sua ninhada,
como ferrugem nas armas de caça,
como sargaço na quilha do navio,
como língua que lambe o sal do sono,
como o ar que se escapa das minas,
como trem na escuridão dos ermos.
Do seu trabalho opaco nos nutrimos
como pão ázimo ou rançosa carne
secada à febre de todos os guetos.
Sob a sombra do tempo, amiga minha,
uma água mansa de açude me devolve
o que guardo de ti para ajudar-me.

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