terça-feira, 4 de outubro de 2011

O DIÁRIO DA MONTANHA E PALESTINA

Amanhã vou muito cedo para Visconde de Mauá, para a minha casinha dentro da mata. Retomarei meu novo livro de poesias o Diário da Montanha, já passei da metade. Dia 11 é a inauguração do novo atelier da minha irmã Evelyn Kligerman. O Babel Restaurante fará um coquetel às 11hs da manhã e será deslumbrante. Voltarei dia 12. Nos primeiros dias tentarei escrever num cyber, pois no sítio não temos internet.
Um colega do ginásio, Jacques Gruman, me achou pelo site. Ele escreve uma crônica semanal e ontem a recebí. Transcrevo aqui no blog por se encaixar em tudo o que penso sobre a questão palestina:

Algumas bobinas, uns fios, base de papelão, sabe-se lá mais o quê. Montou-se um pequeno transmissor, primitivo, de pequeno alcance, e colocamos no ar as notícias que recebíamos dos mais velhos. Era junho de 1967 e a mais nova guerra no Oriente Médio, na verdade uma blitzkrieg israelense, faca na manteiga, não parava de excitar os estudantes do Hebreu Brasileiro. Adolescente, eu ajudava na locução (que alcançava, no máximo, alguns prédios vizinhos). Atenção, urgente: a aviação egípcia foi destruída em terra. Jordanianos são derrotados em Jerusalém e as tropas israelenses avançam sobre a Cisjordânia. Simulando um noticioso de verdade, nós, candidatos mambembes a Heron Domingues, ainda satirizávamos os intervalos comerciais. Uma loja de roupas masculinas muito conhecida na época, a Ducal, tinha um reclame com o refrão: Ducal, Ducal, Ducal. Transformamos em Ducairo, Ducairo, Ducairo. Tudo era festa para nós, que não tínhamos a menor ideia do que se passava a tantos quilômetros de distância.
Os tempos inocentes acabaram. Mal desconfiávamos que ali se gestava o agravamento da questão palestina. A fácil vitória militar jogou no colo dos israelenses a maior parte de um povo que não se deixaria colonizar sem resistência. Aos desterrados de 1948 se juntou uma imensa massa humana, pauperizada mas com identidade própria. Quiseram, desde sempre, negar-lhe direitos. A senhora Golda Meir chegou mesmo a dizer que não existia um povo palestino. Criaram o mito de uma ocupação benigna: nós os exploramos economicamente, asfixiamos culturalmente, expropriamos suas terras, destruímos seus campos, impomos barreiras físicas à sua movimentação, recusamos sua reivindicação nacional, reprimimos com brutalidade, mas... somos melhores que seus irmãos árabes, ah, isso somos mesmo. Ainda tem gente que acredita nisso. Ou se consola, o que dá tristemente no mesmo.
A opressão colonial, devastadora para os colonizados, sempre deixa sequelas no colonizador. Em recente debate, o cineasta Silvio Tendler contou uma conversa que teve em Israel com um colega palestino. Este apontou para o alto de alguns prédios, onde apareciam caixas d’água brancas e pretas. O palestino disse que as brancas eram de condomínios judeus, com abastecimento permanente. As negras eram de árabes, com abastecimento intermitente. Havendo escassez de água, os prédios com caixas brancas tinham prioridade no abastecimento. Disse também que, caso roubasse uma padaria, seria julgado por um tribunal militar. Se o ladrão fosse judeu, iria para um tribunal civil. Acrescentou que há bairros onde vigora uma proibição branca para árabes e lembrou que há estradas onde não se permite o trânsito de árabes. Silvio foi categórico: isso é racismo. Avigdor Liberman, atual Ministro de Relações Exteriores de Israel, chegou a sugerir uma lei que obrigasse os cidadãos árabes a jurarem lealdade ao Estado. Ideia fascista, que, felizmente, não foi adiante. Degradação a olho nu. Uma vigorosa tradição humanista, não rara em vários momentos da história judaica, maculada por esses efeitos colaterais do militarismo, da xenofobia, da opressão de outro povo e, em certos casos, do fundamentalismo religioso.
Quando foram expulsos da Península Ibérica, no século 15, muitos judeus levaram consigo as chaves de suas casas. Era, ao mesmo tempo, uma demonstração de pertencimento e esperança de que algum dia voltariam. Existem famílias que conservam as chaves até hoje. Situação parecida viveram famílias palestinas. Expulsas de seus lares em 1948, levaram as chaves. Das casas sobraram, quase sempre, apenas as fundações. Muitas aldeias árabes de antes de 1948 transformaram-se em povoamentos judaicos. Mesmo assim, avós mostram aos netos as chaves, que já não abrem portas, mas iluminam o drama da diáspora. Sou solidário com os expulsos de qualquer lugar, de qualquer época.
Agora, os representantes legítimos do povo palestino apresentaram à ONU o pedido de aceitação do Estado da Palestina como membro pleno. Pleito justo, pacífico e politicamente inteligente, merece o apoio de quem luta por um mínimo de justiça histórica no Oriente Médio. O novo Estado não deslegitima Israel, cuja existência em fronteiras seguras não está em questão. No atual estágio do conflito, não há alternativa sensata para a fórmula Dois Povos, Dois Estados, primeiro passo para que se crie, num futuro imprevisível, um clima desarmado e cooperativo. Somente a paz será revolucionária no Oriente Médio.
Se pudesse, voltaria ao transmissorzinho do Hebreu e completaria o noticiário. Um noticiário especulativo, do futuro, de sonho. Diria que espero viver o suficiente para ver um Estado de Israel integrado ao Oriente Médio e que não discrimine seus cidadãos pela origem étnica ou religiosa. Para ver os povos árabes comandarem seu destino, com democracia e sem a intervenção cínica e predatória dos imperialismos e seus aliados. Para ver o Estado da Palestina acolhendo seus filhos dispersos e construindo uma história de harmonia e desenvolvimento. Todos, absolutamente todos, sem a intromissão da religião no Estado e no rumo de sociedades socialistas, onde o homem deixará de explorar seu semelhante.
Amém.

Jacques Gruman

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