terça-feira, 7 de julho de 2009

PEDRA


POESIA

Juntar cisne e pedra
caminhar pela existência
com esse talho na garganta

no redemoinho das horas
um barco e nas mãos
um punhado de aurora

um poema se faz
com o avesso das águas

Pássaros do Absurdo, ed.Tchê

Em Paraty tive o privilégio de ouvir ATIQ RAHIMI, o escritor afegão que ganhou o Prêmio Goncourt 2008. Já havia lido seus dois livros publicados anteriormente no Brasil. Livros tristes e impactantes. Seu novo livro, o que ganhou o Prêmio, "Pedra-de paciência" , é uma idéia lindíssima: existe uma pedra para quem se pode contar tudo, uma pedra mágica, e num determinado momento, quando a pedra já está saturada, ela explode. Atiq escreve como poeta, ele mesmo disse que no Afganistão a tradição é oral e que foi criado ouvindo poesia. Ele fala poesia. Realmente junta cisne e pedra. A sua escrita é límpida, delicada e o que ele está contando é tão violento que quase não se pode suportar. Além do marido que em coma tudo ouve, nós, leitores , também somos a pedra e a qualquer momento poderemos explodir, já que não existe medida para os lamentos e confissões da mulher afegã, não existe limite para o seu sofrimento. O texto é cinematográfico até arrebentar no final. Em tão poucas páginas todo o sofrimento, a humilhação da mulher afegã se desenrola diante de nossos olhos atônitos. A intervalos irregulares ela limpa os olhos do homem em coma e é como se também nossos olhos precisassem dos cuidados da água para prosseguir, tamanha a crueldade do que se passa no Afganistão com as mulheres, tamanho o horror da sua realidade.
Como pode existir nos dias de hoje tanta opressão? Quantas pedras mágicas serão necessárias para que as mulheres esmagadas ainda possam continuar vivas?
Que um dia Atiq Rahimi possa escrever apenas cisne, apenas a beleza das tardes e do vento e a mulher afegã possa cantar.

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