quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

LIVROS E CHUVA

Chove. Saquarema adquire um ar de montanha. O mar está maravilhosamente prateado, às vezes cor de chumbo. Nenhum tempo é mais propício para a leitura. Copenhage ecoa do lado de fora e todos os desastres, mas eu ando em Madrid, o ano é 1936, acompanho Ignácio Abel em suas andanças, não quero terminar o livro La Noche de los Tiempos de Antonio Muñoz Molina e ao mesmo tempo não consigo parar de ler. Molina nos situa nas vésperas da guerra civil e vemos tudo com os olhos de um homem apaixonado: um adultério, a culpa, a fuga enquanto a Espanha já se banha em sangue. São todos culpados. Não há inocentes nesta carnificina , é isso que nos diz Molina.

Leio o discurso de Herta Müller quando recebeu o Prêmio Nobel de Literatura 2009 . Herta nos fala de amor, solidão , morte, tirania. A partir da imagem de um pequeno lenço ela constrói o seu discurso. Lenço que limpa o rosto, que cobre o morto, que amarra nas costas da menina o acordeão, que tremula nas despedidas, que é a maneira com que sua mãe diz o seu amor. O pequeno lenço que Herta coloca no degrau da escada onde se sentará depois de ser expulsa do seu escritório por se negar a colaborar com a polícia secreta. Lenço que uma mãe entrega a um prisioneiro para que entregue ao seu filho, também prisioneiro se por acaso o encontrar. E no livro do Muñoz Molina um homem agita o seu lenço desesperadamente para que alguém pare e o ajude a socorrer uma mulher baleada na rua. Ninguém vê. Lembro do meu pai com seu lenço amarrotado no bolso com que às vezes limpava as mãos, suas mãos fortes de camponês que não exerceu o ofício, atrás do balcâo de sua loja me ensinava que nenhuma tirania é boa e que nós humanos, fomos feitos para o amor.

2 comentários:

  1. linda imagem, roseana. compartilho essa angústia de economizar um livro para que não acabe e ao mesmo tempo querer devorá-lo de uma vez só. isso acontece sempre que leio gabriel garcia marquez. e a tristeza maior é que existem cada vez menos livros dele que eu ainda não li...

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  2. Leia Sefarad do Antonio Muñoz Molina, existe em português. É magnífico.

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