quarta-feira, 30 de setembro de 2009

DILAR

Ontem passei o dia em Gojar, o pueblo depois de Ogíjares, com Maria José, minha sobrinha, Rogelio e seus filhos Pablo e Marta. Pablo fez um gesto apontando vagamente um lugar distante de sua casa e disse: "ali é minha casa secreta" ... Depos do almoço fomos a Dilar.
Dilar é uma cidadezinha maravilhosa, fica entre a vega (várzea) e a montanha. As casas são brancas, antigas, de paredes grossas para o frio da montanha ficar do lado de fora. Parece que entramos num conto de fadas. Abrimos a porta de uma lojinha de doces, um homem de antigamente servia no balcão balas coloridas. Comprei pão de mel . Será que Dilar existe ou fica fora do tempo, em outra dimensão?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ABECEDARIA

Luis, meu neto, dia 5 de novembro, quando terá 3 meses, começará a sua vida de artista. Viajará com seus pais para o Circuito Abecedaria. Guga, meu filho músico, apresentará 37 concertos, em 18 cidades diferentes, em toda a Andaluzia. Seu espetáculo " Paisajes acrónicos - La partitura del tiempo " foi contratado pela Prefeitura da Andaluzia que promove concertos didáticos para as escolas de toda a região.
Guga nos diz : " Quatro paisagens do ocaso: os elementos emergem do silêncio, permeáveis, dinâmicos. O ar que alimenta o fogo, que sai da terra e libera a água. Gestos que geram sons e sons que revelam o movimento."
O espetáculo é constituído de uma pirâmide de alumínio e a música está representada em cada uma das faces da mesma por signos sonoros conectados uns aos outros por fios. Cada músico, com seu instrumento, cada instrumento remetendo a um elemento, água, fogo, terra e ar. No meio, uma bailarina é a própria partitura, pois é com seus movimentos que ela fabricará a música. Visualmente a própria pirâmide já é um espetáculo. Para esta turnê, há um espírito saltimbanco no ar. Ficarão hospedados em casas rurais, uma furgoneta carregará o equipamento e aguns músicos e Luis a bordo, com sua mãe Patrícia, lembrará a todos que a vida recomeça cada dia e puxará a caravana.

domingo, 27 de setembro de 2009

GUEJAR SIERRA

Subindo a estradinha que vai para Sierra Nevada, uns dez kilometros depois de Cenes de La Vega, onde estou hospedada na casa do meu filho Guga, chegamos em GUEJAR SIERRA. Como se abríssemos um livro muito antigo, como se andássemos cem anos para trás, assim é Guejar, a cidadezinha mais genuína, autêntica, que já conheci. Há em Guejar uma vida verdadeira, já que vi apenas um casal de mochileiros dormindo na praça. A população ocupa alegremente as ruas, sentados na frente das casas, nos bancos, mulheres de meia idade, gordinhas, com seus aventais de cozinha varrendo a calçada. As casas são antigas, casas de pueblo, muito bem conservadas e o conjunto é belíssimo.Ruelas que sobem e descem, becos sem saída com suas casinhas abarrotadas de flores, escadarias, e uma igreja do século dezoito na praça onde um plátano secular toca as cordas dos nossos sonhos. Um ceramista fabrica sua cerâmica ali mesmo, no segundo andar da casa, suas peças são lindas, limpas, lavam o nosso olhar. Comprei um pequeno pote, assim guardarei Guejar em meu armário mineiro em Saquarema, junto com a louça de cerâmica fabricada pela Evelyn Kligerman, minha irmã. Entramos num bar para unas tapas , eu e Guga, tomamos um vinho esplêndido, um Rioja e nos deram peixe frito e pimentões assados. O bar estava lotado de homens mais velhos, camponeses curtidos pelo frio da serra, alguns de chapéu. Eu era a única mulher e nós éramos os únicos estrangeiros. Como pude viver até hoje sem ter conhecido Guejar? Me apaixonei tão perdidamente que ficaria aí por uns meses, numa das casinhas lindas cheias de gerânios e cortina na porta, esse maravilhoso hábito andaluz que dá um colorido todo especial aos pueblos: no calor se pode deixar a porta aberta e preservar a intimidade.

sábado, 26 de setembro de 2009

OGÍJARES

Ontem fui ao pueblo de OGÍJARES. Os pueblos de Granada são lindíssimos e possuem uma raíz muito antiga. Alucino com os nomes. Este lugar foi antes um assentamento árabe. Mas a origem do nome é latina: Hortum Sacrum, que em árabe ficou Ortexica, Oxijar. Eram dois povoados e se juntaram, daí o plural Ogíjares.
Fui ao aniversário de Guillermito, meu sobrinho-neto, filho da Célia, sobrinha do Juan, meu marido . A família é grande, estavam todos aí. Na Andaluzia as famílias são tribais, um eco das famílias árabes e judias . Judeus e árabes foram expulsos em 1492 mas a Espanha em sua camada mais profunda, ainda é árabe , ainda é judia. Como num palimpsesto, basta raspar um pouquinho o seu verniz que podemos sentir pulsando costumes antigos.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

LAS ALPUJARAS

Ontem minha sobrinha Maria José, seu marido Rogélio e os filhos Pablo e Marta vieram até aqui para me buscar. Fomos passar o dia nas Alpujaras, linda montanha onde se penduram povoados brancos. Saímos da estrada principal e começamos a serpentear rumo ao nosso destino.Passamos por Lanjaron, depois Órgiva, Pampaneira, paramos em Bubion para tomar uma cerveja com tapas (cortesia da casa: peixe frito e azeitonas do lugar), entramos numa lojinha onde o pequeno Pablo se apaixonou por uma almofada do Tibete. ¨É para a minha casa secreta¨, ele disse, e comprei a almofada para o Pablo sem ter idéia de onde fica a sua casa secreta. Mas a sua felicidade era contagiante. Finamente Capileira , a cidadezinha mais bonita do mundo, minúscula, toda branca, com suas ruas empedradas, num sobe e desce que faz um buraco no tempo: aí viveram os godos, os romanos, os árabes e cristaos. Diz a lenda que aí se escondeu Boabdil, o último rei árabe de Granada antes de fugir para o norte da Africa. Os telhados das casinhas, de terra, com suas lindas chaminés , parecem desenhados. As lojinhas expoem tapetes belíssimos e sobre algumas casas um cartaz que me faz sonhar: vende-se lenha e azeite. Sempre que encontro uma cidade assim quero viver aí por uns dias. É muito fácil e barato alugar uma casinha nas Alpujaras. Da outra vez em que estive aqui quase alugamos uma, mas anunciavam uma tempestade de neve e a estrada pode ficar interrompida, tivemos medo. Almoçamos um prato bem espanhol e alpujareño: papas a lo pobre. Batatas meio fritas e meio cozidas no azeite, comida dos deuses. Pode-se acrescentar o que estiver por perto, presunto,choriço, ovo, etc. Assim, em épocas duras, de guerra e fome, a batata salvava a vida de muita gente.
Hoje estou em casa. Luis, meu neto, cresce a cada minuto.Estou terminando de ler o delicioso livro Entre Limones de Cris Stewart e foi incrível passar dentro dos lugares que ele cita no livro. É como andar dentro do livro!

terça-feira, 22 de setembro de 2009

TUDO PARA O LUIS

Ontem descemos até o povoado de Cenes de la Vega para levar o Luis, meu netinho que já tem 23 dias, até a farmácia que tem uma balancinha de pesar bebes. Ele engordou 125 gramas em uma semana e ficamos radiantes, pois só mama no peito. É muito difícil amamentar no peito e a mulher tem que estar muito segura dos benefícios que isso traz, do contrário certamente desistiria. A casa inteira vive em torno do Luis, é tudo para o Luis. Guga, meu filho, que no Brasil mantém um trio, o Trio Vira Lata, está compondo uma série de músicas para bebes, pois o gaitista premiadíssimo do trio, o Vitor Lopes, também teve um filho agora, e os dois músicos passam o dia compondo para os filhos.Vao gravar um CD. (desculpem a falta do til e do acento circunflexo, pois o teclado é espanhol) Fiz um poema e pedi para o Guga musicar:

Agora é tudo
pro Luis,
passarinho, borboleta
e as cores do planeta,
a luz do sol,
a luz da lua,
toda a casa
e toda a rua.

Agora é tudo
pro Luis,
todo o céu e todo ar,
e o que existe na terra
e o que existe no mar.

Agora é tudo pro Luis.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

REALEJO

Ontem fui almoçar num bairro de Granada que amo: o Realejo, antigo bairro judeu. Mais acima o Al Baysin, bairro árabe e o centro da cidade era católico. Em Granada, houve um dia em que as tres religioes se entrecruzaram. Os árabes dominavam mas eram tolerantes. Todos podiam exercer a sua fé livremente. Sempre achei que a fé é algo muito íntimo. É inacreditável alguém ou um povo inteiro achar que suas crenças sao melhores ou mais verdadeiras. O que nos une, a todos, nao é a fé nem as religioes mas o fato de que somos mortais e algum dia perderemos alguém que amamos e para isso nao há resposta.
Fui com os sobrinhos do Juan Arias, meu marido, o restaurante fica no Campo del Príncipe e se chama La Nynfa . De entrada pedimos um prato de pimientos de padrón. É muito divertido: um prato cheio de pequenos pimentoes assados, alguns muito fortes como se fossem pimenta e outros nao. É como um sorteio e todos ficam esperando: quem será quevai mastigar um pimentao ardido? Fui sorteada com apenas um e para isso temos um pao maravilhoso na mesa e azeite. Estar na Espanha é mergulhar na cultura do azeite. Todos querem me presentear com cinco litros de azeite caseiro... mas como iria carregar?

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

VIAGEM

A minha viagem para Granada foi perfeita. Li durante a viagem o livro A Volta para Casa de Bernhard Schlink, o mesmo autor do O Leitor. Ele trata da justiça, da culpa, do mal e do bem. Amei. Estava com muito medo de chegar em Madrid e perder o voo para Granada, mas deu tudo certo. Quando cheguei meu filho Guga já estava no pequeno aeroporto de Granada me esperando. Depois da loucura que é o aeroporto de Barajas em Madrid, me senti em casa. Viemos direto para Cenes de La Vega, seu pueblo, Calle de la Vista Blanca , sua rua. Aqui o silencio é total, pois estamos praticamente no campo. Só hoje, dois dias depois fui até a pequena vila, tomamos um vinho tinto de Granada, maravilhoso, com unas tapas, o bar é que escolhe o que vai mandar para a mesa (grátis). Recebemos uma porção de bacalhau fresco ao vinagrete.
O Luis, meu neto, me reconheceu na hora. Já no meu colo, estava completamente uno comigo e meus pensamentos. Ele é lindo, filho do meu filho!!! Hoje estamos no paraíso, ele dorme o tempo todo. Para dar cor local, estou lendo um livro que é um relato verdadeiro de um ingles que veio mrar aqui nas Alpujaras, a montanha maravilhosa de Granada. Chris Stewart é seu nome e o livro se chama Entre Limones . O livro é leve e divertido e diz minha nora que ele morá lá e recebe em casa seus leitores. Vou passar um dia nas Alpujaras e gostaria de conhecer sua propriedade mas acho que é bastante difícil o seu acesso.
Prometo a todos que irei contando as minhas aventuras granadinas.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

GRANADA

Tenho uma longa história de amor com a Espanha desde que ouvi o Concerto de Aranjuez com o Mile Davis na minha juventude e quase virei pedra de tanta emoção. Depois , em 1994, fui a Sevilha receber meu diploma da Lista de Honra do I.B.B.Y. A Andaluzia me impactou muito por ser tão árabe. No Brasil não temos contato com a cultura árabe. Durante a noite fui despertada por uma saeta , aqueles cânticos maravilhosos que ouvi no disco do Miles Davis.
Em 1997 voltei a Madrid e fui com o Juan até Lanzarote, nas Ilhas Canárias, entrevistar José Saramago. Fiquei apaixonada por Madrid, completamente. Em 98 morei em Madrid por seis meses com o Juan, enquanto esperávamos sua vinda definitiva para o Brasil. Então fomos a Granada. Granada é maravilhosa, com a Alhambra e seus bairros árabes.
Agora volto pela quarta vez até a cidade que é um pouco minha, pois aí nasceu meu neto Luis em 30 de agosto. Meu filho mora no caminho que vai para a Serra Nevada, depois do seu prédio começa a montanha , a estradinha de terra serpenteando com a vista da Serra cheia de neve eterna. Guga e Patrícia buscaram um lugar assim para morar, algo que de alguma maneira lembrasse Visconde de Mauá, onde a família tem um sítio. Granada tem histórias maravilhosas, tantas histórias de amor. De Jaén, ao lado de Granada, saiu meu escritor espanhol favorito : Antonio Muñoz Molina, com seu esplêndido livro SEFARAD. E perto de Granada, as Alpujaras, montanha onde os últimos árabes se esconderam quando tiveram que entregar Granada com a reconquista espanhola. Quero ir outra vez até essa montanha mágica, com suas casinhas brancas incrustadas nas encostas.
Continuarei escrevendo no blog desde Granada. Até breve.

domingo, 13 de setembro de 2009

FLORESTA DE LIVROS

Não pude ir até a Bienal este ano, mas tive dois livros selecionados para a Floresta de Livros: Arabescos no Vento, ed. Prumo e Poemas de Céu, ed. Paulinas. Fiquei radiante, achei a idéia da floresta maravilhosa. O tempo todo há que pensar em estratégias para pescar o leitor e melhor começar com o pequeno leitor para que ele cresça lendo.
Finalmente tive o insight completo de como gostaria de criar um Clube de Leitura para os professores e pretendo começar em março . Tenho o nome: Clube de leitura da Casa Amarela. Espero que a Secretaria de Educação daqui de Saquarema me ajude como sempre. Pretendo fazer uma vez por mes um almoço para discutirmos um livro que todos terão lido. A senha para participar do almoço é ter lido o livro inteiro. O primeiro vou indicar e para os próximos chegaremos juntos a um acordo. Será num sábado. Transformar o professor não leitor em leitor é a tarefa primordial. Já tenho a indicação para a primeira leitura: O LEITOR de Bernhard Schlink, um livro maravilhoso que deu origem a um filme também maravilhoso. São muitos os temas que o livro aborda, temas eternos e também históricos, datados. O autor é um dos mais importantes escritores alemães da atualidade. O Clube estará aberto para amigos , para todos. A presença terá que ser confirmada com antecedência por questões estratégicas, pratos, talheres, quantidades, etc. É engraçado como uma idéia vai tomando corpo dentro da gente mesmo quando não estamos mais pensando no assunto.

Já fiz a mala para Granada, Espanha. Vou levar apenas uma bagagem de mão, uma pequena mala de aeromoça e uma mochila pequena também. É incrível como sempre carregamos o dobro do que precisamos, pois na minha mala coube tudo , mas se tivesse uma mala grande eu a encheria. Ser minimalista em tempos de desperdício é quase meditação. Já recebi 3 fotos do meu neto Luis mas não faço idéia do que vou sentir quando nos olharmos pela primeira vez.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

PRÊMIO COMUNIQUE-SE DE JORNALISMO 2009

Meu marido Juan Arias, correspondente do jornal El País da Espanha no Brasil desde 1999, está entre os três finalistas do Prêmio COMUNIQUE-SE 2009 de jornalismo na categoria correspondente estrangeiro. O prêmio é considerado o Oscar do jornalismo brasileiro. Soubemos no final da tarde de ontem. Eu havia passado o dia transcrevendo as fitas da entrevista com a Marina Silva e o Juan ia traduzindo para o espanhol. Tarefa árdua e maravilhosa, pois, com os fones no ouvido, a Marina falava para mim! Suas idéias são claras.
Ficamos radiantes com a notícia , estar entre os três finalistas já é um prêmio. Os votos são dados por jornalistas e agora torcemos pelo resultado. Juan é de uma dedicação completa, trabalha todos os dias o dia inteiro depois da sua caminhada pela manhã. Ávido por notícias, pelo mundo , pela vida, Juan é a memória viva do jornalismo da Espanha desde o tempo do franquismo quando escrevia no jornal Pueblo, o único que conseguia insinuar algumas críticas nas entrelinhas. Juan nunca teve medo nem se deixou ameaçar. Sempre crítico do poder, sempre limpo, além de amá-lo eu o admiro como uma das melhores pessoas que já conheci. Juan foi padre mas quando conheceu o Vaticano por dentro saiu da igreja. Mas sua vocação foi sempre estar do lado dos desfavorecidos. Juan ama a natureza e todos os bichinhos, é mãe das nossas gatas. Juan é um otimista incorrigível, ( quem conhece seu livro os 50 motivos para amar o nosso tempo, ed. Fontanar/objetiva pode entender o que estou falando) sempre acha que tudo vai dar certo e nos rimos muito, porque como boa judia, eu sempre acho que tudo vai dar errado. O destino me deu Juan de presente. Agradeço.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

PERGUNTA

Ontem alunos do Centro educacional Nossa Senhora das Graças , Jacareí, São Paulo, me enviaram uma entrevista por e-mail.
Uma pergunta me emocionou demais : "O que fazem os teus poemas ser tão bonitos?" da aluna Carol.
Carol adivinhou: persigo a beleza, farejo a beleza, acho quem sem o belo não se pode viver. Em 1985 Antonio Carlos Sechin , professor e crítico de poesia me disse: "Teus poemas são belos". Acho que a beleza é instável e relativa, fruto do nosso olhar, mas é o que nos emociona. Às vezes a beleza é tanta que quase não aguentamos. Rilke nos diz em Elegias de Duíno: "O belo é terrível" . Beleza é o que faz a alma se expandir e doer.
Obrigada, Carol, por me fazer uma pergunta tão difícil e bela .

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

BABEL

Babel era nossa gata. Vivemos juntas por doze anos. Um dia Babel foi embora. Simplesmente pulou o muro e nunca mais voltou. Em 2000 publiquei um conto no site Doce de Letra que já não existe mais. Era um e-book lindamente ilustrado, um luxo. O conto está publicado no livro "Pequenos Contos de Leves Assombros" . Babel é um poema do livro "Caixinha de Música" que fiz com meu filho Guga. Mas Babel também é o Babel Restaurante em Visconde de Mauá,no Vale do Pavão, do meu filho, o Chef André Murray e minha nora , a Chef Dani keiko. Quando nos pediram sugestões para o nome do restaurante, Babel, tão amada e festejada, piscou seus olhos azuis e entendemos: ela queria virar restaurante.
Agora Babel virou uma Escola de Cozinha em Resende , num belíssimo casarão antigo. O Babel, Oficina de Gastronomia e Artes pretende juntar no mesmo espaço oficinas de música, exposições, concertos. É uma linda idéia, um verdadeiro caldeirão de arte. Quem estiver perto de Resende e quiser conhecer a escola de perto pode agendar pelos telefones : 24 33545936 , 24 99998121
Babel, onde estiver, sabe que está viva, pulsando arte, como uma verdadeira gata-estrela.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

ESPERANÇA

Muitos são os que carregam
água na peneira,
como disse o poeta Manoel de Barros,
e esperança como estrela
na lapela.
Muitos são os que acreditam
em coisas simples e limpas,
em coisas essenciais,
amor, amizade, delicadeza,
paz,
e tantas outras palavras,
antigas e urgentes.

Manual da Delicadeza de A a Z, ed. FTD


Hoje, meu marido Juan Arias, vai a Brasília entrevistar a senadora Marina Silva para o jornal El País. Marina traz novamente um cântaro cheio de esperança. Marina é da tribo dos que carregam água na peneira. Marina nos traz água limpa outra vez.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

LEJBUS KLIGERMAN

Meu pai escolheu a data de 7 de setembro para o seu nascimento. Explico: meu pai nunca soube em que dia nasceu. Assim, quando chegou ao Brasil escolheu o dia da independencia para festejar o seu aniversário. Não sabemos quantos anos teria se estivesse vivo pois existem contradições quanto ao ano do seu nascimento. Tenho um papel em mãos que me diz a data de entrada no Brasil: 25 de abril de 1930. O Consulado do Brasil forneceu o visto em Varsóvia em 3 de abril de 1930. Então a travessia durou uns vinte dias. Minha avó se chamava Chava e fico sabendo que residia em Denkow, distrito de Kielce e que nasceu em Zawichost em 1883. O documento que tenho em mãos a descreve: estatura mediana, rosto alongado, cabelo escuro, olhos azuis. Mas não fala dos seus sentimentos, do medo que deveria sentir na hora de embarcar . Eu a perdi muito cedo, não lembro da minha avó.
Meu pai traduziu seu nome para Luis e me deixou um legado imenso: amor, compaixão, curiosidade pelo outro, meu semelhante. Meu pai amava os escritores russos, música clássica, cinema, a vida. Era alegre e comunicativo, gestos largos, sorriso amplo. Meu pai era belo. Mas, às vezes era triste, arrastava as suas sombras . Hoje é o dia que escolheu para nascer. E nasce todos os dias dentro de mim.

Hoje é o aniversário do meu grande amigo Latuf que está em Belo Horizonte junto com sua família. Obrigada Latuf, por existir .

sábado, 5 de setembro de 2009

FEIJOADA



Ontem, dia 4 de setembro, vivi uma das experiências mais impactantes da minha vida: recebemos em nossa casa um ônibus da prefeitura de Duque de Caxias com 38 crianças e alguns adultos para uma feijoada. Eram alunos da Escola Municipal Pedro Paulo da Silva, de Santa Cruz da Serra. Nós nos conhecemos no Salão do Livro e na ocasião eu os convidei. Sob a batuta da diretora Lourdes, a orquestra para o acontecimento começou a afinar seus instrumentos. Foram muitas cartas e telefonemas até que o ônibus parou na frente da minha casa. Na hora em que o ônibus parou e as crianças começaram a gritar de felicidade, o sol apareceu. Antes o tempo estava feio e encoberto, prometendo chuva.Eu, como sempre ,pedindo um milagre. A varanda já estava arrumada, toalha de renda na mesa, flores apanhadas no jardim e o fogão de lenha estalando de felicidade . O feijão já estava no fogo desde cedo. Eles se perderam dentro de Saquarema e ficaram dando voltas e mais voltas, não encontravam o mar!!! Chegaram às 11:15hs. Correram todos para o jardim e como são de uma zona rural, identificaram todas as árvores, até a árvore de romãs. Depois nos sentamos na varanda e lemos juntos vários poemas. Eles me trouxeram 3 presentes muito especiais: uma camiseta assinada por todos, um quadro imenso com a assinatura e a foto de todos e um caderno com poemas e agradecimentos. Fizemos várias brincadeiras com meus poemas. Li um livro que fiz com a ed. DCL, "O que cabe no bolso?" e depois eu perguntei: se vocês pudessem guardar um desejo no bolso, qual seria? Todos queriam guardar amor ou poderes para salvar o mundo.
As professoras (Andréia Berg, Ivone, Regiane e Nilce, supervisora da escola) eram de uma delicadeza, exerciam seu carinho nos dando uma grande lição de como se pode ao mesmo tempo dar amor e limite sem nunca elevar a voz.
Então foi servida a feijoada. Fizeram uma fila em frente ao fogão de lenha, cada um com seu pratinho e iam se sentando no chão... Comeram sem deixar cair um grão de arroz. Nunca vi crianças mais doces e educadas. Elogiaram e aplaudiram a Vanda, autora do almoço.
Depois do almoço fomos ao mar. O mar estava muito forte, era impossível entrar. Grande parte das crianças nunca havia visto o mar! Foi um espetáculo impressionante. Pareciam aqueles passarinhos na beira do mar que correm quando a onda vem. As ondas eram imensas e vinham buscá-los na areia. Eles corriam para lá e para cá gritando de alegria. Catavam conchas e tatuís. Na volta Samuel , nosso caseiro, lavou os pés de cada um no jardim e chegou a hora da despedida. Choramos todos de emoção. Que grande presente poder dar assim um dia lindo para essas crianças.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A VIDA NO PARAÍSO

Estou em Teresópolis onde vive e trabalha minha irmã Evelyn Kligerman, ceramista e escultora. Agora , em seu atelier, está preparando um Mural Coletivo para o Colégio Estadual Campos Salles. Ela foi até a escola e os alunos fizeram 27 placas de barro previamente preparadas. Agora, dos 27 azulejos ela reproduzirá 600 a partir de moldes. O processo é lento, artesanal e muito trabalhoso. O resultado é belíssimo, pois ela trabalha com alta temperatura e os azulejos prontos e esmaltados emocionam. A escola inteira está envolvida e os pais sob a regência de um mestre de obras ajudarão a fixar os azulejos no muro da escola. A criação de um mural coletivo tece uma rede de afetos e alegria. Em dezembro o mural estará colocado e haverá uma grande festa de inauguração .

Ontem, eu , Evelyn e Manuela, de quem sou fada madrinha e que saiu de Saquarema e está vivendo aqui com minha irmã, vimos um filme sueco muito impactante: A VIDA NO PARAÍSO
do diretor Kay Pollak. Um maestro muito famoso abandona toda a sua vida de agenda lotada pelo mundo e volta para a sua cidade natal depois de um enfarte. Passa a reger o coral da Igreja e pouco a pouco transforma a vida de cada um e de toda a cidade . A partir do encontro com a arte as pessoas reavaliam suas histórias, encontram coragem para mudar . Ele faz com que cada um encontre a sua música interna. Essa é a função da arte.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

DEUS E SEXO




Soube pelo El País, jornal da Espanha: as duas palavras mais acessadas na internet são DEUS e SEXO. Não lembro os números em torno de milhões, mas são quase iguais, quase o mesmo imenso número.
Buscar Deus é uma tarefa árdua e perigosa, já que nossa mente não tem como entender o conceito de Deus. Deus seria sempre outra coisa, não o que pensamos. Deus nos escapa sempre. No entanto o homem faz essa busca desde o príncipio do mundo .
Assim como buscamos Deus buscamos o outro. Nossa existência não se faz sozinha. Sem o outro, meu semelhante, não existo. Fazer sexo com o outro , entrar em seu corpo, não seria o desejo de tocar nossa alma sempre na beira do abismo?

domingo, 30 de agosto de 2009

LUIS



MISTURA

Hoje, dia 30 de agosto, meu filho me ligou de Granada: "Mãe, nasceu teu neto. Estou com ele no colo. É lindo, é uma mistura de todos."

Luis, meu neto, tem o nome do meu pai. Patrícia, sua mãe, é sobrinha do meu marido Juan Arias. Uma vez, em 2003, Patrícia veio a Saquarema nos visitar. Guga, meu filho, que vivia em São Paulo, por coincidência, veio nos visitar. Guga chegou uma hora antes do que a Patrícia. Quando ela entrou , eles se olharam e se apaixonaram na hora. Eu vi. Em 24 horas Guga já falava espanhol. 30 dias depois estava na Espanha. Seis meses depois se casaram aqui em Saquarema. Patrícia perdeu sua mãe quando tinha dois anos. Estou indo para a Espanha dia 15 para cuidar do Luis junto com eles, serei então, além de avó, um pouco a mãe da minha nora.
Guga me disse que o Luis anula o tempo, já que mistura a minha família e a do Juan , num encontro completamente improvável. Lá atrás, em algum lugar do passado, na Andaluzia pobre , em plena guerra civil, nascia a mãe da Patrícia, irmã do Juan. Lá atrás, numa família de imigrantes , judeus poloneses, eu nascia. Depois vieram os filhos, Patrícia e Gustavo. Eu e Juan nos casamos tardiamente e não pudemos ter filhos, mas o Luis tem meus genes e os genes do Juan. E agora o Luis amarra tudo com as vigorosas cordas do amor.

TROTE CULTURAL

Ontem, meu amigo Prof. Latuf me telefonou felícissimo. Seus alunos do curso de Produção Cultural da UFFF estavam na primeira página do Jornal do Brasil. O trote cultural é uma idéia maravilhosa e substitui os trotes violentos e humilhantes. O projeto hoje tem a adesão de 47 cursos em Niterói. Os alunos do meu amigo Latuf levaram alimentos para os índios da tribo Tupy em Camboinhas.
Um ser humano não tem o direito de humilhar outro ser humano sob nenhum pretexto. E o que se tem visto ao longo dos anos são atos violentos, às vezes com morte , como um calouro afogado numa piscina e recentemente calouros de direito teriam cometido violência sexual contra calouras.
Entrar para uma universidade requer um rito de iniciação. Mas amor é a chave da convivência e o ato de levar alimentos para os índios é um ato de amor. Alimentar o outro é o primeiro ato de amor, o que inaugura a vida.
Latuf tem razão em estar orgulhoso dos seus alunos. Estou orgulhosa também.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

SAUDADE

Hoje Maya, minha filha de estimação, vai embora. Kira, minha netinha de estimação, vai embora. A casa ficará envolta em silêncio. Um silêncio duro, a falta. Ficaram 24 dias em Saquarema e voltam para Barcelona. Kira, de quase 4 anos, ontem me disse: "vovó, te quiero hasta la luna, hasta las estrellas!!!".
Juan fará uma paella de despedida, desejo da Maya. Gisela, nossa amiga motorista de táxi, que irá levá-las ao aeroporto, virá almoçar aqui.

Hoje acordei esquisita. Embrulhada, meio tonta. Já era saudade.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

PALAVRAS



Traduzo o que diz Juan Luis Cebrián no livro que terminei de ler EL PIANISTA EN EL BURDEL :
" Se a lingua constitui parte fundamental da própria identidade é graças, precisamente, ao seu caráter de aglutinador social, de meio ou sistema de diálogo. Mas também afirma a própria soberania do indivíduo (ou dos grupos). Como as pessoas pensam, acreditam, temem e amam em seu próprio idioma, Wittgenstein ousou pensar que os limites da existência são os da palavra."

Então lembro que o filósofo espanhol Fernando Savater disse que as pessoas se envaidecem ao comprar um carro novo quando deveriam ficar orgulhosas ao aprender uma nova palavra, já que são as palavras que expandem a nossa existência. Don Milani, um pedagogo italiano dizia que a diferença entre uma criança pobre e uma rica é que a criança rica possui quinhentas palavras a mais do que a pobre com as quais um dia dominará o então adulto pobre.

Possuir palavras para poder sonhar.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

HORÁRIO INTEGRAL

Leio hoje uma notícia maravilhosa: "Rio começa a ter ensino público integral" . Serão apenas 150 escolas em áreas de risco. Mas é um começo. Muitas crianças ficam sozinhas em casa quando não estão na escola. Muitas crianças ficam na rua. Imagino essas crianças na biblioteca ou fazendo aulas de dança, de música, teatro ou aprendendo uma lingua de maneira lúdica e eficaz. Nunca entendi por que as escolas não conseguem que os alunos saiam falando fluentemente uma lingua. Com a aptidão que as crianças possuem para aprender novas linguas!!!
Julia é filha de uma amiga. Minha amiga trabalha o dia inteiro. Julia não tinha com quem ficar. Com 11 anos almoçava sozinha e passava a tarde inteira sozinha em casa. Falei com a diretora da escola e pedi que Julia ficasse na escola. A diretora atendeu meu pedido. A vida de Julia não é mais solitária e triste. Sua mãe agora trabalha sem a angústia que sentia. Gostaria que meu pedido se estendesse a todas as escolas. Diz Merval Pereira que para cada ano de escolaridade acrescentado , o salário aumenta cerca de dez por cento, principalmente no ensino básico. Não existe melhor investimento do que a educação. Gente é o melhor investimento.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

KIRA E OS 50 MOTIVOS PARA AMAR O NOSSO TEMPO

Dia 22, sábado, noite fria, mas finalmente sem chuva nem sudoeste, recebemos umas cem pessoas aqui em nossa casa para o lançamento do meu livro Kira, ed. Abacatte e 50 Motivos para Amar o Nosso Tempo, ed. Fontanar/Objetiva, do Juan Arias. Numa sincronicidade incrível, o suplemento Prosa e Verso do jornal O Globo publicou uma resenha do livro do Juan. Kira, nossa netinha, a personagem, estava radiante. Sabia que a festa era para ela. Latuf, nosso grande amigo , fez uma performance maravilhosa com os nossos nomes. Fiquei emocionadíssima, era como se eu e Juan naquele momento estivessemos misturados, como uma só estrela. Juan fez um monte de tortillas, durante todo o dia a casa ardia de felicidade, a cozinha febril. Às 19hs em ponto a varanda já estava arrumada, a mesa linda, com todos os pães que fizemos, os queijos, os vinhos. Vieram os amigos e os amigos dos amigos e os amigos dos amigos dos amigos... numa corrente maravilhosa. Então tivemos dois lindos lançamentos em agosto, o do Latuf, com seu belo livro Águas de Saquarema na Casa de Cultura e o nosso, aqui em casa. Um sudoeste de poesia passou por Saquarema.

sábado, 22 de agosto de 2009

LANÇAMENTO NA VARANDA

Ontem passei o dia fazendo pães para o lançamento hoje dos nossos livros, meu e do Juan, Kira , ed. Abacatte e 50 Motivos para amar o nosso tempo, ed. Objetiva. Fiz 12 pães. O sudoeste soprava sem parar acelerando meu coração. A casa quase levanta voo quando o vento vem do mar. Abrimos a casa para os amigos e a comunidade e estamos esperando uma cem pessoas. A idéia é que a festa aconteça na varanda, a casa é pequena para abrigar tanta gente. Choveu a noite inteira. Ouvia a chuva no fundo do meu sono. Levantei às 4:30hs, chovia torrencialmente, tomei café e subi para o estudio para escrever. Hoje pela manhã faremos as tortillas. A idéia é essa: fazermos tudo com as nossas próprias mãos. Agora espero o milagre. O vento pouco a pouco se acalmará, a chuva cessará, e poderemos fazer o lançamento na varanda.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

FLORES



Flores passeiam
no azul do dia,
fabricam coloridos
silêncios,
como se fossem lenços
de seda e ar.

Jardins, ed. Manati


Kira, minha netinha de estimação, estava em silêncio. Eu perguntei: "Kira, você não quer falar com a vovó?" e ela muda. Então lhe disse: "Kira, me dá uma palavra de presente? Uma só." Ela pensou, pensou e me respondeu: "Flores!"

Ontem revi Cabaret, com a Liza Minelli. Como se pode fazer um filme tão perfeito? O filme é de 1972 e eu o vi no cinema assim que chegou ao Brasil. Nunca o havia revisto. O filme é totalmente eterno, nada envelheceu. As melhores cenas ficaram gravadas em mim como se tivesse visto o filme ontem. Foi uma grande felicidade.

Hoje chove. As flores agradecem. Está lindo o dia.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

NO MUNDO DA LUA



Vou inventar uma rua
onde se pinte e borde
se faça e aconteça
se cante e dance
se plantem corações
uma rua onde todos vivam
no mundo da lua

No mundo da lua, ed. Miguilim/Ibeppe

Transformar o ambiente em que vivemos, a rua, o bairro, a cidade, é tarefa das mais prazerosas. Na minha casa construimos um bosque onde plantamos corações. O vento sopra todo o tempo e balança as redes na varanda , convida os amigos. A casa está sempre perfumada, com cheiro de alecrim, pois todos os dias fazemos pão. Aqui fabricamos poesia diariamente e fazemos alquimia com as pessoas. Viver a vida ludicamente , como as crianças. Ontem fui ao mercado com minha neta Kira, ela levava uma bolsinha pendurada no carro da boneca e de repente parou, abriu a bolsa e tirou uma flor lá de dentro, toda murcha e amassada, me ofereceu a flor, toma vovó, para você! olha que flor linda. Fizemos um jardim na praia e logo o vizinho nos imitou e o vizinho do vizinho. Nosso bairro se chama Gravatá, que em tupi designa uma espécie de bromélia. Saboreio o nome , uma bromélia floresce em minha boca. Na esquina da nossa casa há um mercado, um bar, uma farmácia (a farmácia da Moisés, onde se pode comprar fiado e botar na conta), um ponto de ônibus. O bar coloca as cadeiras na calçada para que as pessoas se sentem para esperar o ônibus. Um gesto simples que aproxima as pessoas. Enquanto se espera, se conversa. Há uma academia de ginástica e uma lan house. Gatos e cachorros convivem amorosamente. A rua que desce na esquina do mercado leva o olhar até a lagoa. Bicicletas passam e nos acalmam. Aprendo com o zen budismo: cada momento é único e iluminado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

NOVA CIVILIZAÇÃO




Estou terminando de ler um livro muito interessante : "El pianista en el burdel" de Juan Luis Cebrián, o fundador do jornal El País. Fala sobre os primórdios do jornalismo e vai caminhando até desembocar em nossa nova civilização, nosso novo mundo virtual. E fiquei muito emocionada quando ele diz que nossas memórias, das pessoas da minha geração (tenho 58 anos) estão ancoradas no mundo analógico. Por isso temos tantas dificuldades em nos mover no universo digital. Claro que faço tudo o que posso para entender. Mas pensar que os jornais em papel tendem ao desaparecimento, os livros dentro de muito pouco tempo serão lidos em outros suportes, que o cheiro maravilhoso do papel, o toque , o tato, tudo isso muito em breve ficará para trás, é difícil de aceitar. E a realidade virtual é uma realidade, o que prova que as realidades são múltiplas e as fronteiras entre elas tão finas...Se penso que foi apenas em 1998 que passei a usar a internet, a me comunicar por correio eletrônico! É muito pouco tempo para um salto tão grande. Tenho um site, um blog, recebo notícias de muitos lugares do mundo. A rede cria redes de solidariedade e nunca se leu e escreveu tanto. Mas tento, com todas as forças, preservar um pouco do meu mundo antigo. Não deixo que a internet me devore. Prefiro ler livros do que ler na tela do computador. Prefiro ler um livro de ensaio como o do Juan Luis Cebrián do que apenas me alimentar com textos da internet. E ainda prefiro ter amigos de verdade com cor, voz e cheiro do que uma rede com quinhentos amigos virtuais.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

FESTIVAL DE OUTONO



SONHO

As idéias para Saquarema estão surgindo. Pensamos num Festival de Outono . Por ser a estação do ano mais bela, a mais propícia para a poesia, com pouca chuva e temperatura amena. Queremos trazer um Ciclo de Palestras de Poesia, Dança e Música. Precisaríamos de uma reforma no teatro Mário Lago ou então de uma grande tenda , como em Paraty. Levaremos o projeto para a Prefeita em nome de um grupo de artistas, jornalistas e escritores Pensamos em utilizar a escadaria da maravilhosa Igreja que temos em Saquarema, de uma beleza ímpar. Em noites escuras a Igreja parece um castelo de conto de fadas. Quem sabe conseguimos o Festival já para 2010? São os sonhos que movem o mundo...

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

IDÉIAS PARA SAQUAREMA




UM GRANDE FESTIVAL DE POESIA ?

A Prefeita de Saquarema, Franciane Mello, nos disse no lançamento do livro Águas de Saquarema do Prof. Latuf, que estava aberta para receber idéias culturais para Saquarema. Latuf, meu grande amigo, anda empolgadíssimo. Já soubemos que em alguns países fazem grandes festivais de poesia que lotam estádios! e Latuf quer algo assim para nossa cidade. Contamos com o apoio do Francisco, procurador-poeta . Saquarema é linda e, no entanto, é um deserto em termos culturais. Não temos nada além dos Festivais de Surf e às vezes alguns concertos de rock. No entanto poderíamos ter concertos ao ar livre com orquestras na escadaria da belíssima igreja, concursos de corais, festivais de dança, de cinema, Saquarema é tão bela toda envolta em águas, que parece um cenário à espera. Quem sabe, agora que Latuf vai se aposentar e terá um pouco mais de tempo livre ele consiga sensibilizar os canais competentes? Ganhariam todos.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

INESPERADO



MARINA SILVA


O inesperado abre suas asas. Marina Silva, brasileira, mulher, negra, profundamente conhecedora da nossa realidade, apaixonada pelas árvores, pela Amazonia, pelo meio ambiente, pela vida, quem sabe será candidata a Presidente da República. Marina tem as mãos limpas e não mente. É verdadeira no que faz e não se deixa intimidar. Juan Arias, meu marido, foi entrevistá-la em seu apartamento em Brasília quando ainda era Ministra. Um apartamento pequeno e simples. Não possui mansões, não tem tesouros escondidos. Talvez Marina seja para o Brasil o que Obama foi para os Estados Unidos. Talvez Marina venha para ajudar a drenar os pântanos, o lodo, a vergonha que cobre nosso país. Por favor Marina, estamos todos tão cansados deste teatro de horrores, venha com o teu coração aberto virar o Brasil do lado do avesso. Quando eu trabalhava para o Proler viajei muito pelo interior do Brasil. É um povo tão lindo, tão limpo, este é o Brasil que todos merecemos. Marina pode nos devolver o verdadeiro Brasil.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

UM HOMEM DIFERENTE



EN BUSCA DEL HIJO

Por esta casa sencilla,
de paredes blancas
y agua siempre fresca
en la jarra,
pasan caravanas
de mujeres, locos,
leprosos, videntes,
artistas, pescadores,
enfermos, sabios,
payasos, profetas,
en busca del hijo
que escribe poemas
en el viento...

Maria, esa gran desconocida, ed. Maeva (Juan Arias , poemas de Roseana Murray)

Como judia passei uma vida inteira sem nenhum conhecimento mais profundo sobre Jesus. Jesus é uma figura bastante problemática para os judeus, já que fomos acusados, durante séculos, de matá-lo e a Igreja nunca se lembra de dizer aos seus fiéis que Jesus era judeu, sua mãe era judia, seu pai era judeu. Depois que me casei com Juan Arias, jornalista, escritor e teólogo, ex padre, comecei a conhecer Jesus, sua figura impressionante e iconoclasta e todo o horror que foi perpretado em seu nome é inadmissível. Toda a sua vida foi um manifesto a favor da liberdade e a Igreja que não foi fundada por ele até hoje não admite os diferentes. Juan publicou sábado um artigo no El País , "Por que la Iglesia teme a los diferentes? " onde levanta todas estas questões. Já que Jesus abrigava em suas andanças todos os marginais do seu tempo , por que a Igreja continua a detestar os que não pensam como ela? Porque a Igreja condena os que caminham fora das normas estabelecidas? Que Igreja é esta que faz e prega o oposto do que foi a vida deste profeta louco ?
Aprendi a conhecer Jesus lendo os livros do Juan . Escrevi para seu livro " Maria, esa gran desconocida um poema para abrir cada capítulo" e o que posso dizer é que nenhuma Igreja leva sua vida a sério. Já me dizia um teólogo em Madrid que suas idéias eram de tal maneira revolucionárias que tiveram que criar uma Igreja para combatê-las. Mas o que mais gosto dos seus ensinamentos é quando diz que " chegará o dia em que não necessitaremos de templos senão que adoraremos em espírito e em verdade". Nós somos o templo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

ÁGUAS DE SAQUAREMA

LANÇAMENTO

Medi(t)ação

Como quem olha a onda do mar
-surpresa que entedia -
vou reparando a espuma dos dias.

Latuf Isaías Mucci

Dia 8, sábado de lua-cheia, a antiga Prefeitura de Saquarema, casa lindíssima, recebeu um mar de gente para o lançamento do livro de poesia Águas de Saquarema do Professor/Mestre/Doutor em literatura, arte e vida, Latuf Isaías Mucci. Latuf estava vestido com um túnica oriental até os pés e era o verdadeiro anfitrião antigo, como o beduíno em seu oásis: para cada um tinha um sorriso e uma palavra especial. Seu livro é lindo, mistura todas as águas de Saquarema, é uma celebração, sua poesia é bela e cheia de humor. O livro é uma grande ode à cidade que escolheu para viver.
Conheci Latuf e imediamente a literatura nos uniu e ficamos tão amigos que não consigo imaginar como passamos uma vida inteira sem nos conhecer. Latuf tem o coração aberto como uma caixa mágica de onde vão saindo as coisas mais inesperadas. Com seus olhos de poeta vai lendo o céu e a terra e nos deslumbrando com o que nos aponta, o que não havíamos visto antes dele. Latuf é um dervixe de alegria e seu livro é assim: alegre e denso.

sábado, 8 de agosto de 2009

AMIGOS


RIVKA E JACOB

Rivka é uma iraniana que viveu muitos anos em Israel. Jacob é polonês, judeu, homem cultíssimo e bem humorado. Ela é ceramista e ele foi dono de uma gráfica. Falam muitas linguas e são a favor da paz entre palestinos e israelenses. Rivka acompanha todos os movimentos que unem palestinos e israelenses . Rivka tem uns 70 anos e Jacob já vai fazer 90. São apaixonados. Enquanto ela trabalha em seu atelier de cerâmica em Teresópolis, ele pensa na vida. Estão aqui em Saquarema pois Jacob adora viajar e mudar de ares. Ela me conta dos livros que está lendo, me fala de Sandor Marai, escritor que adoro, Jacob também lê muito. É maravilhoso estar com eles, são uma lição de amor, alegria e vida. Jacob adora ver o mar, os surfistas e me diz: "eu também fazia surf " . Rivka diz que não é verdade, mas não importa, a memória também inventa. E ao ver aqueles homens no meio das ondas o desejo de Jacob de também estar ali, no meio do mar, faz com que ele se lembre do que nunca aconteceu! Gostaria de me lembrar que um dia fui bailarina, pianista, cantora, pintora... tudo o que adoraria ter feito e não fiz.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

NA FAZENDA




FELICIDADES

Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.

Rios da Alegria, ed. Moderna


Levamos Kira, nossa netinha, para passar dois dias numa fazenda em Rio Bonito. Foi maravilhoso tocar a sua felicidade feita de bois, cavalos, galinhas, coelhos, cabras, avestruzes, charrete, piscina, cachoeira... A dimensão do humano para mim é a natureza. Por um tempo nos reencontramos com o que fomos no passado, em outras eras, quando tudo era tão mais simples. O campo me faz bem. Fico totalmente em casa com os cheiros de mato, bosta de vaca, lenha, o vento no final da tarde.
Kira brincou com as crianças e é lindo ver como criança não tem fronteira: ela fala em espanhol , eles falam em português e todos se entendem perfeitamente. Sonho o dia em que o mundo também não terá fronteiras. Todos poderão estar em qualquer lugar, onde a felicidade estiver, sem passaportes, carimbos, pedidos de estadia. Talvez as crianças devessem governar o mundo.
Penso que os artistas são os adultos que nunca se esqueceram da criança que foram um dia.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

CHEGADA



MAYA E KIRA

Ontem fui buscar Maya, minha filha de estimação, filha do Juan, e Kira , minha netinha. Vieram diretamente de Barcelona até Saquarema. Depois de um ano, Kira, que fala fluentemente espanhol, inglês e catalão, se lembrava de tudo: do jardim, da casa inteira, das gatas, do Samuel e da Vanda, nossos caseiros. Kira já está uma mocinha, fará quatro anos em setembro. Faremos um grande lançamento aqui em casa do livro Kira, que escrevi para ela e sairá pelo novo selo Abacate, da editora Lê e do livro do Juan "50 motivos para amar o nosso tempo", ed. Objetiva. Ao mesmo tempo estaremos comemorando a vinda das duas, a vida. Depois irei para Granada, Espanha, receber Luís, meu netinho. É tempo de netos. Estou muito feliz.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

DESERTOS




CINCO

Percorrer o silêncio do deserto,
sua espinha dorsal
feita de murmúrios, vertigens,
caravanas, o ruminar dos camelos.

Numa noite escura
uma fonte escondida
fabrica sonhos e água.

Desertos, ed. Objetiva

Recebi das mãos do Roger Mello, em 2002, um caderno de viagens, a sua viagem ao Marrocos. Pedi ao Roger que me deixasse fazer os poemas para os seus desenhos. Fiz uma viagem imensa até a minha infância e me deixei conduzir pelas histórias da Bíblia que ouvia, pelas Mil e Uma Noites que lia. Gosto muito do resultado. Numerei os poemas, ao invés de dar um título para cada um. O livro é cheio de espaços vazios, o próprio deserto. A ed. Objetiva copiou perfeitamente o caderno de viagens do Roger. Fomos finalistas do Prêmio Jabuti.
A fonte escondida, no poema número cinco, é a que nos dá o poder da criação. Às vezes há que parar para ouvi-la. É no silêncio que posso recolher a sua água e fabricar os meus poemas.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

JARDINS

Flores alimentam sonhos,
dão de comer aos olhos,
arrumam e desarrumam
formas e cores.

Jardins, ed. Manati


Hoje queria falar do meu quintal. Onde antes só havia areia, quando compramos a casa em 2002, hoje há um bosque, um belo jardim. Gosto de me sentar aí, bem quieta , de manhã, e deixo que minha alma se perca ouvindo os pássaros. As árvores já estão bem grandinhas : seis coqueiros sempre carregados , cravo, canela, limoeiro, goiabeira, louro, graviola, acerola, pitanga, romã, jabuticaba, mulungu, bico-de-papagaio , uma imensa palmeira triângulo, uma areca e um jardim só de cactos. Um flamboyant de flores vermelhas hospeda uma orquídea. Tenho uma pequena horta de temperos. Onde antes só havia areia, hoje muitas vidinhas se agitam, visíveis e invisíveis. O quintal é uma aquarela: hibiscos e buganvílias colorem os muros e o mar faz o fundo musical. Na varanda tenho um fogão de lenha que me conecta com os ancestrais. E o vento que sopra do mar une todos os elementos.
A poesia está em tudo, de vez em quando estico a mão e apanho um poema como um beija-flor em pleno voo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

LÁGRIMAS




PALESTINA

" No mais profundo do nosso ser acharemos água e ao nos submergirmos nela, choraremos. Nascemos na água e a ela retornamos. Morremos quando a água seca. O mar é um leito sobre o qual repousa a terra. As lágrimas são o leito sobre o qual os homens repousam. " Elias Khoury

Avanço na leitura do livro La cueva del sol de Elias Khoury e traduzi o pequeno trecho acima porque me comoveu demais. Porque todas as lágrimas do mundo não bastam para narrar a triste saga do povo palestino e vou junto, de aldeia em aldeia, expulsa de todos os lugares. Que história terrível a de povos irmãos que não se reconhecem . Sou judia e tenho um amigo-irmão libanês, Professor Latuf. São tantas as raízes que temos em comum, nossas almas caminham tão juntas, que por mais que busquemos, por mais que se cave a terra para encontrar as razões da exclusão de todo um povo por outro povo que sofreu a mesma coisa, dois mil anos de exílio, inquisição, e um Holocausto, não há razão. Os dois povos poderiam e deveriam viver juntos. Enquanto o milagre não acontece lágrimas cobrem a terra.

terça-feira, 28 de julho de 2009

FRASES TÓXICAS



FRASES AMOROSAS

Uma psicanalista francesa, não lembro o nome, falou (em um programa na TV 5 )sobre frases tóxicas. Aquelas frases terríveis que muitas crianças ouvem: "Você não sabe fazer nada direito"! "Que menina mais desastrada!" "Você faz sempre tudo errado"! "Teu irmão faz tudo muito melhor!"
Essas frases, como um veneno mortal e lento, vão ao longo dos anos agindo em nosso psiquismo, minando nossa auto-estima e nossa imagem interior fica frágil, estilhaçada.
O antídoto? Frases amorosas. Frases que nos empurrem suavemente em direção à vida como um vento perfumado e benfazejo. Frases delicadas, gentis, que nos abram as portas do universo. Frases amorosas que serão o nosso passaporte para a felicidade.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

RECEBENDO VISITAS



CASA DE AMGO

Na casa do amigo
os móveis flutuam
a um palmo do chão.

O ar é mais leve:
em cada recanto
os pássaros tecem.

Na casa do amigo
todas as confidências
são permitidas.

Todas as palavras
são entendidas
tâo facilmente,
que é como água
falando com água.

Na casa do amigo
o coração se alimenta.

Casas, ed. Formato

AMIGOS NA CASA

Preparar a casa para receber amigos é a tarefa mais prazeirosa que há. Dr.Messias, diretor da Unidade de Adolescentes do Hospital Pedro Ernesto e Dra. Kátia, sua mulher, diretora da Casa de Saúde Grajau são nossos companheiros nas alegrias e dissabores. O Messias assumiu a sua cadeira na Academia de Medicina lendo, em seu discurso, um poema meu. Chegaram sexta-feira à noite com duas garrafas de vinho espanhol para o jantar.
O sábado era de chuva e mar escuro, dia de ficar dentro de casa falando dos livros que cada um está lendo, dos filhos distantes, da vida, dos sonhos. Domingo veio Jaime e a linda família colombiana. Ele é diretor da agência EFE no Brasil e sua filha de 9 anos já está escrevendo um livro e comenta todas as notícias do mundo! Juan fez os pães e a paella, pois além de jornalista é padeiro. Os pães do Juan já estão famosos.
Agora estão chegando Maya, a filha do Juan e Kira, nossa netinha. Elas chegam dia 3 de Barcelona. Kira fará 4 anos em setembro e fala espanhol, inglês e catalão. Diz que também fala um pouquinho de português, já que sabe dizer vovô e vovó!
Hoje o dia está lindo, o mulungu continua florido e rodamos a manivela da segunda-feira...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

UNIVERSO




GLIESE 581d

Leio no El País um artigo maravilhoso sobre planetas fora do nosso sistema solar. A ciência deu um salto e hoje esses planetas que giram em torno de estrelas, como o nosso, estão sendo estudados. Existem muitos planetas parecidos com a nossa Terra e foi descoberto um , o GLIESE 581d, potencialmente habitável.
A notícia me deixa elétrica. Sempre acreditei não sermos únicos na imensidão do universo. Em algum lugar do firmamento deve existir pelo menos um planeta com um homem melhor do que nós, digamos menos humano, menos violento, mais leve e solidário. Alguns grandes homens e mulheres nos provam que esse tipo de humanidade é possível. Um mundo onde o outro nunca seja inimigo, onde o bem estar de cada um seja tarefa coletiva .

quarta-feira, 22 de julho de 2009

MINHA MÃE



ESPANTO POR ESPANTO

a vida é isso?
essa espera de auroras
boreais
estar a sós com seus
pensamentos
falcões amestrados
em direção ao passado
ao futuro
ao fundo duro
dos abismos?

o tempo não se mexe
penhasco imutável
no oceano das horas
nós é que nos vamos
estranhas marionetes
sem rumo

então a vida é isso
segundo por segundo
estrela por estrela
espanto por espanto

Poesia Essencial, ed. Manati

Minha mãe fez 88 anos em 30 de março e tem um câncer terminal. Ela não pergunta nada, mas acho que sabe. Todos os dias sua vida passa diante de mim como um filme. Os retalhos das lembranças que tenho. Ela vive em Teresópolis e eu em Saquarema. Todos os dias nos falamos pelo telefone e a proximidade de sua morte confere a tudo o que diz uma luz diferente e uma dor. Quando desligo o telefone estou destroçada. Será que deveria ficar feliz porque ainda está viva nesse dia? Então eu a vejo . Ela corria o tempo todo, era elétrica e criativa. Veio da Polônia com quatro anos, mas meu avô, muito esperto, a registrou no Brasil. Sempre esteve na vanguarda do seu tempo. Muito jovem saiu de casa para trabalhar, usava roupas extravagantes e platinava os cabelos. Era linda. Estilista de moda, teve uma butique num casarão antigo onde fabricava seus modelos. Amava jardins e descobriu Saquarema em 1969. Ela mesma fazia o jardim e eu a vejo com tesouras de podar e uma pazinha vermelha nas mãos. Desde que eu era criança ela caminhava uma hora bem cedo de manhã quando ninguém ainda caminhava. Ela adivinhava sempre o que iria acontecer no futuro! Quando se mudou para Teresópolis, pintou a parede do seu quarto de vermelho e fazia todos os cursos que podia na Pro Arte. Era viva e jovem e alegre, mas o seu tempo no palco-vida está se extinguindo. Concordo com o Drummond , mãe não deveria morrer nunca. Para onde irá minha mãe? Sei que estará ancorada em mim para sempre , até que chegue também a minha hora de escolher uma estrela para morar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

TRANSFORMAÇÃO




RUA CARUARU



A minha primeira escola ficava na Rua Caruaru, no Grajau, onde passei minha infância. Talvez eu tivesse 3 anos. A babá me levava ou meu irmão, de bicicleta. Eu não gostava da escola. Vomitava na escola, todos os dias. Fiz os 3 primeiros anos do primário na E.M Francisco Manuel, escola pública. Fiz o último ano no Hertzlia, na Rua Maxwell e o ginásio no Colégio Hebreu Brasileiro, onde descobri que sabia escrever. Minhas redações eram lidas em voz alta e faziam sucesso. Em todas as escolas a disciplina era cruel e arbitrária, pairava um desconforto sobre todas as coisas e sempre me senti deslocada. Entre todos os professores apenas uma tocou meu coração com seu carinho e paciência: Rosa Hermann, acho que já não vive mais. Ela interagia comigo e fazia com que eu me sentisse única, especial e inteligente.



Leio um longo artigo publicado no El País, onde se coloca a questão: qual a papel do professor hoje? Na minha época o professor reinava soberano, sobre um pedestal, nos infundia um medo terrível e sabia tudo. Hoje os meninos e meninas lidam com a tecnologia muito melhor do que os professores e a informação e o conhecimento estão ao alcance de todos. O que fazer? Mudar a escola ou voltar ao passado, onde o aluno era punido e respeitava o professor por medo? A resposta para mim é clara: a escola vai mudar. O professor será aquele que orienta, conduz, faz o aluno descobrir seus talentos como fazia a professora Rosa comigo, ao me estimular. Cada ser humano tem um dom e às vezes, coisa terrível, uma vida inteira se passa sem que a pessoa descubra o seu dom. O professor(a) seria um descobridor de dons. Todas as matérias precisam interpenetrar-se, circular livremente umas dentro das outras e a literatura será como a estrela-guia. O professor hoje tem que achar o seu espaço, um novo espaço. E o aluno é agora um parceiro, nós todos, viajantes de um mundo em rápida transformação.

domingo, 19 de julho de 2009

BÚZIOS



UM ALMOÇO COM AMIGOS

Fui a Búzios a primeira vez em 1971. Acampamos com amigos na praia da Ferradurinha, completamente vazia. A estrada era uma aventura. Chegamos de madrugada com lua cheia.
Aquela cidade não existe mais. Andando pela Orla Bardot, lá no final, perto da subida para a Praia dos Ossos, há um eco de Búzios , como o mar dentro da concha. Pescadores, gaivotas, jovens saindo da escola, farejo o passado.
Ontem fomos almoçar com os amigos Nelson e Alba, em Búzios, numa bela casa de 1971, magnificamente restaurada. Conhecemos a Cris, escultora das estátuas de Búzios, crianças e pescadores . Conhecemos Ângela, socióloga, professora da PUC e seu marido. Durante o almoço e depois, conversamos sobre os escândalos políticos, o esgarçamento do tecido social.

O mar , na frente da casa, azul e límpido, contrastava com o mar de lama, o cinismo vigente, tema das nossas preocupações. Mas a pergunta mais inquietante : O que podemos fazer? Nós, pessoas comuns, simples mortais, para que alguma coisa mude, para mostrar nossa indignação?

sábado, 18 de julho de 2009

TAPETE DE PALAVRAS

Recebo um livro da Espanha: La cueva del Sol, do escritor libanês Elias Khoury, ed. Alfaguara. Seu livro ganhou em 2000 o Prêmio Palestina e foi eleito o livro do ano pelo Le Monde Diplomatique. O livro narra as andanças do povo palestino. O narrador é um médico sentado junto ao seu pai espiritual, em coma, num acampamento de refugiados. Sua narrativa é errante também, uma história dentro da outra, ao sabor das lembranças. O médico fala para que o homem não morra. Em certo momento ele diz: " Yo alfombro el suelo con mis palabras para que andes sobre ellas."
Seria essa a função do escritor? Atapetar o chão com palavras? Kafka disse que um livro tinha que ser como um machado para quebrar o gelo do coração do leitor.

Enquanto leio é minha a dor do povo palestino.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

DIVAGAÇÕES



OFERENDA

poesia é o que posso
te oferecer
como um pouco de tempo
claro
no fundo do tacho
como uma estrela de água

escuta: os pássaros
forram a tarde
com seus invisíveis anseios

caminha com cuidado
o chão está armado
em cima de horizontes

tudo pode ruir de repente
essa casa de vento
meu coração

Poesia Essencial, ed. Manati


Hoje o dia está completamente azul. Cedo de manhã leio uma conversa com o escritor mexicano Carlos Fuentes. Ele nos conta que não acredita em inspiraçâo e que escreve diariamente com uma disciplina férrea. Penso que a lavoura do poeta é diferente. Trabalhamos sobre o caos: qualquer coisa faz o poema, um cheiro, uma lembrança, uma sensação. O poema não precisa de tramas, é outra sua urdidura. Quando preciso escrever um poema, sinto um chamado físico, é no meu corpo que o poema nasce.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

FALANDO DE PÁSSAROS E GATOS



FAXINA

dia de faxina
na casa dos pássaros
chuva grossa e chuva fina
vassoura de vento
sabão de neblina

**********************

CASA DE GATO

casa de gato
no canto da rua
mobília de vento
tapete de lua

Falando de pássaros e gatos, ed. Paulus


Hoje chove uma chuvinha miúda, o mundo mais ou menos em preto e branco. Ao abrir a porta da varanda cedo de manhã, a que dá para a montanha, a surpresa : o mulungu havia florescido e suas berrantes flores vermelhas eram a única cor da paisagem.
Em dias assim os pássaros ficam preguiçosos, meio adormecidos em seus ninhos, lendo a natureza. Eu leio Isaac Bashevis Singer, (Amor e Exílio, ed. LPM) ,escritor que amo e ele traz meu pai de volta, sua infância de menino pobre numa aldeia perdida no interior da Polonia. Era tão triste e sofrida a vida dos judeus que meu pai não gostava de nos contar nada. Leio Amor e Exílio e penso na sorte imensa do meu pai ter vindo para o Brasil antes da guerra, na sorte que foi para mim ter nascido aqui. Adoro ser brasileira.
Nana, nossa nova gatinha, foi encontrada na rua, abandonada. A sorte da Nana foi igual a minha: imensa. Ela nos faz rir o tempo todo com suas palhaçadas e eu entendo todos os seus pensamentos.
Publiquei o livro Falando de pássaros e gatos em 1990, Edmir Perroti foi meu editor. Num dos lançamentos do livro, na Biblioteca Pública de Belo Horizonte, alguém me perguntou se eu achava que uma criança entenderia as minhas imagens. As crianças sempre amaram as minhas imagens e cada dia recebo mais e mais provas de que uma criança conhece muito bem um sabão de neblina e um tapete de lua!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

CAFÉ LITERÁRIO



A PROFESSORA

Com sua lanterna de abrir o céu,
de iluminar as profundezas do mar,
a professora soletra nosso pequeno
coração.

E todos os dias,
diante de nossos olhos
assombrados,
ela costura o passado e o futuro,
desembrulha
os segredos do universo.

Artes e ofícios, ed. FTD

Quarta-feira passada, dia 8 de julho, tivemos nosso Café Literário. Aguardo ansiosa a crônica do Professor Latuf, o nosso escriba oficial, porisso deixo para ele a tarefa de contar tudo o que aconteceu aqui na bela manhã de julho. Mas queria falar da felicidade que sinto quando vejo professoras e alunos misturados, envolvidos com o texto. Mais uma vez contei do livro que estou terminando de ler, A sociedade literária e a torta de casca de batata, de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, ed. Rocco. A sociedade literária do livro foi formada por não leitores, não vou contar o motivo, deixo para vocês descobrirem lendo o delicioso livro. Mas, este fato confirma a minha intuição de que criar Clubes de Leitura nas escolas para os professores seria uma maneira maravilhosa de incentivar a formação de novos leitores. Um professor(a) leitor(a) faz toda a diferença. Estou tentando passar a idéia para a Secretaria de Educação aqui em Saquarema, eles são incríveis e acreditam nas boas idéias. Uma aluna falou aqui na roda de leitura: "ler para mim é coisa sagrada" ! Um professor apaixonado passa adiante a sua paixão. Imagino que as escolas poderiam criar os Clubes de Leitura e fazer um jantar no final de cada mês para que todos discutissem juntos os livros lidos. Comida faz com que os afetos circulem.
Hoje, com toda a tecnologia, o papel do professor é ser parceiro, é ir junto, é abrir o coração dos seus alunos para a criação, o pensamento e as emoções. Ontem o Colégio estadual Oliveira Viana me chamou para uma homenagem , em Bacaxá, Saquarema. Leram vários livros meus e fizeram interferências nos meus poemas, declamaram dramatizando, pintaram telas, etc. Mas o que me contou a professora me deixou muito emocionada: eram alunos da nona série, já adolescentes, e no começo não conseguiam entender os poemas, mas de repente, com a ajuda da professora, leitora apaixonada, entraram na poesia, uma porta se abriu e o que aconteceu foi um jorro de emoção, uma catarsis. Foi uma avalanche de sentimentos. Só uma professora leitora, cuidadosa , parceira e paciente, poderia ter conseguido o milagre. Sai da escola com uma bromélia lindíssima, poema vivo, presente maravilhoso, e a certeza de que a poesia acende nossos corações.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

CAMINHO PEREGRINO



PEREGRINOS

Lá vão os peregrinos, os loucos,
passo por passo
em busca do possível:
um pouco de água clara
no oco das mãos,
um fio prateado de lua
para costurar os sonhos,
uma toalha feita com o brilho
de todos os olhos
para forrar a mesa
onde se comerá
o fruto permitido.

Rios da Alegria, ed. Moderna

Tenho a casa cheia de hóspedes e de alegria: minha irmã Evelyn, seu namorado que veio do México, Luis Mérigo que me trouxe uma cerâmica linda de sua autoria, Manuela, de quem sou fada madrinha e que saiu de casa para começar uma vida nova, irá viver em Teresópolis. Minha casa está sempre aberta a todos os ventos, os ventos da poesia, e ontem , dia do Café Literário, o carteiro me trouxe um livro lindíssimo: o catálogo da artista plástica Cristina Oiticica, Caminho Peregrino. A idéia da Cristina é linda, o conceito é maravilhoso: ela enterra as suas telas, para que a natureza pinte junto com ela. O resultado é impressionante, os quadros são tão belos que o coração quase não aguenta. No livro-catálogo ela nos conta toda a preparação , as telas foram enterradas no Caminho de Santiago, ela conta como nasceu a idéia de enterrar seu trabalho neste caminho pisado por milhares de peregrinos, neste caminho sagrado. Cristina diz que a energia feminina guia sua criação, portanto nada mais coerente do que pedir que a terra trabalhe junto com ela. Cristina divide com seu leitor espectador a feitura de cada tela, divide todo o seu processo de criação e faz uma espécie de diário de tudo o que ia acontecendo enquanto selecionava os materiais, produzia, enterrava, a natureza o tempo todo atuando junto, sol e chuva, raios e trovões.
desde 2002 Cristina e a natureza são parceiras e sua sensiblidade é mágica. pena que o catálogo não esteja accessível a todos. Cristina conta que sempre encontrava uma mão amiga para ajudá-la e que é essa teia que nos leva sempre adiante. O resultado da caminhada de Cristina é que saimos transformados por tanta beleza. E descobrimos que somos todos peregrinos em busca do possível. Somos todos peregrinos costurando os sonhos.