MILAGRES

Quando era criança, na década de 50, dizíamos que no futuro as pessoas falariam pelo telefone e apareceriam numa televisão. Era ficção científica, mas isso já estava na imaginação. Todos os dias de manhã, antes de começar as atividades do dia, vejo meu neto Luis que mora em Granada, na Espanha, pelo skype. Ele tem 8 meses e quando me vê enlouquece. Ri, agita os braços e se joga sobre a tela para me pegar. Interagimos. Eu canto e ele dança. Eu posso espiar o seu cotidiano. E ainda achamos que isso é normal! Nos acostumamos rápido demais com os milagres.

Ontem vi um documentário maravilhoso, uma idéia genial: um zepelin não tripulado, ou melhor, sua tripulação ficava em terra, sobrevoava a cidade de Postdam na Alemanha, a 60 metros, como se fosse um pássaro , enviava as imagens para um computador na mão dos tripulantes e nós podíamos sobrevoar a cidade como se também fôssemos um pássaro. Além da cidade ser belíssima, medieval, cheia de castelos, o ponto de vista de um pássaro é privilegiado demais. Durante meia hora flanamos pelos céus de Postdam, por sobre os antigos telhados.

JANELAS

Há um homem sonhando
numa praia; um outro
que nunca sabe as datas;
há um homem fugindo
de uma árvore; outro que perdeu
seu barco ou seu chapéu;
há um homem que é soldado;
outro que faz de avião;
outro que vai esquecendo
sua hora seu mistério
seu medo da palavra véu;
e em forma de navio
há ainda um que adormeceu.

João Cabral de Melo Neto