domingo, 25 de julho de 2010

PÁTRIA

O que é a pátria? Pergunta difícil. Minha pátria são meus amigos, meus livros, minha tribo, uma certa maneira de ver a vida. Mas a minha pátria é o Brasil e o Brasil está dentro de mim desde que fui concebida. Toda a sua natureza luxuriante, todas as suas manifestações de cultura, de afeto, toda a comunicação entre as pessoas que aqui é tão peculiar, tudo está dentro de mim. Meus pais vieram da Polônia, mas quando minha mãe chegou ao Brasil com uns quatro anos, meu avô pagou uma multa e a registrou aqui, como brasileira. Meu pai se naturalizou e era brasileiro por amor: amava o Brasil, amava o sol.
Hoje leio que Pilar del Rio, mulher de José Saramago vai se naturalizar portuguesa por amor ao grande José. Abrirá mão da sua Andaluzia natal? Não sei o que pensar.

sábado, 24 de julho de 2010

RECEBENDO VISITAS

Visitas na casa: ontem à noite chegaram nossas amigas Raquel e Isa Pessoa. Raquel é uma espanhola que faz Faculdade de Belas Artes e já está no Brasil desde 2005. Isa é nossa editora. Vieram de táxi e o motorista se perdia a cada momento, pois não conhecia o caminho. Já estavam desesperadas quando finalmente chegaram.
Preparamos uma mesa linda, fizemos um creme de abóbora com gorgonzola, pão caseiro, vinho espanhol, queijos. O mar enchia a casa com sua música esplêndida, acendí velas na mesa e apaguei a luz, pura magia. Lua cheia.
Agora dormem na casinha de hóspedes e o café já espera na varanda. Juan fará uma paella. A fama da paella do Juan já corre o mundo. Ontem nos ligou um diplomata espanhol de Qatar com saudades da paella do Juan.
Gisele, minha amiga taxista virá buscar nossas hóspedes no final da tarde.
Quando volto para casa aos poucos me reencontro. Ontem o tema na mesa era a felicidade. Estou feliz.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

ACENDE A VELA, COMADRE!!!

Na década de 70 morei em Visconde de Mauá, com meus filhos pequenos. Na minha casa não tínhamos luz. Fiquei amiga-irmã da Fernanda e de vez em quando eu ia com as crianças para a sua casa, que também não tinha luz. Deitávamos no mesmo quarto. Falávamos horas inteiras , sem parar. Quando já esgotadas e sem voz decidíamos dormir, apagávamos a vela acesa na mesinha de cabeceira. O silêncio não durava nem dois minutos e a Fernanda dizia: - Comadre, acende a vela! e então recomeçávamos tudo de novo. Quando o pai dos meus meninos viajava e ela ia para a minha casa, dormíamos juntas outra vez e era um tal de acende e apaga a vela, nunca nos cansávamos de falar.
Fernanda tem uma filha que nasceu porque lemos juntas um poema do Fernando Pessoa. Mas esta história eu conto no livro " Pequenos Contos de Leves Assombros" , ed. Quinteto.
Hoje Fernanda foi me visitar na radioterapia. Esperávamos Fernanda no lindo Café que dá para a mata e de longe ela abre os braços e grita:_ Acende a vela, Comadre!!! Falamos muito. De todos os amigos distantes e que compartilharam conosco a experiênca única de ter vivido em Mauá na década de 70.Fernanda acaba de se formar em museologia e sonha em morar em Tiradentes. Depois fomos caminhar em Ipanema e fiquei feliz em passear como turista em minha cidade natal.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

CASA DA GÁVEA

Estou na Gávea, na casa antiga, sede da Manati, das editoras Bia e Silvia. A gente se sente num outro século tão naturalmente, até parece que ao abrir a porta o tempo vai andar para trás. É um privilégio conviver com pessoas tão singulares, tão preocupadas com o que é verdadeiro e livre e belo. Além de toda a atmosfera mágica da casa, os livros aqui respiram alojados em todos os cantos. Livros e pássaros e plantas se misturam.
Somos amigas desde que a Bia e a Silvia publicaram meu livro Jardins. Não precisamos nem falar. Nos entendemos sem palavras. É tão bom ter amigas assim. Um mesmo olhar sobre a vida, sobre o que é de verdade importante e não acessório.

terça-feira, 20 de julho de 2010

ANIVERSÁRIO

Hoje é aniversário do Juan Arias. Ele veio ao Rio para almoçarmos juntos e fomos a um lugar tão bonito, eu nunca havia ido: o Forte de Copacabana. A vista de Copacabana, do mar, das ilhas, é diferente, é uma surpresa. Que idéia boa a de abrir o Forte para visitação e com dois cafés tão simpáticos! É uma combinação inusitada, um ambiente alegre e relaxado dentro de um quartel. Fiquei impressionada.
Comprei para o Juan a biografia do Nelson Mandela. Ele estava desejando o livro...
Juan está marailhoso nos seus 78 anos cumpridos hoje e tão bem vividos. Escreve todos os dias, caminha 6km todos os dias, e dedica um tempo precioso às suas gatas Luna e Nana.
Juan rodou o mundo inteiro como correspondente do Vaticano, é raro um lugar onde não tenha estado. Amigo de príncipes, estadistas, famosos e no entanto é a pessoa mais simples que já conhecí e a minha maior felicidade é saber que ele ama tudo o que faz , não tem nenhum preconceito, é livre de verdade. É um privilégio conviver todos os dias com o Juan.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

MARIA

Em 2005 Juan Arias escreveu um livro sobre Maria, mãe de Jesus e me pediu para escrever um poema para cada capítulo. O livro foi publicado na Espanha mas no Brasil nenhum editora se interessou. É um belo livro. Escreví os poemas em português e Juan traduziu. Já não tenho os poemas em português, mas gosto muito dos poemas em espanhol:

PESCADOR DE SUEÑOS

Cuando un ángel se posó
en sus ojos
y cosió sus pestañas
con luz,
Maria buscó entre las estrellas
un destino para su hijo.

Seria profeta, mercader,
artesano, maestro, poeta
el que nadaba en sus entrañas?

Cuál seria su destino único
como es único el destino
de cada hombre?

Maria observó sus manos
como si las manos fuesen
un espejo:
su hijo seria
pescador de sueños.

domingo, 18 de julho de 2010

ÁGUA NASCENDO

Ângela, leitora do blog, me pede um poema para dar de presente de casamento. Escolho um poema do livro Fruta no Ponto, publicado em 1986.

ÁGUA NASCENDO

Fiz castelos de areia
sonhos de vento
abri cavernas no mar
construí segredos
teci com teias de luz
as mais delicadas
roupagens
inventei carruagens
adornadas de estrelas
para o dia
em que te encontrasse
e quando te vi
o amor era simples
o amor não pedia
nada mais
do que o milagre
da água nascendo

sábado, 17 de julho de 2010

TRISTEZA

Uma criança morre durante a aula de matemática com um tiro no coração. Uma bala perdida. Wesley Gilbert Rodrigues de Andrade. Uma vida perdida. Há que chorar todas as lágrimas do mundo. Que mundo é este onde uma criança de 11 anos morre dentro da escola, durante uma aula, com um lápis na mão? Estamos em guerra? Uma escola dentro da guerra? Não deveria a escola ser um lugar sagrado? Muito mais sagrada do que qualquer templo, pois é na escola que se costuram destinos.
Como se atrevem a fazer um tiroteio tendo a escola no meio do caminho dos tiros?
Para uma morte tão injusta toda palavra é pequena.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

IRMÃOS

Meu pai ficou viúvo muito jovem. Quando casou com a minha mãe, já tinha dois filhos. Eu nasci e eles já estavam lá. Não nos vemos muito mas eles existem e isso é muito bom. Eu e meu irmão mais novo somos muito amigos. Ele é um apaixonado por jazz, tem um humor negro maravilhoso e uma grande sabedoria. Sinto uma imensa ternura por ele , como se ele fosse um urso panda. Um urso tímido. Antigamente ele era ruivo, parecia um viking, agora sua barba está grisalha. Ontem fui visitá-lo. É bom estar ao seu lado. Sua mulher tem o dom das orquídeas. Parece que elas brotam das suas mãos.

Meu irmão mais velho é muito ocupado. Quando eu era criança ele me levava para a escola de bicicleta. A escola se chamava Tic-Tac. Eu odiava a escola e rezava para que ele se perdesse junto comigo e nunca encontrasse o caminho. Hoje ele não tem mais tempo para mim. Sua mulher faz comidas maravilhosas, inesquecíveis.

Minha irmã nasceu e eu cuidava dela . Ela tem quatro anos a menos do que eu. Agora, às vezes eu cuido dela, às vezes ela cuida de mim.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

MADEMOISELLE CHAMBON

Ontem vi um filme delicado: Mademoiselle Chambon. Uma história de amor que acontece na fresta entre dois mundos: o de um pedreiro rude, inculto e o de uma professora de primeiro grau, exímia instrumentista. Ela toca violino. Não sabemos porque parou de tocar, mas seu rosto nos dá algumas pistas, há nela uma tristeza imensa. Quando volta a tocar e toca para ele, pai de um aluno, eles se apaixonam e é um amor belo. Ele traz de volta a violinista, ela lhe dá uma emoção que ele não conhecia, com a beleza da sua música.

Na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, de volta para a Urca, no meio do tráfego, da multidão, eu flutuava na beleza daquele encontro Não podia me desvencilhar do filme, que ficou em mim como uma teia de aranha dourada.

terça-feira, 13 de julho de 2010

VENTO DISTANTE E OUTROS VENTOS

Recebo a notícia da Editora Escrita Fina que meu livro de contos VENTO DISTANTE já está para ser produzido e esta semana recebo o contrato. Estou super feliz. Os contos possuem um certo estranhamento, uma certa irrealidade.

Hoje cedo de manhã havia um vento estranho na orla da Urca e fazia muto calor. Prenúncio de tempestade. Íamos até Niterói de barca visitar nossa grande amiga Maria Braga e desistimos com medo do vento. Falando em Maria Braga li que o filme O Beijo da Mulher Aranha baseado no romance do Manuel Puig e dirigido por Hector Babenco com a lindíssima Sonia Braga, irmã da Maria, faz sucesso outra vez. Manuel Puig é um escritor divino, tive minha fase de paixão por ele.

Meu livro Carteira de Identidade foi comprado para bibliotecas em São Paulo: parece que bons ventos o estão levando para longe.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

ESPANHA

A Espanha jogou contra a violência, a falta de educação, a grosseria da equipe holandesa e jogou com elegância. Foi premiada. Ficamos felizes, acho que se a Holanda tivesse ganho a Copa, a mensagem seria horrível. Vale tudo para ganhar? Vale pisar no outro, agredir gratuitamente, desde que o final seja o desejado? Vale tudo para se conseguir o que se quer? Não vale. O futebol é um esporte que atinge um público maior do que qualquer outro, gente de todas as idades. Por isso é muito importante que a mensagem seja construtiva, positiva. Hoje há tanta truculência no mundo, tanta indelicadeza. Um evento que reúne quase um bilhão de pessoas em torno de uma bola, tem que deixar um rastro de beleza, como um cometa , um poema.

domingo, 11 de julho de 2010

OLHAR

3 de Maio

Aprendi com meu filho de dez anos
que a poesia é a descoberta
das coisas que nunca vi.

Oswald de Andrade


Talvez este seja o maior segredo: olhar o mundo pela primeira vez. O assombro deveria nos acompanhar a cada passo, e então tudo seria milagre. Coisas que nunca vi seriam sempre, de novo, mesmo que já as tivesse visto antes.

Para mim , como disse o poeta Vinicius de Morais, beleza é fundamental. Busco o belo em tudo o que faço. A paz produz beleza. E a simplicidade. Que toda a crueldade humana fosse para sempre banida do coração dos homens e então só haveria beleza.

sábado, 10 de julho de 2010

COMENTÁRIOS

Quero começar o sábado dizendo em alto e bom som que os comentários que recebo neste blog realmente me deixam mais do que emocionada, são alimento, alicerce, ponte por onde caminho rumo aos meus lugares mais íntimos, não sozinha, mas acompanhada. Obrigada.

Saquarema não é apenas uma cidade pequenininha e bucólica, é uma dimensão e um conceito de vida, é quase outro planeta. Cheguei aqui ontem na hora do almoço e tínhamos na mesa: Juan, meu marido e estrela-guia, Vanda e Samuel, meus caseiros, que são como anjos da guarda , Manuela, de quem sou fada-madrinha e Gisele, minha taxista, que me acompanha desde 2001 e que agora, por nossa influência , vive em Inoã, município de Maricá. Nana, minha gata, me recebe emocionada e tem logo uma crise de espirros. Nana tem asma felina e é muito emotiva, qualquer emoção mais forte detona uma crise. Luna, a gata persa não gosta da minha ausência durante a semana e quando chego me olha com desdém: está de mal e custo muito para reconquistá-la. Gisela tem em sua casa patos, perus, galinhas, codornas, cachorros, gatos, e não pára um minuto de nos contar histórias hilárias dos seus bichos. O almoço é animado. Sinto uma alegria imensa por estar em casa.
A vida aqui é contemplativa. O tempo tem outra substância.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

RADIOTERAPIA

Muitos leitores me perguntam como estou indo no tratamento da radioterapia. Respondo: não estava sentindo nada até ontem. Mas, de repente, durante a tarde, senti um cansaço brutal, como se todas as minhas energias tivessem sido sugadas de uma só vez. Depois passou. Hoje o aparelho estava em manutenção. Já andei pela orla da Urca, um dos lugares mais belos do Rio, sentei na amurada para ver o movimento dos pescadores. Ando na Urca como se entrasse pelo tempo e estivesse no Grajaú da minha infância, sem o mar, claro, mas com as mesmas casas.

Juan, meu marido veio ao Rio hoje e vamos nos encontrar para almoçar , como se fôssemos namorados. Hoje também tenho um encontro especial com uma leitora aqui do blog que não conheço,ela queria tomar um café comigo. Outra leitora virá de Minas especialmente para o almoço do Clube de Leitura da Casa Amarela. Estou um pouco decepcionada com o Clube. Para o primeiro encontro, com o livro O Leitor, mais de 20 professores de Saquarema se inscreveram, mas o temporal atrapalhou tudo e apenas quatro professores puderam comparecer. Agora o livro é Quase Memória, do Carlos Heitor Cony. Apenas cinco professores se inscreveram. Os que vieram no encontro anterior virão , teremos uns oito professores apenas. Pela falta absoluta de interesse dos professores de Saquarema, abri o Clube para convidados de fora. Mas fiquei triste. Ofereço um almoço, uma varanda com mar quase dentro, vinho chileno, um livro maravilhoso para discutir... Mas não desisto.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

TOLERÂNCIA


Juan Arias, meu marido , correspondente do El País e escritor publicou um artigo lindo sobre tolerância. Reproduzo alguns trechos abaixo:


1. Zapeava na TV quando parei numa antiga entrevista de Hussein, falecido rei da Jordânia. De repente escutei uma frase que me deixou perplexo por uns segundos: “Tolerância é uma palavra feia", disse ele. Segundo ele, não deveríamos usar a palavra 'tolerância', mas 'aceitação'. A melhor forma de conviver com os que consideramos diferentes é aceitá-los. Fiquei pensando como pode ser feia uma palavra tão usada por todos os que defendem os direitos humanos.

2. Fui, então, consultar o Diccionario de la Real Academia Española, onde o verbo tolerar, do latím, tolerare, se define asím: "Sofrer, levar com paciência. Suportar algo que não se tem por lícito, sem aprová-lo expressamente. Resistir, suportar". Pensei que talvez tivesse razão Hussein, porque suportar, sofrer, levar com paciência, que alguém professe uma fé diferente da minha ou que pense de outro modo na política em relação a minha opinião, ou que ande na rua de biquíni, ou com o rosto coberto pela burka, é muito pouco.

3. Não é assim que se pode construir uma paz estável, uma convivência com alegria. Não basta suportar, sofrer ou tolerar. Limitar-se a "suportar algo que não se tem por lícito", não vai evitar um choque de civilizações, ou guerra de religiões. De suportar a proibir é um passo. A melhor forma de conviver ombro a ombro com os que consideramos diferentes (assim como eles também), muito mais que tolerá-los é aceitá-los. A diferença é enorme. O mesmo Dicionário define o verbo aceitar como "aprovar, dar por bom", algo que "merece aplauso".

4. Europa foi rica por sua diversidade. Hoje está se empobrecendo espiritualmente porque, como muito, tolera as diferenças, sem aceitá-las, nem aplaudi-las, e às vezes hostilizando. Se for certo que só envelhece quem perde a capacidade de se surpreender-se, não me cabe a menor duvida de que a aceitação feliz do novo e do diferente poderia ser o melhor antídoto e a melhor terapia contra esse desencanto e aborrecimento que faz com que depreciemos o desconhecido e fiquemos com uma segurança falsa e estéril.

SALA DE LEITURA

Lourdes conta que meus livros Todas as Cores Dentro do Branco já estão em Duque de Caxias, (são mais de mil exemplares) e que o Secretário de Leitura da Secretaria de Educação irá distribuir pelas escolas. E irei ganhar uma Sala de Leitura com meu nome!!!
Então lembro : quando era pequena não havia Sala de Leitura na minha escola. E como é bom uma Sala de Leitura com tapetes e almofadões. Como é maravilhoso ouvir histórias. Que delícia a gente ter um canto em casa para ler. Meu lugar preferido é na sala da minha casa, em Saquarema, na cadeira de balanço, virada para a janela , de preferência com minha gata Nana no colo. Nana,como todos os gatos, é leitora e pede para avisar, gosta muito de poesia...

Avanço na leitura do livro Equador, de Miguel Souza Tavares. Já atravessei o mar , já estou em São Tomé. Como escreve bem! Dá para sentir os cheiros. É um romance daqueles que pede cadeira de balanço e principalmente, por favor, que ninguém nos interrompa...

terça-feira, 6 de julho de 2010

LIVROS LIVROS LIVROS

Hoje leio uma notícia no jornal O Globo que confirma tudo o que penso : uma escola na Penha, a Escola Municipal João de Deus obteve a maior nota no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica em todo o Estado. A receita? LITERATURA. LIVROS- LIVROS- LIVROS. Cada criança leva dois livros para casa toda semana. Os livros são discutidos. É incentivada a produção de textos. A escola inventou um correio escolar. Cada aluno escreve cartas (cartas mesmo, não são e-mails ) para um amigo e depois as cartas são lidas em voz alta. Há um carteiro mirim que entrega as cartas. É incentivada a participação da família. Assim fica provado que a literatura é o caminho e também a música, o teatro, o cinema, as artes.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O SILÊNCIO DOS DESCOBRIMENTOS

O livro O Silêncio dos Descobrimentos, da Paulus, sai do catálogo. É um livro de rascunhos, anotações. Não vou reeditá-lo. Não gosto mais dele, isso acontece. Mas escrevo aqui uma das anotações:

Quando meu pai morreu,
eu quis chorar tantas coisas
que não foram ditas.

O nome de um tio que
tocava violino num país
distante,
o nome do rio
que atravessava a aldeia,

o nome do barco
que atravessou um oceano
para que eu nascesse
aqui.

domingo, 4 de julho de 2010

MURURU

Bia Hetzel, escritora e editora da Manati me ofereceu um pacote de livros para meus netinhos Luis e Kira que vivem na Espanha. Mas, ela me disse, um dos livros era para mim. Mururu no Amazonas, de Flávia Lins e Silva é um belíssimo conto grande ou novela. É uma obra-prima que nos deixa sufocados de emoção. Navegando pelas águas dos rios da Amazônia, pelos igarapés, pelas margens e lagos, Mururu é um barquinho que leva sua dona Dorinha ou Andorinha ao seu destino: o inesperado, que este é o destino de todos nós. Dorinha ou Andorinha precisa desfazer muitos nós, o pai desaparecido, sua transformação em mulher, a descoberta avassaladora do amor e suas consequencias. A escrita de Flávia tem o ritmo da água e desata tantas emoções que quando terminei de ler estava embargada.
Ela escreve maravilhosamente bem e em alguns momentos apesar da sua escrita de água, senti um vento Manoel de Barros, principalmente quando ela se aventura na terra. É muito interessante a Dorinha-Andorinha ser da água e o seu amor, Piú, ser da terra. Masculino e feminino se entrelaçam. Flávia não fecha o conto, como não se pode fechar a vida, os rios continuam fluindo ...

Ontem recebemos em casa nossos amigos Latuf e Hélio e Fernando que voltaram da Toscana onde ficaram hospedados num castelo por 12 dias. Conto de fadas.

sábado, 3 de julho de 2010

DERROTAS E RECOMEÇO

Ontem foi um dia de derrotas. Além do Brasil, cuja Seleção nem parecia brasileira , tamanha a indelicadeza do técnico e de alguns jogadores, tamanha a arrogância, a outra derrota foi que minha irmã, a ceramista Evelyn Kligerman, não conseguiu ser classificada no Edital da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro para fazer o seu belíssimo Mural Coletivo aqui em Saquarema. Agora é respirar fundo, tomar um café, enxugar as lágrimas e começar tudo outra vez, que a vida é sempre um recomeço. Que venha um técnico com a cara do Brasil, onde as pessoas se misturam, se tocam , trocam afetos e esperanças. Conheço o Brasil por dentro, nas minhas andanças em projetos de leitura, e é o povo mais lindo do mundo. Não merecemos um técnico que declara que não pode julgar o apartheid pois não viveu aí. Não merecemos um técnico de mal com a vida, que rosna ao invés de sorrir (é uma ofensa aos cachorros!). Lembro que meu pai, que veio da Polônia, onde passou frio e fome, dizia: _ não dá para ficar triste no Brasil com todo este sol... E que a Evelyn, com seus murais coletivos onde pessoas as mais variadas deixam a sua marca, consiga entrar em vários editais pelo Brasil afora, levando leitura e cerâmica para as escolas.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

RESIDÊNCIA NO AR

Em 2007 publiquei pela Ed. Paulus uma pequena coletânea de poemas que amo, com aquarelas da Evelyn Kligerman, minha irmã ceramista. O livro esteve encantado por muito tempo, meio invisível. Mas hoje, quando cheguei em casa, havia um pacote em cima da mesa e era finalmente a segunda edição do livro. Acrescentaram uma orelha onde não havia, o livro ficou mais encorpado. O tema é a liberdade, mas de uma maneira bastante sutil. :

RESIDÊNCIA NO AR

Não sei o que me convém,
se uma casa segura,
janela, quartos e trincos
ou se as portas todas abertas,
se residência no ar.

Não sei o que me convém,
se uma casa encerada,
a família pro jantar,
ou se ventania na estrada,
se residência no ar.

Não sei o que me convém,
se uma casa caiada
com horta, jardim e pomar
ou se andarilha no mundo,
se residência no ar.


Aqui estou, em casa, ancorada no azul.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

FOGUEIRA DE LIVROS

Conseguí um distrato com a editora Ediouro para o meu livro Todas as Cores Dentro do Branco . Eles me disseram que queimariam o estoque. Perguntei se não poderiam doar para escolas, bibliotecas,comunidades... disseram que não, saía muito caro, preferiam queimar mesmo.
Escrevi para Lourdes, a diretora de uma Escola Municipal em Duque de Caxias e ela se organizou para buscar os livros. Depois de semanas de burocracia hoje foram buscar os livros em Xerém. Salvei meus livros da fogueira. Estarão onde precisam estar: nas mãos e nos corações das crianças.
Fogueira de livros nos remete a um passado vergonhoso. Antes os livros eram queimados pelo perigo que suas idéias traziam. Hoje uma editora queima livros para não ter prejuízo.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

DE FRENTE PARA A MATA

Chego na radioterapia vinte minutos antes da hora. Caminho até o Café, subo uma escada dentro da mata, meu coração se reconhece rapidamente em cada pedacinho de verde: na mata estou em casa. Nos sentamos no terraço. Meus olhos se perdem no bosque. Depois da sessão voltamos para lá e esperamos a Bia Hetzel vir nos buscar para almoçarmos na sua casa ali perto. Chega Bia, nos abraça, e pergunta: _ viram os macacos? Infelizmente não vimos , acho que ainda estavam dormindo. Fomos até a editora Manati , uma casa tão linda na Gávea, Bia nos conta como comprou a casa,como foi reformando com material de demolição, como Silvia, sua sócia ajudou com suas lindas idéias. Saio com um pacote de livros. Presente para Kira, minha netinha de estimação, com quem me encontrarei na Espanha e para o Luis, meu netinho, já ir montando a sua biblioteca. Em seu apartamento, Bem, seu gato persa branco me reconhece.

Ontem vimos o filme Brilho de Uma Paixão sobre John Keats, o grande poeta inglês. O filme é magnífico. Por favor, não percam. Além do belíssimo texto, há uma imensa e comovente história de amor. E os cenários, o figurino... Por duas horas vivemos intensamente no século XIX.

Terminei de ler o livro Clarice, de Ana Miranda. Fiquei impactada. Poesia pura, navegamos pela alma da Clarice como se num barco.
Começo Equador de Miguel Souza Tavares , filho da poeta Sophia de Mello Breyner. Já estou amando . Assim, logo no começo, me lembra Eça de Queiroz. Acaricio o livro e suspiro de felicidade.

terça-feira, 29 de junho de 2010

ANDANDO AO CONTRÁRIO

Ontem viajei quase no horário do jogo do Brasil . Viajei ao contrário. Cheguei na Rodoviária com o jogo começado. Foi muito interessante. A estrada no fluxo Saquarema-Rio estava completamente vazia. Na Rodoviária todas a lojas estavam fechadas e dezenas de pessoas se aglomeravam na frente do único aparelho de TV onde o jogo se desenrolava. Estava ainda zero a zero. Eu só tomo um táxi no desembarque, de alguém que está chegando, por causa das máfias dos táxis da Rodoviária. Esperávamos, eu e minha irmã, e fomos abordadas por vários meninos cheios de crack que pediam dinheiro. Esfarrapados, trapos humanos, como zumbis em plena luz do dia. Nenhum policial para proteger o turista que chega, estavam todos vendo o jogo. Chegou um passageiro, desembarcou, embarcamos. Outro adolescente drogado quase se enfia dentro do táxi também. Foi difícil nos desvencilharmos dele. Há uma cidade de seres humanos em escombros dentro da cidade.
As ruas da cidade estavam vazias, nenhum carro. O rádio do táxi estava ligado, saiu o primeiro gol. Logo outro. Chegamos na Urca com dois a zero.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

BONDES NO RIO

Maria Clara me envia um pequeno filme sobre os bondes no Rio da minha infância. Eu ia para a escola de bonde. O ponto era na Praça Malvino-Reis no Grajaú e descia na Praça Saens Peña. Estudava na Escola Hebreu-Brasileiro.
Em 1968 me casei e fui morar em Juiz de Fora. Ia para a escola de bonde. Foi o último ano do bonde em Juiz de Fora. Amo os bondes como amo os trens. Por que retiraram os bondes? Há algo mais bucólico, mais poético? Os bondes são poesia sobre trilhos. E penso no conto da Clarice em que uma mulher do bonde vê um cego na calçada e seu mundo se desmorona. Os bondes possuem o charme das coisas lentas.
Porque não reinventamos os bondes, já que hoje leio que as máquinas polaroid estão de volta fazendo o maior sucesso?

domingo, 27 de junho de 2010

CLARICE

Maria Clara me empresta dois livros de Ana Miranda: Prece a Uma Aldeia Perdida , livro de poesia, um cântico maravilhoso, em dois fôlegos, um masculino e outro feminino, com reverberações de outros escritores, outros poetas, o que cria uma cumplicidade incrível com o leitor. Ana fala do tempo que escorre e tudo o que existiu continua existindo para sempre. Aqui e ali reconhecemos um verso do João Cabral, uma frase do Guimarães Rosa.
O outro livro é Clarice, que estou lendo , um livro de ficção sobre Clarice Lispector, uma incursão ao seu interior. A estrutura me lembra As Cidades Invisíveis, do Ítalo Calvino e também a escrita. É como se ela, a autora, passeasse pelas coisas com o olhar da Clarice.

A CIDADE DENTRO DE CLARICE
" Dentro de Clarice não há uma cidade, mas um campo silencioso, iluminado pelos raios de luar. A cidade está fora dela, em torno. Só pode ser lembrada como um sonho, ou como a impressão de alguma coisa que já aconteceu e vai acontecer novamente. Uma cidade feita de vidro, luzes, água, areia.
Um campo é mais amplo do que uma cidade. Num campo, um espírito pode vagar com mais liberdade, pois espíritos voam e com muita rapidez. A cidade está em torno de Clarice como as grades estão em torno de um prisioneiro. Os prédios altos de cimento são as barras de ferro que não a deixam partir para sempre, rumo ao infinito."

Conhecí Clarice Lispector quando eu tinha 23 anos. Eu não estava preparada para o mistério que era Clarice. Fui levada até sua casa por Olga Borelli que foi sua secretária. Clarice gostou de mim e me perguntou: " Você escreve?" Respondí que não, eu não escrevia. Então ela me disse: " Mas vai escrever. "

Atendendo ao pedido de Iara, uma leitora do blog, reproduzo um poema que fala de saudade. Outra leitora, Ângela, tem um carinho especial pelo poema.

FOTOGRAFIA AMARELADA

O tempo pinta de amarelo
a fotografia:
de amarelo os olhares,
os sorrisos, as roupas,
as mãos, os sapatos.
Não é um amarelo qualquer:
é uma espécie de outono,
é um amarelo saudade.

in Todas as Cores dentro do Branco

sábado, 26 de junho de 2010

ESPELHO

Ontem uma leitora do blog, muito carinhosa, me pediu para fazer um poema para sua amiga que iria fazer 60 anos. Também faço 60 anos em dezembro e penso no mundo onde cresci, inimaginável hoje:

1 - Quando era criança na minha casa não tinha telefone. Havia uma extensão do telefone da loja do meu pai que era ao lado, mas nós crianças nunca usávamos. Celular não era nem ficção científica.

2- Quando era bem pequena não tínhamos televisão, só quando fiz 10 anos vi televisão pela primeira vez. Em preto e branco.

3 - Andava pelo bairro sozinha, com 7 anos, para lá e para cá, sem perigo nenhum, no Rio de Janeiro. Visitava minhas amigas em outras ruas, meus avós. Não existia computador, vídeo-games, etc. Brincávamos de teatro.

4 - A casa ficava aberta o dia inteiro. Vivíamos numa cidade grande como se estivéssemos numa cidadezinha do interior.

5 - Acompanhávamos as novelas pelo rádio. Tinhamos , nós crianças, muito tempo livre. Passávamos as férias em Paquetá, a baía tinha águas transparentes.

A comunicação em tempo real torna o mundo tão pequeno, qualquer lugar, qualquer pessoa ao alcance da mão. Tudo mudou. O tempo mudou. Mas nós mudamos? O que nos difere como seres humanos dos homens dos outros tempos?

ESPELHO

espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou eu?

Se às vezes me estilhaço,
se às vezes viro mil,
se quero mudar o mundo,
se quero mudar o rosto,
se tenho sempre na boca
um gosto de água e de céu,
se às vezes sou tão só
quando me viro do avesso,
se às vezes anoiteço
em plena luz do sol
ou então amanheço
com vontade de voar,

espelho, espelho meu:
diga a verdade,
quem sou eu?

in Recados do Corpo e da Alma, ed. FTD, 2003

sexta-feira, 25 de junho de 2010

BEM CEDINHO DE MANHÃ

Fui hoje bem cedinho para a Rodoviária. Consegui voltar para Saquarema no ônibus de 6:15hs. Foi maravilhoso ver o sol nascendo na ponte Rio-Niterói. Uma senhorazinha linda de uns 80 anos dividia seu êxtase comigo. Eu vinha na poltrona 6 porque a 4, a minha preferida, de onde posso ver a estrada, já estava ocupada. Mas lá pelo meio da viagem pude trocar de lugar, o assento ficou vazio. Então, o deleite: as fazendas boiando no meio da neblina . Saímos do mundo rural,desaguamos no mar azul. Juan me esperava no ponto. Saquarema ainda se espreguiçava. Deixamos a bagagem em casa e fomos caminhar, para dentro, em direção à lagoa. Hoje, dia de jogo do Brasil, há um cheiro especial no ar. As pessoas se mobilizam, sofrem, torcem... O mais bonito: as crianças negras e brancas antes do jogo começar. Por enquanto, zero a zero. Aproveito o intervalo para escrever no blog.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

EDITAIS

Estou novamente na Urca, hoje começo a radioterapia. Ontem sentamos no bistrô Garota da Urca e tomamos uma sopa de siri maravilhosa. A vista da Baía de Guanabara é deslumbrante.
Agora eu e Evelyn, minha irmã, saíremos para caminhar. Levarei o tratamento da radioterapia cmo se estivesse de férias. Afinal, já entreguei meus últimos trabalhos e estou livre. Iremos ao cinema. Encontraremos os amigos.

Evelyn participa do Edital de Cultura do Rio de Janeiro com seu Mural Coletivo e se ganhar fará um mural de azulejos em Saquarema. Estamos todos torcendo. Ela concorrerá a outros editais e agora só falamos sobre editais, planilhas, custos, etc. Vida de artista é um trapézio. Durante anos meus livros é que me conduziam até lugares e pessoas. Um impulso do trapézio e lá estava eu em Macapá, por exemplo, ou em Sevilha.
Para onde os murais da Evelyn a levarão? Há uma possibilidade de que embarque para Angola...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

MANUAL DA DELICADEZA

Em 2001 publiquei o Manual da delicadeza de A a Z. Para cada letra do alfabeto escolhí uma palavra relacionada com o tema da delicadeza, a relação entre as pessoas.
Por exemplo, para a letra M , a palavra

Moinho

São as águas
da delicadeza
que movem o mundo.

Uma palavra amorosa,
um gesto,
uma carícia,
fazem a Terra
mais azul
e mais leve,
trazem à pele
a memória mais antiga:

Também somos um grão
de estrela e de infinito.

Pois bem, na Copa da África do Sul, país fraturado durante tantos anos pelo regime mais perverso do mundo, o da separação entre as pessoas, onde a cura é a delicadeza, estamos vendo um espetáculo de brutalidade e falta de educação. O técnico brasileiro vocifera impropérios, o técnico francês nega-se a apertar a mão do técnico da África do Sul. Milhões de pessoas assistem. O que isso pode trazer de prejuízo ao mundo? Muita coisa. Crianças e jovens precisam aprender e exercitar a delicadeza, pois nós, seres humanos, somos animais cruéis, e os chamados bons sentimentos precisam ser continuamente repetidos para que se tornem algo natural. Uma pessoa pública, qualquer que seja, a quem tem os holofotes sobre a sua pessoa, tem que ser um exemplo de cordialidade e boa educação. O que estamos vendo é um desrespeito com os anfitriões. Os africanos merecem um espetáculo melhor.

terça-feira, 22 de junho de 2010

RITUAL

Todos os dias de manhã, depois do café, vejo o meu neto Luis que vive em Granada pelo skype. Luis tem 9 meses e já ganhou um cavaquinho e um tecladinho. Puxa as cordas do cavaquinho e dança. Ele já sabe o horário em que nos falamos e fica ansioso na frente do computador. É uma maravilha poder acompanhar de tão longe o seu crescimento. A situação econômica da Espanha é péssima. Talvez minha nora seja despedida da empresa onde trabalha. Talvez eles abram uma lojinha de massas frescas, me diz o Guga. Acho que desistiram por enquanto de voltar para o Brasil. O Guga felizmente tem trabalho e a Espanha ainda oferece uma segurança muito grande nas áreas de educação e saúde. Eles pagam uma hipoteca de um apartamento que com a crise não é vendável. Milhares de pessoas na Espanha perderam seus apartamentos por não conseguir pagar a hipoteca. A era do ouro na Europa acabou e temos que tomar muito cuidado no Brasil onde o consumo anda tão em alta. É muito perigoso consumir inconsequentemente. A nossa sociedade nos convence de que temos imensas necessidades. Resistir a essa brutal sociedade de consumo é uma maneira de causar menos danos a nós mesmos. Na verdade precisamos de pouco. Só troco as coisas quando realmente acabam. Não temos carro. E a felicidade brota de dentro de nós como água limpa independente das nossas posses materiais. A Europa está pagando um preço muito alto por ter mergulhado num consumo sem medidas.

Estou orgulhosa: uma página do blog será reproduzida num livro didático da ed. Saraiva.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

SOBRE A LIBERDADE

Jorge Semprún, escritor e pensador espanhol, foi prisioneiro político em Buschenwald. Escreveu vários livros sobre a sua experiência no campo. Num deles, A Escritura ou a Vida, nos conta que ao lado do seu professor de literatura da Sorbonne, em seu leito de morte, por não saber nenhuma oração, recitou para ele um poema de Baudelaire. E ontem, numa longa reportagem para a TV Espanhola, nos conta que no Campo o pior era a falta total de privacidade. Para estar só tinha que inventar espaços dentro de si. Então, nas longas horas no pátio de chamada, debaixo de frio, de neve, recitava em pensamento poemas do Lorca.
Semprún foi comunista e mais tarde foi expulso do partido ao renegar o Stalinismo. Diz Semprún, nenhuma ideologia pode cercear a liberdade do homem, seu bem supremo. E hoje vê com alegria uma Europa sem guerras e apesar de todos os males, é um otimista: acredita no homem, na arte, na liberdade. Ele diz que perdeu as certezas, mas não as ilusões.

Latuf, meu amigo querido, vai a Buenos Aires ao encontro de Maria Kodama. Vai falar num encontro sobre Borges. Seu tema: Mário de Andrade e Borges.

Guga, meu filho músico que vive em Granada, na Espanha, fez um concerto na cidade de Pozo Blanco, na Andaluzia. Ele me conta que a cidade foi construída ao redor de um poço. A casa onde tocou tem 500 anos e nunca deixou de estar habitada. Nunca esteve em ruínas. O governo comprou a casa e agora é um Centro Cultural. Guga fala da platéia, umas 200 pessoas, gente do povoado, jovens, velhos, crianças, em silêncio absoluto.

Arte na escola modifica o comportamento das crianças e jovens. Só a arte nos salva e nos torna seres humanos melhores.

Tive um problema no site e os e-mails enviados não estavam chegando ao seu destino. Peço desculpas por ter deixado de responder a tantas mensagens que não me chegavam. Parece que o Gabriel, o menino educadíssimo que cuida do site, já solucionou o problema.

domingo, 20 de junho de 2010

ABIDJAN

Hoje o Brasil joga com a Costa do Marfim, onde minha irmã terminou de cursar Belas Artes. Fui visitá-la em 1983, eu acho. Abidjan era uma cidade tranquila, sem nenhuma violência e com grandes contrastes. Era possível caminhar numa rua francesa , virar a esquina e mergulhar totalmente na África ancestral. Foi uma das viagens mais fortes da minha vida. Nós, brasileiros, estamos tão impregnados de cultura africana que tudo nos é familiar. O africano recebe um visitante calorosamente . Não havia a guerra civil que fraturou o país. As dezenas de etnias e linguas conviviam em paz. Apenas o colonizador era hostilizado. Havia uma tensão quando chegávamos em algum lugar , mas logo se dissolvia quando sabiam que não éramos francesas. Hoje leio
que a Costa Marfim mergulhou na miséria total , consequencia da guerra. A quem interessam as guerras?

sábado, 19 de junho de 2010

PILAR DEL RIO

Em 1997 eu e Juan Arias fomos para Lanzarote para a longa entrevista que Juan fez com Saramago, que resultou no belíssimo livro O Amor Possível. Eu conhecia Pilar pelas dedicatórias do autor. Eu a imaginava.
Passamos uma semana diariamente com ele, jantávamos todos os dias juntos. Pilar, mulher belíssima , inteligente, sedutora, nos deixava à vontade. Quando tocamos a campainha da casa a primeira vez, ela veio nos abrir a porta, descalça, toda vestida de branco.
Assisti a todas as entrevistas em seu belo escritório. Era tão bom ouvi-lo que a noite caía sem que nos déssemos conta. Foi uma semana de sonho. Lanzarote é linda, com suas casas brancas, os vulcões.
Ao longo do tempo nos encontramos outra vez em Lisboa, onde Saramago e Pilar nos levaram para comer no restaurante onde celebraram seu casamento, junto com Céu, amiga do casal. Comemos o melhor bacalhau do mundo. Nos encontramos em Madrid, no Rio, em São Paulo e em março último Pilar prometeu que nos visitaria um dia em Saquarema.
Amo o Memorial do Convento, é o meu livro preferido. Blimunda, a mulher que enxerga as pessoas por dentro, é mais do que um personagem, é um arquétipo. Amo O Cerco de Lisboa, são meus livros preferidos. Nos dois, uma bela história de amor. Aliás, Saramago acreditava no amor, por isso o livro do Juan se chama O Amor Possível. Saramago se dizia ateu e comunista, mas escreveu exaustivamente sobre Deus. No Evangelho Segundo Jesus Cristo há um diálogo belíssimo entre Deus e o Diabo e em Caim, entre Deus e Caim. Quanto ao seu comunismo, para mim é incompreensível. como se pode ser comunista sabendo que o comunismo matou milhões de pessoas? Niemeyer também se diz comunista e também não entendo. Basta conhecer um pouco de história para saber o desastre que o comunismo provocou.
Mas Saramago não escreveu a mais bela história, a sua própria história de amor com Pilar del Rio.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO

Acabo de ler que morreu em casa José Saramago e isso é muito forte para mim. estou abalada. Convivemos, eu e Juan com Saramago e Pilar para o belo livro de entrevista que o Juan fez, O Amor Possível, que a Manati publicou no Brasil. Ele gostava muito de mim, sempre foi tão carinhoso e maravilhoso comigo, sempre com uma palavra doce na ponta da lingua. Pilar foi minha cúmplice desde que nos vimos e nos queremos tanto. Quanta perda em tão pouco tempo. Como queria estar junto da Pilar! Saramago viveu intensamente tudo. Teve uma vida belíssima, mas como a vida passa rápido... Parece ontem que estávamos ali em Lanzarotte. Parece ontem que almoçávamos juntos em Lisboa, jantávamos juntos em Madrid. Acabo de ler que Saramago morreu, mas na verdade os escritores que amamos não morrem.

GARÇA

Nada é mais belo do que uma garça na lagoa azul. Ou sobre uma pedra. Escultura perfeita:

GARÇA NA PEDRA

A garça se equilibra
entre a Terra e o céu:
imóvel na pedra,
com sua leveza
sustenta o mundo.

Este é um dos poemas de Todas as Cores Dentro do Branco , que fará parte da coletânea da Objetiva.

Já que nada modifica a mente dos corruptos , que notícia maravilhosa saber que para se candidatar a um cargo público há que ter a ficha limpa. Comemoremos. Mas eu li que quanto mais impunidade, mais os não corruptos podem passar para o lado de lá. O cérebro passa a entender que o ilícito é lícito. O Brasil ganha a Copa da Corrupção com folga. Que lástima. Dinheiro público tem que ser sagrado.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

CASA

Voltei para casa. A felicidade quase me deixa sem ar. Foi uma semana dura, cheia de suspense. Mas está tudo resolvido. Começo a radioterapia dia 24 e termino no meio de agosto. Na volta para casa, no ônibus, escrevi um belo poema para o livro dos quatro elementos e decidi fechar o livro agora, com este poema. Ficaria então com 15 poemas de água, 15 poemas de fogo, 15 de terra e 5 de ar. Achei o título: Quatro Cantos. E pretendo entregar o livro amanhã. Li um belíssimo depoimento do Ruy Castro onde conta que Carmen Miranda salvou sua vida, já que quando teve um câncer na lingua, começava a escrever a sua biografia e durante todo o tratamento lia e escrevia. Nem viu o tratamento.
Preciso fechar o livro dos quatro elementos para começar a radio, é um imperativo estranho. Os poemas são muito fortes e preciso mergulhar em outra coisa. Sinto que o livro está compacto, completo.
Ontem cozinhei pela primeira vez desde a cirurgia. Foi muito bom. Cozinhar me traz de volta ao centro. Fiz quinua com legumes e badejo com molho de tomate. Incrível como a quinua acompanha bem o peixe, parece cuscus.
Separo o Memorial do Convento do Saramago para reler. Terei a Blimunda comigo.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

URCA

Estou no Rio, na Urca desde segunda-feira, mas na verdade já perdi a noção do tempo. O bairro é abolutamente magnífico, é um privilégio estar aqui. Caminhamos na orla. A baía me acolhe. Ainda não comecei meu tratamento de radioterapia, devo começar na semana que vem. Aguardo uma consulta. Não terei que fazer quimioterapia e isso é uma sorte imensa. Durante todo esse tempo, só quebrei uma vez, quando o oncologista disse que eu teria que tomar um medicamento por cinco anos e os efeitos colaterais que poderia ter. Senti uma tristeza infinita. Quase um luto. Mas passou. Foi uma nuvem. E então li um pequeno ensaio do Freud que foi um presente que minha sobrinha Julia me deu. O ensaio se chama Sobre a Transitoriedade, pulicado em 1916.
Um de seus trechos diz:

" O valor da transitoriedade é o valor da escassez no tempo. A limitação da possibilidade de uma fruição eleva o valor dessa fruição. Era incompreensível, declarei, que o pensamento sobre a transitoriedade da beleza interferisse na alegria que dela derivamos. Quanto à beleza da Natureza, cada vez que é destruída pelo inverno, retorna no ano seguinte, do modo que, em relação à duração de nossas vidas, ela pode de fato ser considerada eterna. A beleza da forma e da face humana desaparece para sempre no decorrer de nossas próprias vidas; sua evanescência, porém, apenas lhes empresta renovado encanto. Uma flor que dura apenas uma noite, nem por isso nos parece menos bela."

domingo, 13 de junho de 2010

VENTO DISTANTE

Ontem terminei de revisar a coletânea de contos Vento Distante que sairá pela nova editora Escrita Fina. Foi assim a história dos contos: depois que publiquei Território de Sonhos pela Rocco, a editora Laura me pediu um livro de contos de terror para um público jovem. Escreví uns três contos e enviei para que ela me dissesse se era o caminho. Ela não gostou dos contos e me disse que não eram de terror e não metiam medo em ninguém. Joguei os contos no fundo da gaveta. Não me considero uma escritora de ficção. Sou apenas poeta. Anos depois, no final de 2009, a Laura me telefonou e me disse que estava inaugurando uma editora nova e se eu não teria algum livro de contos para publicar. Eu falei, lembra, Laura, daqueles contos de terror que você não gostou? Quer ler outra vez? Ela quis e gostou, ressaltando que não eram mesmo de terror. Mas queria o livro. Retomei os contos mantendo a atmosfera estranha de cada um. Reaproveitei um conto já publicado cujos direitos voltaram para mim para terminar o livro, achei que dava um belo final. Laura ficou indecisa. Os contos estavam muito parecidos com o Território de Sonhos. Modifiquei dois contos , troquei alguns elementos e finalmente ela aceitou o trabalho. Estou aliviada. Esta semana assinaremos o contrato.
Agora trabalho no livro de poemas para a ed. Objetiva. Tenho até julho para entregar. Depois juro que quero ficar bastante tempo sem escrever.

Hoje o domingo está escuro, as ondas do mar estão imensas. Faz muito frio e parece que estamos em alguma cidade perdida da Noruega. Não se enxerga nenhum ser humano a léguas de distância. Devo confessar que amo este tempo. Meu lado sombrio se sente em casa, é como se fosse alimento.

Amanhã irei cedo para o Rio. Vamos almoçar eu e Evelyn, minha irmã, em Copacabana com Aída, uma amiga da juventude da minha mãe que reapareceu do nada. Ela nos escreveu quando minha mãe ainda estava viva. Agora chegou de Israel onde vive e nos trouxe presentes. Mas o maior presente serão as histórias da juventude da nossa mãe que ela irá nos contar.

sábado, 12 de junho de 2010

PARA O DIA DOS NAMORADOS

Para o Dia dos Namorados separei alguns poemas. Há que deixar bem claro que podemos nos enamorar de um bichinho, de uma flor, um pássaro, uma árvore, um arco-íris. Ou, claro, por um outro humano.

LAGO

No lago dos desejos
teu corpo flutua.
Entrelaço teu nome no meu,
trança mágica
com que me alimento.

GEOGRAFIA

Faça do meu corpo
o teu mapa,
teu continente perdido,
Atlântida de mistérios,
tua ilha nunca antes habitada.
Faça do meu corpo
teu porto e teu pequeno barco.
Faça do meu corpo
tua carta,
tua secreta caligrafia,
tua estrela cadente.

NOITE

A noite, com sua
partitura de mistérios
faz música.

Fecho os olhos
e ouço o som
do universo
como se fosse
um zumbido
de anseios e luz.

Caminho sobre
a linha invisível
dos desejos.

do livro No Cais do Primeiro Amor, ed. Larousse

sexta-feira, 11 de junho de 2010

ÁFRICA

A Copa do Mundo tem o poder de tornar a África visível. Em 1984 passei 20 dias em Abidjan na Costa do Marfim. Meu cunhado Antonio de Jesus Silva, dava aulas de sociologia na Universidade de Abidjan e minha irmã Evelyn Kligerman cursava Belas Artes na mesma Universidade. Jesus, sendo negro, nos abria as portas da África negra. Conviví com africanos em suas casas e nunca poderei esquecer da hospitalidade africana. E a beleza dos mercados, dos tecidos, das linguas. Isso foi antes da guerra civil. Então todas as etnias conviviam em paz na Costa do Marfim e não havia violência, passeávamos à noite pelas ruas densamente perfumadas sem nenhum sobressalto. Viajamos pelo interior de trem e me esqueci que era branca. Amo a África de paixão perdida e torço para que a Copa ajude o continente. A humanidade nasceu aí, como disseram ontem no show de abertura, somos todos africanos.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

SAPATO VELHO

Hoje uma notícia me emociona . Fico sabendo que foi encontrado o sapato mais velho do mundo , em perfeito estado de conservação, ainda com a forma dos pés que o utilizaram: tem 5.500 anos e seu dono ou dona calçava 35 (24.5cm). O sapato ainda guarda os cadarços e estava cheio de grama por dentro, talvez para aquecer os pés de quem o calçava. Foi encontrado por uma estudante do doutorado de arqueologia, Diana Zardayan, que participava da escavação.A caverna está localizada na fronteira entre a Armênia, Irã e Turquia. Indiferente ao rumor do mundo, suas guerras, tragédias naturais, indiferente a toda a tecnologia e descobertas, o velho sapato feito de uma única peça de couro, nos traz de muito longe a lembrança de alguém tão distante no tempo, que como nós, sentia angústia, ficava triste, alegre, tinha medo, e no frio aquecia e protegia os pés. Fabricou o sapato, costurou o sapato com suas próprias mãos, então além dos pés, temos também a lembrança das mãos que acariciaram, protegeram, imploraram proteção aos céus, caçaram ou cozinharam. O sapato mais velho do mundo me traz o sopro desta vida.

terça-feira, 8 de junho de 2010

CURA

Acabo de voltar do médico, Dr. Sigiliano, a pessoa mais doce do mundo. Os resultados da biópsia foram todos ao meu favor e o médico me disse que estou curada. Ele acha que não precisarei fazer quimioterapia, apenas radioterapia, mas a palavra final será do oncologista. Estou muito feliz, é um milagre tão grande. Agradeço a cada um que esteve em pensamento junto comigo nestes dias dificeis, de incerteza. Meus amigos e meus leitores foram tão maravilhosos e um suporte tão impressionante, eu nunca havia experimentado uma sensação assim, como se houvesse mil braços me segurando. E era uma sensação concreta. Todo o tempo me senti debaixo de uma cachoeira de amor. Obrigada.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

AINDA ISRAEL E PALESTINA

El Roto é um cartunista do jornal El País da Espanha. Numa de suas últimas vinhetas ele diz que Israel gastou com o ataque ao comboio de ajuda a Gaza os últimos créditos do Holocausto.
É terrível o que ele diz. Por conta disso reli ontem o relato La Douleur de Marguerite Duras, onde ela conta a espera angustiada pela volta do seu marido Robert L , prisioneiro de um campo de concentração. Ela é uma escitora fortíssima e consegue passar tudo o que viveu do lado de fora e do lado de dentro: as estações de trens abarrotadas das mulheres que esperavam seus homens e a angústia quase mortal que a impedia de comer, dormir, tomar banho, respirar. A divisão entre os que esperavam alguém que poderia chegar a qualquer momento e os que não esperavam ninguém. A incerteza quando a guerra ainda vivia seus últimos dias , o horror que tomava o mundo ao se saber a verdade sobre os fornos crematórios, a morte de milhões de pessoas perpetradas pelo povo que construiu a mais bela música e a mais bela filosofia. Ela escreveu seu relato como se fosse um diário, no calor do momento e anos depois o descobriu e nem se lembrava do que havia escrito. Nisso reside a força do texto, é uma viagem no tempo. Claro que não se pode comparar nada com o Holocausto, a tentativa de extermínio de todo um povo foi algo único, mas o povo que sofreu todas as humilhações do mundo não pode humilhar outros seres humanos . Sob pena de ouvir o que El roto escreveu. Ouvi o relato de muitos jornalistas espanhóis que estavam no navio. Os soldados , depois do massacre, separaram europeus e muçulmanos. Os muçulmanos, eles contam, tiveram que ficar ajoelhados. Os judeus já viveram na pele a mesma história: como repetir? Em algum lugar se encontra um atalho para a paz.

E os humanos não se contentam em matar outros humanos. Se você que lê meu blog é contra matanças e ama as baleias, por favor, entre no site www.cerocazadeballenas.cl e assine um manifesto contra a caça das baleias no Chile. É vital para as baleias, esses seres tão maravilhosos, inteligentes, amorosos. E ainda por cima as baleias cantam!

domingo, 6 de junho de 2010

LUNA

Nossa gata Luna, persa, é tímida e muito solitária. Nunca pede para vir ao colo e não gosta de visitas. Sempre escondida em gavetas, armários ou em algum canteiro do jardim é bastante rabugenta , odeia intimidades. Mas desde que voltei do hospital não me larga um minuto. Sempre ao meu lado, feito sentinela. Ela está cuidando de mim. Mas... como sabe? Quão misteriosos são os gatos.

A entrevista que li com Julia Bacha, cineasta, na Revista de Domingo do O Globo, aquece o coração de qualquer um : seu filme Budrus sobre uma aldeia palestina que resiste pacificamente contra a ocupação israelense está virando um movimento. Há em Israel ativistas pela paz que arriscam a própria vida. Ela nos diz que de 60 a 70% dos dois lados estão prontos para a paz, uma solução que inclua os dois estados mas cada lado não acredita que o outro lado esteja preparado. Existem advogados em Israel que defendem o direito dos Palestinos. Muitos ativistas se movimentam em Israel pela paz mas o governo israelense não dá nenhuma visibilidade a estes movimentos. Não podemos nunca nos esquecer que a truculência só aumenta a violência e que muitos judeus no mundo inteiro, como eu, por exemplo, almejam um Estado Palestino e a convivência pacífica entre os dois povos. O escritor Amoz Oz , o grande escritor israelense, é um porta voz do que pensam os que amam a paz.

sábado, 5 de junho de 2010

FEZ E TANGER

Em 2002 Roger Mello trouxe o Marrocos até Saquarema num pequeno caderno de viagem onde desenhara cada passo. Fiz um poema para cada desenho e o livro Desertos saiu pela ed. Objetiva e foi finalista do Prêmio Jabuti. Nunca estive no Marrocos e pude fazer os poemas porque conhecia o deserto e as ruelas do oriente desde a infância através da Bíblia, nas aulas de história judaica e das 1001 noites.
Agora, quando for a Espanha em setembro, já que estarei na Andaluzia, decidi ir ao Marrocos. Quero ir de barco. Vou a Tanger e Fez. Construo minha viagem.

Tenho meus rituais cedo de manhã. Abrir a casa e olhar o mar, já que quase vivemos dentro de um barco: o mar ocupa toda a casa. Hoje o mar está escuro e pesado. Chove e faz frio. Um surfista solitário está lá dentro como um peixe.

Abro ao acaso o Livro do Desassossego do Fernando Pessoa, já que é assim que deve ser lido:

" Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A do relógio sei que é falsa: divide o tempo espacialmente, por fora. A das emoções sei também que é falsa: divide não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada; neles roçamos o tempo, uma vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro. " (Cia das Letras, página 321)

sexta-feira, 4 de junho de 2010

LUZ

Um fragmento de um poema (Homenagem a Ricardo Reis) da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen:

Falamos junto à luz. La fora a noite
imóvel brilha sobre o mar parado.
À sombra das palavras o teu rosto
em mim se inscreve como se durasse.

Tanta maravilha num fragmento tão pequeno. Mesmo na escuridão da noite, a luz. E a sombra, seu contraponto. Luz e sombra escrevem a memória.

Ontem passeamos entre os tapetes de sal com a lagoa e o mar como moldura. Pessoas no ofício simples de produzir beleza se movimentavam numa coreografia perfeita, caótica, não ensaiada . O ar vibrava cheio de cores.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

INFÂNCIA

Quando era bem pequena íamos sempre passar o domingo em Niterói. Aí morava o irmão do meu pai e eu tinha uma prima da minha idade, Dayse. Era tudo maravilhoso: as barcas, os golfinhos pulando ao nosso lado e na volta o cansaço bom, quando eu me deitava no colo da minha mãe e adormecia. Depois, já mais grandinha, com uns dez anos, às vezes passava as férias na casa dos tios com minha prima. Pulávamos amarelinha na praça, era a felicidade suprema. Meus tios já morreram. Perdi contato completamente com a minha prima Dayse que mora em São Paulo. Não a vejo desde a década de oitenta e nunca mais nos falamos. Agora ela me escreve e subitamente uma lufada da infância invade meu corpo e voltam os timbres das vozes daquela época.

Juan me conta: ontem, no ônibus, voltando de Bacaxá para casa, uma velhinha de 98 anos, sozinha, sentou-se ao seu lado. Soube da sua idade porque muitas pessoas a conheciam e comentavam. Toda enrugadinha , levava uma pequena bolsa preta de onde tentava tirar 1 real para comprar uma água pela janela . Juan pagou sua água. Ela fechou a bolsinha e sorriu.

terça-feira, 1 de junho de 2010

PROFESSOR LATUF

Quis o destino que em Saquarema eu encontrasse a pessoa mais interessante do mundo: Professor Latuf Isaías Mucci, doutor numa lista interminável de matérias, a começar pela indumentária. Latuf nunca se repete, suas roupas são incríveis. Ele me contou que se veste para suas concorridíssimas aulas na UFF como se para um espetáculo. Aliás, seus alunos dizem que suas aulas são um verdadeiro espetáculo e são eles os atores principais. Latuf é um grande incentivador das minhas Rodas de Leitura aqui em casa e é meu escriba. Cada crônica sobre o nosso Café da Manhã Literário é mais saborosa do que a outra e se não fosse por ele, eu não teria nenhum registro, pois realmente eu não guardo nada. Latuf me surpreendeu com a última crônica, para mim, a mais bela de todas:

A 15ª. Roda de Leitura Roseana Murray, realizada dia 19 de maio do ano em curso, ocorreu dentro dos protocolos, que regeram as edições anteriores, mantendo, portanto, uma tradição de cultura em nossa Saquarema, tão bela e tão carente de ações culturais duradouras.

Cheguei bem antes do horário de abertura, 9hs., porque estava com muitas saudades de nossas Rodas (a anterior acontecera dia 25 de novembro de 2009) e daquela casa amarela, postada frente ao Atlântico, e também porque gosto de ver chegando as pessoas, que se mostram atentas, cheias de expectativas e como quem vai ganhar presente.

Estava lindo o dia outonal, com o mar imensamente turquesa e um clima agradabilíssimo, soprando que estava uma leve brisa. Aos poucos, a varanda marítima encheu-se de crianças e professores, vindo de dez escolas municipais; a cartografia desta Roda de Leitura abrangia todo o município, com suas escolas espalhadas pelos quatro cantos e recantos: Clotildes de Oliveira Rodrigues (na Vila), Padre Manuel (Bacaxá), Castelo Branco (Boqueirão), Gustavo Campos da Silveira (Gravatá), Luciana Santana Coutinho (Porto da Roça), Ismênia Ramos Barroso (Jaconé), Menaldo Carlos (Caixa d’Água), Elcina de Oliveria Coutinho (Água Branca), Edílson Vignoli (Rio d’Areia), Orgé Ferreira dos Santos (Itaúna).

Na casa de Roseana e Juan tudo nos convida à poesia, assim a anfitriã inaugurou aquela edição com a leitura de seu poema “Gaiola”, extraído do livro Falando de pássaros e gatos (Editora Paulus):


de agora em diante
de trás pra frente
e para sempre
nenhuma gaiola amarre
as asas de um pássaro
os passos de um felino
os sonhos de um homem

O silêncio que se seguiu à escuta do poema parecia dizer: Amém!

A atividade seguinte consistiu na leitura do conto “O caso do papagaio Zé Augusto”, do escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, em seu livro Contos e crônicas para ler na escola. Foi alegre a recepção do texto hilário, que fez, por exemplo, Evelyn Kligerman, convidada sempre especial de todas as Rodas de Leitura, lembrar-se do que presenciou em praça na Cidade do México, onde o machismo dos mexicanos era medido pela carga de voltagem de choque que cada homem, que se apresentava para o espetáculo, conseguia suportar: o papagaio Zé Augusto adorava tomar choques elétricos, assim como os hombres do México exibem sua força viril por agüentarem fortes choques.

Dando continuidade, houve a leitura, em jogral, do conto “O jardim dos gatos obstinados”, do livro Marcovaldo (1963), de Italo Calvino (1923-1985). Antes, porém, do texto, Juan Arias , que conheceu e entrevistou a Italo Calvino, falou um pouco sobre o escritor italiano, que detestava entrevistas e vivia recluso em Milão, observando, com terrível ironia, as cidades, visíveis e invisíveis. Juan referiu, ainda, a curiosidade do leitor com relação ao autor: quem está por trás do texto? Como o leitor imagina Roseana Murray, que abre as portas de sua casa para seus leitores? O jornalista de El Pais, mais importante periódico da Espanha, informou, ainda, que, na Antigüidade, uma folha de papiro custava 100 bois; tal ato deve nos fazer pensar na nossa felicidade de podermos ler e escrever sem termos que fazer troca de bovinos.

Com o subtítulo de “as estações na cidade”, Marcovaldo remete às quatro estações, em que se passam as fábulas, tendo, sempre, como protagonista a Marcovaldo, um sujeito ingênuo, criativo, sensível, bufão, melancólico, felliniano, diria eu, um Carlitos chapliniano. Na elaboração de suas estórias, Calvino trama a linguagem numa rede tão fina que quase esgarça a própria linguagem.

Foi tão emocionante a leitura do conto que um dos comentários, entre vários – “parece um desenho animado”, “o narrador nos mostra, com signos verbais, as 1001 realidades de toda cidade”, “vemos a cidade pelos olhos dos gatos” - feito por uma menina, identificava Marcovaldo com os gatos, recriando, portanto, a narrativa no sentido de o narrador metamorfoseasse no felino, num dos felinos milaneses. Por obra e arte de uma leitorinha, a figura de retórica “antropomorfismo” virava-se do avesso. De minha parte, vi o tempo todo os gatos de Roma, cidade onde morei e estudei e em que os gatos, ocupando celebérrimas ruínas, fazem parte da mitologia da cidade.

Com o gostoso lanche - pães doces, café, chocolate, bolo -, que foi servido aos convivas, fui observando as reações dos alunos e dos professores e o que mais me marcou foi a alegria de todos, bem como a festa que faziam em torno de Roseana Murray, tornada, naquela manhã luminosa, uma real celebridade, porque fotografada o tempo todo e solicitada para autógrafos. Até parecia – pensava eu – que a platéia adivinhara, inconscientemente, que nossa doce anfitriã vivia pesado luto por sua mãe, enterrada no “dia das mães”, e necessitava de afetos.

As várias edições das Rodas de Leitura têm-se revelado, não somente como uma tomada de consciência, por parte da comunidade saquaremense, quanto à importância da leitura, na formação do cidadão, quanto lugar propício ao desenvolvimento dos afetos; aliás, a arte tem esse condão de unir amorosamente. E a poesia de Roseana Murray, que abre seu coração e sua casa aos leitores, tem sido catalisadora de imensos afetos.

E leio hoje no O Globo que o Ministério da Educação sofrerá um corte fabuloso!!! Claro, os governantes acham que é mais importante construir uma nova usina nuclear... E por que escolheram um lugar tão belo para construir as usinas? Por que tamanho requinte de crueldade?
Vi um documentário sobre as usinas nucleares no Canadá, é apavorante o risco que as usinas oferecem. Já havia visto um sobre as usinas na Alemanha. Uma temeridade. Muito silêncio cerca o assunto, mas seria necessário expor a população a um desastre nuclear?