quarta-feira, 30 de maio de 2018

GABO

Vi o documentário Gabo, na Netflix. 
Aconselho. É divino ver os recortes da sua vida, ouvi-lo, ouvir seus amigos.
Em nosso Clube de Leitura lemos O Amor nos Tempos do Cólera e Gabo conta como se inspirou no amor de seus pais, disse também que era um risco escrever um romance de amor com final feliz, mas que iria colocar na moda finais felizes.
Lemos Cem Anos de Solidão e não existe nada mais belo.
Quando estivemos em Lanzarote para que Juan fizesse uma longa entrevista com Saramago, ele nos contou como encontrou a sua escrita sem pontuação.
Gabo também conta no documentário como chegou ao realismo mágico, a partir da casa dos avós.
É divino acompanhar o processo de criação de escritores que a gente ama.
Amós Oz escreveu que um leitor toma o café da manhã lendo os rótulos de tudo o que está na mesa, lendo os jornais no celular e tendo um romance aberto na página em que parou na noite anterior.
Eu diria que além disso, o leitor apaixonado gosta de saber o que é que o escritor, objeto de sua paixão, come no café da manhã, o que lê, o que pensa, como escreve.
Li um livro de entrevistas com a Marguerite Yourcenar em que ela, que morava numa ilha pequena, era amiga de todas as pessoas simples que a cercavam, o carteiro, o padeiro, etc e como colaborava com todas as causas humanitárias que conhecia e eu, apaixonada por sua obra, pude imaginá-la, imaginar seu coração e minha felicidade foi imensa.
Assim a relação do leitor com o escritor que ama e que para ele não importa se está vivo ou se morreu há trezentos anos ou três mil anos, já que ouve a sua voz.

terça-feira, 29 de maio de 2018

TRIBO

Hoje cozinho no fogão de lenha, aqui na Casa Amarela. O fogo sempre me acalma. Ele crepita e me diz o quanto sou antiga nessa genealogia de humanos que desde o tempo mais arcaico acenderam o fogo para cozinhar, para se proteger.
Aqui em Saquarema o fogão de lenha fica na varanda. Estou de costas para o mar, mas a sua música se enreda com o fogo.
Acendo o fogo para enganar o coração com beleza, já que parece que engoli pedaços de chumbo derretido.
Para onde vamos como país? Essa é uma pergunta muito difícil. É quase o enigma da esfinge. E apavorante.
Mas como vivo dentro da natureza, e para o mar e o fogo e o vento (que faz a palmeira cantar nesse instante e faz algumas madeiras da casa estalarem), nada disso faz diferença.
TRIBO
Há uma tribo que sonha
e nunca esqueceu as asas.
E acredita em coisas simples,
sol, pão, chuva, beijo, lua.
E mesmo quando o sangue
tinge as tardes e os rios
e as palavras se transformam
em veneno, pedras e facas,
alimenta as sementes da esperança
com lagrimas e pequenos gestos limpos
para que virem árvore.
In Rios da Alegria, Ed. Moderna

segunda-feira, 28 de maio de 2018

NOVA IGUAÇU

Sou a poeta homenageada da Feira de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro.
Até setembro milhares de crianças estarão lendo meus poemas.
Como se minha poesia fosse poeira de estrelas.
A minha alegria é imensa. Nenhuma palavra consegue traduzir.
Um dia, em 1990, uma criança lá no Sul me entregou uma cartinha que dizia assim:
"Nunca deixe de ser a poeta das crianças".
Esse bilhete era o grande prêmio da loteria da felicidade.
Adoro escrever poesia para as crianças. E não pretendo parar.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

SYLVIA

Quando ouvi a iraquiana Zainab Salbi falar sobre seu programa Women for Women International, imediatamente decidi participar.
A ideia é dar suporte a uma mulher em zonas de conflito.
Mas não só dinheiro. Claro que o dinheiro fará toda a diferença na sua vida.
Mas você recebe uma pessoa com toda a sua humanidade e essa pessoa te recebe.
Cada ser humano cuida de muitas pessoas e mesmo aqueles destituídos de tudo, mesmo os que perderam tudo, cuidam de algo, nem que seja de uma lembrança.
Escrevo para Silvya no meu péssimo inglês.
Digo quem sou: Brasileira, escritora. Faço livros para as crianças. Isso ela vai entender.
Vou enviar uma foto.
Tive as minhas dores. Os meus sofrimentos. Mas nada se compara ao que ela sofreu: guerra e abuso.
Rezo para que a minha carta chegue ao seu destino na Nigéria.
E se alguma mulher que estiver me lendo quiser fazer parte desse projeto de humanidade, que abarca todos os lugares do planeta em conflito, eu acho que vale a pena, se puder. Não é barato. São trinta dólares por mês.
Mas se compro um vestido por esse preço, decido não comprar o vestido e usar esse dinheiro para ajudar a Sylvia.
Estou lendo um livro maravilhoso: O Feminino e o Sagrado, de Catherine Clément e Julia Kristeva.
Acho que a minha conexão com o sagrado é cuidar, ajudar.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

OGA MITÁ

Foi diferente ontem nosso encontro no Café, Pão e Texto com a Escola Oga Mitá.
A escola trabalha com meus poemas desde a década de oitenta. Então contei o meu caminho, com todos os seus descaminhos, com os anos em que estive perdida de mim, quando a poesia me salvou.
Ia contando e me dando conta de que apesar de muitas vezes andar perdida como dentro de um nevoeiro, trabalhava grão por grão e um livro atrás do outro, eles foram me apontando a saída. Às vezes basta abrir a porta e não conseguimos encontrar a chave.
Ter um filho ainda adolescente, tive meu filho com 18 anos, pode ser muito duro, pode ser um corte violento. Vejo tantas meninas gravidas ou com um bebê no colo aqui em Saquarema, que me pergunto como é que as escolas não possuem um forum permante, aberto, sobre sexualidade? Existe algum caminho além do diálogo? Hoje a mulher pode escolher se engravida ou não. Penso na geração da minha mãe quando essa escolha era quase impossível. Tenho quase cem livros, para menos ou para mais, escrever para a criança e para o jovem é uma dádiva e acho que não existe um público mais maravilhoso e participativo.
Meus livros aconteceram por acaso. Porque de btincadeira comecei a escrever poemas para o meu filho Andre Murray. Naquela época tive a sorte de conhecer a Elvira Vigna, que foi minha parceira por tantos anos, tive a sorte de conhecer Antonieta Cunha, mãe do Leo Cunha, que me abriu as portas da editora mais incrível, a Miguilim. O acaso foi desenhando acontecimentos tão maravilhosos na minha vida, foi me dando as pedras mais preciosas
E o que sinto: um agradecimento profundo pelos meus leitores. Devolvo como posso.
Recebo emocionada esse depoimento de Valeria Barros:
"Roseana Murray, sem palavras para expressar o que representou para cada um de nós, da escola Oga Mitá.
Encontro desejado, esperado e realizado ! Mas tudo não terminou aí, na casa amarela, com cheiro de café e gosto de pão quentinho.
Tudo continua, pois sua poesia está escrita em nós.
Foi maravilhoso.
Ainda respiro cada segundo.
Obrigada!!!"

terça-feira, 22 de maio de 2018

AVENTURA

A vida é a maior e mais imprevisível aventura. Como dar sentido a esse caos, esse turbilhão de estrelas e precipícios?
Para mim, quando se toca na alma do outro, quando se faz alguma coisa mesmo que pequena pelo outro, de repente o caos se arruma e nos apaziguamos e todo o non sense da vida é um desenho que podemos entender.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

OS INVISÍVEIS

Há demasiada dor no planeta. E o Brasil é campeão no quesito produção de desigualdade social e horror.
Nem todo o dicionário, nem todas as palavras podem dar conta de falar o que deve ser a vida da massa de excluídos em nosso país.O que deve ser não ter casa. Não ter trabalho nem as mínimas coisas que são o que confere dignidade à vida humana.
Mas não dá para varrer essa grande tragédia para debaixo do tapete. Interminavelmente.
A Constituição assegura moradia, saúde e ensino e trabalho para os seus cidadãos.
A imagem de um prédio ardendo e desmoronando obriga qualquer um a olhar de frente para a falta de políticas públicas de moradia no país.
É obrigatório olhar de frente para todas as questões que fazem com que o Brasil seja um país feito de castas, de gente invisível, que não faz parte.
O Brasil é um país que até agora não deu certo.
Somos prisioneiros de políticos com os cofres abarrotados de privilégios. E de desonestidade.
A única coisa que sei fazer é poesia. E o que posso fazer para não desmoronar é acreditar que uma educação pública de qualidade, o que quer dizer toneladas de literatura e arte é a única possibilidade de se dar voz e vez a quem não tem nada. E isso se faz em uma geração.