domingo, 30 de junho de 2013

OBJETOS

Por que alguns objetos nos acompanham por tantos anos? O que existe neles que faz com que de casa em casa nos sigam?
Minha casa é cheia de coisas assim que atravessaram o tempo intactas e transbordam afeto.
Em cima da mesa de jantar tenho uma gamela com uma flor vermelha pintada no fundo. Eu a comprei em 1980 de um artista que morava em Visconde de Mauá, Ricardo Saboya. Posso ler em sua madeira gasta os anos que passei na montanha quando meus filhos eram pequenos e da gamela , diante dos meus olhos , seus risos escapam e os dias luminosos que vivemos juntos.
Tenho um malão antigo na cozinha, que é a minha despensa. Herdei da minha mãe e ele traz de volta a sua figura miúda, a sua voz, cada vez que abro o malão para buscar arroz ou café.
E assim, os objetos são um mapa estranho, caótico, que tentam costurar alguns pedaços de tempo.

sábado, 29 de junho de 2013

KAFKA

Comprei um pequeno livro do Kafka quando fui a Praga em 2001. Cuadernos en Octavo e não sei se existe em português.O meu livro está em espanhol. Amo este livro. São pedaços soltos de texto. Leio traduzindo:

"Como um caminho no outono: acabam de limpar e já está outra vez coberto de folhas secas".

Penso: assim a vida, em todas as horas,  minutos,  segundos, há que recomeçar. Varrer, limpar, escrever, cozinhar, abraçar, amar, acreditar, construir....

sexta-feira, 28 de junho de 2013

UM ALMOÇO ESPECIAL

Ontem recebi 18 crianças e 4 professores de Nova Iguaçu para um almoço. Eram maravilhosas as crianças. Elas me trouxeram uma boneca de pano em tamanho gigante com o meu rosto. A boneca Roseana ficava uma semana na casa de cada um e eles fizeram um diário lindíssimo com as suas atividades com a boneca. Nos sentamos na varanda , li para elas o livro Nana e Juan buscou a Nana de verdade para que fosse apresentada à plateia. A Nana é uma gata muito vaidosa, ela adorou. Por uma coincidência mágica , a querida professora Eunice, de Natal, estava no Rio e veio também. Li o livro Quatro Jabutis e depois todos foram ao jardim encontrar os jabutis. A brincadeira era reconhecer o Godofredo. Cada um trouxe um livro para que eu autografasse. As mães mandaram brigadeiros, bolo de fubá, sonhos, que foram feitos a partit do livro Poemas e Comidinhas. A escola enviou uma cesta lindíssima de frutas em homenagem ao livro Abecedário (Poético) de Frutas. Depois do almoço as crianças foram ver o mar que estava muito brabo, rugia, esperneava, dava cambalhotas e molhou todo mundo! Quando foram embora a casa estava iluminada de amor.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

SAQUAREMA

Ontem eu soube, não sei se é verdade, que terça-feira, no dia da manifestação aqui em Saquarema, quatro ônibus foram interceptados na estrada cheios de gente que não é daqui e que vinha para quebrar. Não puderam, felizmente chegar a Saquarema. Está claro que há uma parcela de gente que só quer destruir. Não sei porque, nem a quem isso interessa. Ontem morreu um homem em Belo Horizonte. Caiu de um viaduto por causa da confusão. A quem isso interessa?
Vivo em Saquarema desde 2002 . É uma cidade maravilhosa, limpa, linda, pacífica, cheia de coisas boas. As escolas são belas, super bem cuidadas, a cidade possui ruas para pedestres,praça para a terceira idade com aulas de hidroginástica, etc, o lixeiro passa e não se vê lixo nas ruas. Os únicos problemas são o transporte que é péssimo, pois ineficiente nos lugares mais distantes (além dos motoristas mal educados) e a saúde.Na saúde sim temos um grave problema. Mas há um hospital novo a ser entregue para a população e que isso se faça rápido, pois já está quase pronto e que não se espere o ano das eleições e o Posto de Saúde foi reformado e está pronto, mas também está em compasso de espera. E os salários dos professores são muito baixos.Nada mais justo que uma manifestação pedindo mais Saúde e um transporte melhor. Portanto, Saquarema tem problemas pequenos e que podem ser sanados. Nada justificaria uma ação violenta, uma quebradeira.  E ainda mais por gente que não é daqui. Uma cidade tão bem cuidada não pode e não merece ser quebrada. E insisto: a quem interessa toda esta violência que vemos nas manifestações?

quarta-feira, 26 de junho de 2013

PEQUENOS LEITORES

Amanhã recebo um grupo de pequenos leitores de Nova Iguaçu, R.J, para um almoço comigo. É uma grande alegria. Sinto muita falta dos meus Cafés Literários, encontros com os alunos e professores aqui da rede pública de Saquarema que aconteciam mensalmente , mas que já não existem por decisão da Secretaria de Educação de Saquarema, infelizmente. Líamos sempre um conto, um poema, um artigo de jornal e discutíamos. Asaudade que sinto dos encontros é imensa. Eu oferecia o café e a cópia dos textos, fazíamos canjica, bolos, pães, cachorro-quente, chocolate quente, era uma festa! A Secretaria precisava apenas trazer as escolas. Mas a minha casa está aberta para as escolas de Saquarema que queiram vir trazendo seus alunos por conta própria. Basta agendar. Contribuir para que cada um se converta em leitor e leitor crítico é uma das tarefas mais importantes. Faço tudo o que está ao meu alcance. Bons leitores não se deixam enganar.
Criei o Clube de Leitura da Casa Amarela pensando nos professores de Saquarema, e eles estão vindo . Não existe ato mais revolucionário do que a leitura. Os tiranos sempre queimaram livros, sempre proibiram livros.

terça-feira, 25 de junho de 2013

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Tenho amigos de todas as idades, religiões, cores, opções sexuais, partidos políticos, gostos literários. Tenho como lema de vida aceitar opiniões diferentes da minha, amo a liberdade e a diversidade. Esta é a grande riqueza. Sou poeta, ser poeta é meu ofício. A poesia é a essência da liberdade, a poesia não admite amarras. Jamais irei agredir alguém porque não pensa como eu penso. Jamais me sentirei superior a alguém por conta das minhas convicções e jamais deixarei de dar o crédito a alguém por algo que tenha feito.

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Eu gosto de azul,
você gosta de laranja,
eu gosto de caju,
você gosta de pitanga,
eu gosto de escuro,
você gosta de luar,
eu gosto de bosque,
você gosta de mar,
eu gosto de seda,
você gosta de algodão,
eu gosto de cão,
você gosta de gato,
eu gosto de girassol,
você gosta de jasmim,
mas o que importa
é que eu gosto de você
e você gosta de mim.

In Quem Vê Cara Não Vê Coração, ed. Callis/ Instituto Houaiss

segunda-feira, 24 de junho de 2013

AS ÁGUAS AZUIS

No filme Asas do Desejo os anjos escutam os pensamentos dos homens. Quando se juntam 300.000 pessoas numa manifestação seus pensamentos são tão diversos (com alguns pontos e desejos em comum), que os anjos enlouqueceriam. Aceitar o diverso e pensamentos diferentes do nosso é próprio da democracia. O pensamento único é violento e destrói. O que move estas pessoas é o desejo legítimo de mudanças na maneira de se fazer política no Brasil, na maneira com que o Brasil trata os seus cidadãos , na maneira com que o Brasil destrói o seu futuro. Os políticos deveriam ter conselhos de urbanistas, historiadores, artistas, filósofos, enfim, pensadores.E principalmente deveriam ouvir a voz que vem das ruas. Muitas tragédias da história não teriam acontecido se os políticos tivessem se debruçado sobre o pergaminho da história. Nas Mil e Uma Noites o Sultão Harum-Al-Rachid se disfarça e sai pelas ruas para ouvir o seu povo. Os políticos se isolam numa redoma de ouro, saem apenas para fazer campanha. Leio que 75% do Brasil apoia as manifestações. Mais que nunca é preciso pedir paz. ,
"essa palavra tão pequena
e grande,
pássaro palpitante,
palavra viva em carne viva.
Palavra de mudar o mundo,
de fazer pão e telhado,
de abrir os cadeados,
as porteiras trancadas
do universo,
as águas ázuis
que dormem no fundo
de cada homem.,"

in Qual a Palavra, ed. Paulus, Roseana Murray

domingo, 23 de junho de 2013

LORCA OUTRA VEZ

"... A poesia não tem limites. Pode nos esperar sentada na soleira da porta, nas madrugadas frias quando se volta com os pés cansados e a gola do casaco levantada. Pode estar nos esperando na água de uma fonte, trepada na flor de uma oliveira, posta para secar no pano branco estendido no terraço da casa. O que não se pode fazer é propor uma poesia com rigor matemático."

Federico García Lorca, in Pequeno Poema Infinito, ed. Imprensa Oficial

Há poesia nas ruas e há violência, mas não há matemática. Não há direita, centro ou esquerda. Há um movimento ondulante por mais dignidade, por menos humilhação. Como panos coloridos ao vento.

sábado, 22 de junho de 2013

NOVELO

Hoje , ao abrir o facebook, encontrei meu poema Novelo, não me lembro em que livro está, mas acho que a imagem do novelo que se desenrola é muito boa para o nosso momento único . Estamos, o Brasil inteiro, imensas, médias e pequenas cidades, escrevendo uma nova história, já que não podemos mudar o que existiu. Um novelo de esperança corre , se desenrola.
Pobre no Brasil é o resto da escravidão, é periferia. Pobre é maltratado em todos os níveis. Mas o que está acontecendo no Brasil, é tão único em  nossa história, que realmente será um divisor de águas. Dinheiro público tem que ser sagrado, é simples assim. E as prioridades: o que for melhorar o cotidiano e o futuro das pessoas.Mesmo quem não está nas ruas porque não pode estar, manda o seu coração para a rua. No futuro todos serão tratados com dignidade.É o nosso sonho. É um momento único para se refletir sobre valores, solidariedade, compaixão, amor, respeito, amizade, delicadeza. E repudiar a violência.

NOVELO

Com fina linha prateada
o sonhador borda a sua vida:
na fronteira entre o dia e a noite,
entre uma estrela e outra,
uma palavra e sua sombra,
ergue um castelo de vento,
desfralda as bandeiras da paz.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

POESIA

" A poesia é algo que anda pelas ruas. Que se move, que passa ao nosso lado. Todas as coisas têm o seu mistério e a poesia é o mistério que contém todas as coisas. Se passamos junto de um homem, se olhamos uma mulher, se adivinhamos a marcha oblíqua de um cão, em cada um desses objetos humanos está a poesia."

Federico Garcia Lorca, in Pequeno Poema Infinito, ed. Imprensa Oficial.

Milhares de pessoas se movem pelas ruas em manifestações impressionantes, coloridas, gigantescas. Isso é poesia.Mas não vejo poesia na violência.  As depredações ferem, machucam, deixam cicatrizes.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

CAVALO AZUL

Sou apaixonada pelos cavalos azuis que só existem em nosso imaginário, nas obras de Chagall, no belíssimo filme Pele de Asno, na poesia. Cavalos azuis sempre me habitaram , comem grama fresca e bebem orvalho dentro de mim. Recebo um belo livro de poemas de Alexandre Bonafim , Arqueologia dos Acasos e lá está ele , o Cavalo Azul, maravilhoso poema final.

" Um tropel de silêncio e eternidade
desdobra o ar em acordes levíssimos,
feitos de orvalho e bruma.
As crinas vão desatando o infinito,
as estrelas , a solidão mais aguda.
Eis a sagração do céu em nós."

Fragmento de O Cavalo Azul, in Arqueologia dos Acasos, Alexandre Bonafim, ed. Delicatta

Que hoje, nas manifestações, cada um carregue um delicado cavalo azul dentro de si, para que as mudanças tão necessárias possam vir.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

CIDADES PEQUENAS

  • As cidades pequenas começam a entrar na dança. Há uma manifestação marcada para Resende, onde moram meus filhos e Saquarema, onde moro. Não poderei ir, não posso correr se precisar, pois estou operada! mas os ônibus aqui são um deboche. Numa cidade tão pequena custam caríssimo e você pode ficar esperando muito tempo. Os lugares mais afastados , Mombaça, Vilatur, talvez tenham no máximo uns três por dia. Os motorista são grossos, mal educados, freiam propositadamente para que os velhinhos caiam. Os trabalhadores que moram nestes lugares com nomes lindos, Jaconé, Rio da Areia, etc, e vão trabalhar na cidade, podem ter um cotidiano muito difícil.
  • Os salários dos professores são muito baixos, embora as escolas sejam lindíssimas, talvez as mais bonitas do Brasil. Gostaria de poder comparar os salário de um professor daqui com o de um político, mas não sei os números. Desde que me mudei para cá , em 2002, os ônibus são o maior problema da cidade e não conseguem  ou não querem resolver o problema. A Região dos Lagos não tem uma circulação entre as cidades. Se quiser ir a Búzios tenho que tomar um ônibus até Bacaxá, outro até Cabo Frio e depois outro até Búzios. São os pequenos desrespeitos do cotidiano que vão se somando até explodir num rio de águas turbulentas. Torço para que a polícia consiga isolar os depredadores, é o mínimo que se espera, uma polícia que saiba atuar sem machucar, mas protegendo o espaço público, os tesouros arquitetonicos, as lojas, os bancos. Os vândalos são poucos e facilmente localizáveis. A maioria, a imensidão, o mar de gente , é pacífica, colorida e finalmente fala.

terça-feira, 18 de junho de 2013

RESPEITO & DESRESPEITO

Brasileiros pobres ou de classe média possuem um baú cheio de histórias de desrespeito para contar. Os pobres são sempre maltratados, tudo o que recebem é de segunda categoria, é raro que não seja assim., aplaudo as escolas públicas belas e limpas, os parques nos subúrbios. Os de classe média precisam pagar um seguro particular de saúde, escolas particulares para os filhos, se querem algum tratamento melhor, quando pagam os impostos mais caros do mundo. Nunca entendí porque um deputado ganha mais do que um professor e tem transporte grátis. Agora o baú foi aberto e as histórias pessoais de desrespeito saem descontroladas. Acho que o brasileiro não se cala mais.Uma pena que os vândalos de plantão se aproveitem para destruir o que é de todos.  

segunda-feira, 17 de junho de 2013

RESPIRAÇÃO

Quero contar uma experiência pessoal que pode ajudar muita gente. Desde 1993 quando fiz uma cirurgia de hérnia de disco que não deu muito certo, sofro de dores na coluna, que variam de intensidade de acordo com a minha tensão muscular, stress emocional, cansaço físico. Fazem alguns meses minha voz começou a desaparecer, fiquei rouca e ficava exausta para falar. A voz é um dos meus instrumentos e fiquei com muito medo. Fiz uma laringoscopia no consultório do meu irmnão que é oncologista e não era nada grave, dois nódulos nas cordas vocais por mau uso da voz.
Comecei a fazer sessões de fono e a surpresa: com os exercícios respiratórios as dores na coluna foram desaparecendo (além da voz estar voltando). Junto com a respiração sou obrigada a tomar dois litros de água por dia.
A respiração junto com a água estão levando embora as dores que me acompanham cotidianamente , visitante indesejada, fazendo do meu corpo uma moradia desconfortável. Faço pilates, mas agora estou conseguindo caminhar . Estou maravilhada. Além disso o ar por enquanto ainda é grátis. Como o amor.

domingo, 16 de junho de 2013

0,20 e 6.000,00

Tanta confusão por causa de vinte centavos?  Hoje leio que jovens gastam R6.000,00 por noite numa boate, numa iha perto de Angra dos Reis. Leio que numa favela no Rio alguns moradores possuem dois televisores, celular, máquina de lavar, mas a "casa" não tem banheiro, nenhum tipo de saneamento. Um trabalhador de baixa renda passa muitas vezes horas no trânsito, engarrafado , enlatado, agredido , para chegar ao trabalho. O brasileiro tem orgulho em sediar a Copa mas ao mesmo tempo sente náusea ao pensar no preço dos estádios e no que falta em saúde pública , saneamento, educação. O Brasil é uma colcha de retalhos mas o visual da colcha não é belo. É um imenso acorde dissonante que fica entalado entre a garganta e os pulmões. E agora este acorde se esparrama em manifestações caóticas que traduzem esta esquizofrenia, o mal estar.
O brasileiro pobre é tão mal tratado em todos os aspectos que o que espanta é o seu  silêncio e não as manifestações. Que sua voz comece a ser ouvida. Transportes limpos , civilizados e baratos. Hospitais dignos. Moradias populares em bairros com praças, jardins,bibliotecas, um entorno belo e agradável. Escolas onde convivam todas as artes e onde se eduque para a paz  .  Consigo ouvir dentro do acorde anárquico e dissonante, estas notas musicais, este pedido.

sábado, 15 de junho de 2013

NOTÍCIAS DO MAR

O mar hoje está escrevendo em preto e branco. Melhor: cinza chumbo. Eu gosto. A casa vibra, estremece com as suas ondas. O mar me alimenta com seu cheiro salgado e rude. Meus pais vieram pelo mar. Habitaram um navio de imigrantes. Tenho um documento que fala da chegada do meu pai. É uma cópia. O original: seus medos, seus sentimentos, a vida que iria construir aqui no Brasil. Minha mãe me dizia: _Eu não me lembro.
Estes fragmentos de tempo são também a música do mar.

AS CONCHAS
As conchas ouvem música.
O mar rolando seus violinos,
às vezes violas de gamba,
ou mesmo flautas e sinos.
As conchas ouvem,
e depois,
quando em nossos ouvidos,
cantam baixinho.

in O Mar e OS SONHOS, ed. Lê. 

sexta-feira, 14 de junho de 2013

MANIFESTAÇÕES

Mariana, minha leitora e amiga de São Paulo, nos contava, quando esteve aqui em casa para o último encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela, a sua odisséia diária para chegar até a Escola de Dança onde estuda. São dois ônibus e dois trens superlotados, inchados de gente a ponto de não se poder respirar. Um serviço horroroso, caro, que desrespeita cada um em sua história pessoal. Pagamos os impostos mais altos do mundo.
Finalmente a população acorda e pede por cidadania . E a polícia ataca ferozmente como se estivéssemos vivendo numa ditadura. Será impossível separar os vândalos sem machucar a todos? Os vândalos de plantãi estarão sempre em todas as manifestações no mundo inteiro, mas eles não são a maioria.  As cenas que o mundo viu ontem em São Paulo e no Rio são terríveis , a população acuada e ferida num regime democrático por uma polícia que deveria estar ali para defender a manifestação. Somos cidadãos de décima categoria se nem ao menos podemos protestar. Ótimo motivo para os professores conversarem com os seus alunos sobre os anos de chumbo e sobre os valores de uma verdadeira democracia.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

PENSAMENTOS

A privacidade acabou? Mas ainda tenho meus pensamentos , ainda tenho os meus sentimentos, as minhas crenças.
Claro que no futuro os pensamentos não serão indevassáveis. Cérebro e máquina trabalharão juntos e poderão ser e já são, na verdade, manipulados, assim como os gostos e os desejos. O que sobrará então? Não sei. Talvez um certo jeito de olhar, um certo jeito de pronunciar a palavra amor.
Enquanto meus pensamentos me pertencem deixo que voem como pássaros amestrados, invisíveis e quanto mais leitora eu for, mais eles serão meus.
Por enquanto é minha a geografia interna me pertence, ela não é o meu endereço ou o meu CPF ou o número da minha carteira de identidade.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

SAUDADES

Voltei da cirurgia muito emotiva, com saudades de um mundo antigo, lento. Ainda bem que aqui em  Saquarema, em algumas horas,tenho a sensação de estar vivendo na minha infância. Ouço os galos, cachorros, passarinhos, vozes longínquas de crianças brincando. A gente vai engolindo o mundo como pode, com suas cascas horríveis e ásperas, com sua pressa, seu tempo líquido e pulverizado, seus excessos. Anseio sempre por uma simplicidade de flores silvestres na beira da estrada, por uma essencialidade de osso.
Hoje , Dia dos Namorados, deveríamos ler cartas de amor. Sou apaixonada pelas Cartas a Milena do Kafka. Li umas duzentas vezes. E hoje fico sabendo pelo Segundo Caderno do O Globo que chega ao Brasil o livro reunindo pela primeira vez toda a correspondência amorosa entre Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz.
Não existe nada melhor do que ler e namorar, podemos namorar não só pessoas, mas também flores, gatos, árvores, poemas.

terça-feira, 11 de junho de 2013

CASA

Passei por uma cirurgia e já estou em casa. A médica me pediu repouso total por oito dias. Aproveito para ler tantos livros começados, para pensar e contemplar. Sair do hospital e voltar para Saquarema é como mergulhar numa outra dimensão. Não dá para descrever o tamanho da felicidade.
A editora Paulus me escreveu enviando as ilustrações do meu livro Três Velhinhas Tão Velhinhas feitas pela Andréia Resende. O livro é uma reedição e sairá em breve, ficou maravilhoso.
Hoje levantei tão cedo, ainda noite, ver o dia amanhecendo é um presente tão grande! Parece que abriram uma caixa de onde as cores escapam e assim vão escorrendo e eu vou junto, escorrendo junto com as cores.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

NOTÍCIAS DO JARDIM

Enquanto o mundo desaba e o Governo quer criar Bolsas Absurdas, mergulho em meu jardim. O dia completamente azul me transforma em cor, fabrica outra pele por cima da minha pele, me dá outra substância.. E as flores explodem de felicidade. Borboletas escrevem belos poemas no ar, as orquídeas desenham em meus olhos formas lindíssimas.
Fiz um pão para deixar a casa perfumada de alecrim. E ofereço para meus leitores hibiscos coloridos enquanto o mar fabrica música incessantemente para que eu mergulhe em seus intervalos.

HIBISCOS

Há flores que se comem
como se fossem frutas,
numa comunhão entre
os olhos, a boca e o jardim.
Hibiscos coloridos, caprichosos,
derramam no prato a sua beleza,
passageira como um relâmpago,
e ao morder um hibisco
nos transformamos em poesia.

in Abecedário (Poético) de Frutas, ed. Rovelle.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

INTOLERÂNCIA

Fico muito assustada com a intolerância que a cada dia aumenta no mundo inteiro em relação ao outro, ao diferente, a quem não é nosso espelho. Mas se sou uma centelha divina, se sou uma parte do universo, se sou poeira de estrelas, o outro sou eu também. Que cada um possa ser do jeito que é desde que não me agrida fisicamente, pois no campo das ideias podemos pensar de maneiras opostas e continuar convivendo.

Um poema para este dia azul:

FELICIDADES

Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.
 
in Poemas para Ler na Escola, ed. Objetiva

quarta-feira, 5 de junho de 2013

NATAL

Cheguei de Natal ontem à noite ainda com sua luz magnífica nos olhos. A minha fala sobre os cinco sentidos foi um lindo encontro com as 600 professoras. O Livro-Concerto do Guga Murray foi lindo com um coral de 600 vozes!
Reencontrei Roger Mello e mergulhamos juntos num mar de afetos, foi maravilhoso este encontro.Reencontrei José de Castro, lindo poeta. Foi tudo emocionante. E comi um inesquecível arroz de caranguejo com camarões empanados e salpicados de gergelim, que ninguém é de ferro!
E aqui estou, na minha mesa, neste dia azul, colocando a vida em dia, respondendo a tantas mensagens.

sábado, 1 de junho de 2013

IDENTIDADE

Ontem fazia uma noite fria. Chegamos cedo ao Teatro Mário Lago para assistir ao espetáculo Identidade, adaptação do meu livro Carteira de Identidade. Eu não sabia nada sobre a peça. Não vi nenhum ensaio, não fazia nenhuma ideia do que o Jorge Vale havia preparado.
Fiquei muito impactada. Para mim o livro é silencioso, os poemas são silenciosos. Mas Jorge Vale e sua trupe escolheram um caminho circense e a música, cheia de referências, permeia todo o espetáculo. Cada ator é a reprodução do outro, cada ator é um clown, já que a vida de certa maneira é um circo. Os poemas estão muito bem costurados no espetáculo e para mim a cena mais bonita é quando os atores se despem de suas fantasias, limpam os seus rostos de clown e então é como se tivessem chegado ao fundo do espelho e pudessem se reconhecer, pois o texto inteiro é uma busca.