quarta-feira, 27 de junho de 2018

A ESCOLA DOS SONHOS

Quase que a escola não veio. E eu teria perdido uma das experiências emocionais mais impactantes da minha vida.
Na sexta-feira, a Professora Lenilsa me ligou dizendo que afinal não tinham conseguido o ônibus, será que eu não poderia adiar o encontro?
Disse que não, infelizmente, tenho muitas escolas querendo uma vaga.
Ela se desculpou e desligamos. Logo me liga outra vez e diz que a escola viria sim, alugariam um ônibus.
Eu não fazia a menor ideia de nada. Nem de que escola se tratava. Sabia apenas que era de Jaconé, mas já no Município de Maricá. Não mais Saquarema.
Acordei às 5 horas da manhã para começar a preparar tudo. Tomei café com os gatos, fiz o pão. Gosto que o pão ainda esteja quente na hora do café.
Às 9.10h um ônibus todo branco, antigo, ultrapassado, meio 1950, encostou no outro lado da rua. As crianças se arrumaram para uma foto com o mar ao fundo.
Fui até lá, ao seu encontro.
Depois da foto viemos juntos para a casa.
Já vieram me abraçando, me beijando. Eu fiquei no portão e dizia, podem entrar, sentem nos bancos e no tapete.
Recebi a Diretora, as professoras.
Eram 30 crianças. Nunca sei como vou começar. Mas então começamos pelo momento pipi.
Pedi ao Samuel que acompanhasse as crianças até a casinha de hóspedes do jardim, pois lá há um banheiro enorme, há um espelho enorme, além do passeio pelo jardim. É uma alegria.
Na volta, realmente tomo contato com aquelas crianças. Duas meninas lindas são apresentadas. São gêmeas. Fazem aniversário hoje: Raissa e Raiane.
Essas crianças são diferentes. Me contam os seus projetos. Amam ler. Fazem perguntas incríveis. Sabem coisas da minha vida. Possuem vocabulário, são donas das palavras.
São da quarta e da quinta série de uma escola rural:
E.M.Prof Dilza da Silva Sá Rêgo
Então falamos de bichos. Eles sabem muito dos bichos. Trouxeram um painel de pano pintado com meu poema A Morte do Sabiá, do livro Fardo de Carinho. Falamos de gaiolas, prisões, caçadas. Eles querem que eu fale como fiz esse poema, o que senti.
Falam de animais em extinção. Me contam que na lagoa há jacarés. Jacarés ou crocodilos? Um menino diz: Jacaré, crocodilos são da Austrália.
Falam com propriedade, lindeza, sabedoria.
Fazemos um intervalo para o café. Foi a mais linda dinâmica, algo tão amoroso, uma troca incrível entre as professoras e a Diretora e as crianças. Parecia uma dança, tudo fluia, flutuava, eles comiam como se come nuvens. Comiam com delícia e delicadeza. 
Trouxeram biscoitos que prepararam na cozinha da escola junto com as merendeiras. Me dizem a receita tintim por tintim. Trouxeram um doce de maçã.
Havia uma criança especial, sorridente, integrada e uma mediadora só para ela.
Comemos e bebemos absolutamente tudo o que havia sobre a mesa: sanduíches, pão caseiro, biscoitos, tomate ralado, manteiga, mel, bolos, leite com chocolate, suco de goiaba, café. Não sobrou nenhuma migalha.
Era uma festa no céu. Um disse, esse pão é maravilhoso, vamos fazer na escola?
Voltamos para os lugares.
Então fizemos brincadeiras com meus poemas.
Cada vez que eu precisava de silêncio eu pedia para eles ouvirem o mar.
Falamos de paz e guerra, eles sabiam da Síria.
Leram em voz alta . Sabem ler perfeitamente, com sentimento. Leram meu poema do Classificados Poéticos, o do Habitante de outra galáxia.
Eles sabiam o que é uma galáxia.
Uma teia de amor une essas crianças.
Mas qual é o segredo?
A Diretora me conta que é uma escola de horário integral. Entram cedinho e saem às 17h, jantam na escola.
Ela me diz que tem tudo na escola. Biblioteca. Tem fantasias, ela me diz, tem espelho.
Tem investimento na escola e isso é visivel, os resultados são muiito impressionantes.
Crianças lendo fluentemente, com um vocabulário incrível, entendendo o texto perfeitamente, amorosas, sem nenhum clima de violência entre elas.
Trouxeram os poemas mais lindos que escreveram, inspirados nos meus.
Se uma escola pode funcionar assim e conseguir resultados assim, por que todas as escolas do país não podem ser assim? Por que os governos não escolhem educar assim como prioridade, como escolha de mudar o mundo?
Quero agradecer a Diretora Raquel e as professoras que acompanharam essas crianças lindas:
Lenilsa, Ana Rita, Jociene, Jacira, Cláudia.
Hoje fiquei abalada com o que vivi. Ainda estou abalada. Ficarei abalada para sempre.

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O TEMPO TODO AO MESMO TEMPO



Uma vez, entrava na Rua Citiso, no Rio Comprido, R.J (onde morava), com meu filho Guga Murray, criança, quando ele parou de repente e me disse muito espantado:
- Mãe, agora mesmo estão acontecendo muitas coisas no mundo ao mesmo tempo!
Sim. Estão. Coisas maravilhosas e terríveis. Mas é a primeira vez na história que todos os acontecimentos nos chegam de uma vez ao mesmo tempo e de uma maneira incrível, com fotos, vídeos, vozes, músicas.
Vejo ao mesmo tempo as iniciativas mais maravilhosas, os trabalhos de arte mais incríveis, as descobertas científicas mais impressionantes e crianças engaioladas, separadas dos pais. Nada justifica a maldade de um humano contra outro. 
Nada justifica uma favela ser metralhada com vidas de civis sendo interrompidas. 
Não é possível ficar imune a tantas crueldades e tantas maravilhas. 
Mas a crueldade machuca mais ainda quando somos impotentes.
Cada um faz o que pode quando tantas injustiças nos deixam atônitos.
Eu escrevo poemas e trabalho com professores que tentam por todos os meios salvar suas crianças, vejo o quanto o amor fabrica. Trabalho com a beleza. Sempre .
Vejo como a poesia toca as crianças. Toca os adolescentes.
A minha ideologia é a bondade e a religião também. Então não importa se a crueldade está acontecendo num regime assim ou assado. É crueldade aqui ou ali.
Quando a nossa capacidade de se identificar com o outro termina, a nossa capacidade de sentir a sua dor não existe, a humanidade está morta em nós.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

DE VOLTA PARA O MAR

De volta ao mar. Toda casa possui a sua engrenagem. São fios e roldanas, máquinas de fabricar pequenas alegrias, poemas.
O mar traz música e perfume.
Os gatos amaciam os hiatos do mar.
Faço pão, arrumo os dias que passei em Teresina no baú dos afetos. 

quinta-feira, 7 de junho de 2018

ENTREVISTAS

Jun Arias me conta: entrevistou os mais maravilhosos personagens do Século XX na Itália.
Não levava gravador, anotava tudo.
Se tivesse gravado, hoje poderíamos ouvir as vozes de Fellini, Calvino, Pasolini e tantos outros
Mas se lembra de cada detalhe das conversas e posso visualizar o que me conta.
Acompanhei Juan em algumas entrevistas aqui no Brasil : Milton Nascimento e João Ubaldo. Também me lembro de tudo, como se fosse um filme.
Juan fez uma coleção de livros de entrevistas também e pude estar presente em dois, o do Saramago e do Paulo Coelho. Quando fez o do Fernando Savater ainda não o conhecia.
Eram entrevistas longas, que duravam cinco dias e a convivência com o autor se tornava estreita e íntima.
Juan é um grande entrevistador.
Quando chegamos à casa do Saramago, ele já tinha nas mãos um esboço do que seria feito e toda a sua biografia que Juan havia recolhido de outras entrevistas e aqui e ali, na internet.
Pilar nos recebeu e nos sentamos os quatro à mesa para um café. Com os papéis na mão Saramago disse: - Quantas besteiras ao meu respeito! Juan respondeu: - Tudo isso se diz. Agora você vai poder corrigir tudo o que quiser.
E assim foi.
Quando Juan fez a primeira pergunta a Fellini: "Como nascem os seus títulos?" Ele respondeu: "Mas que pergunta idiota"
Juan disse que a pergunta podia ser idiota, mas a resposta certamente seria maravilhosa. E foi, ele me diz.
Não me canso de ouvir enquanto caminhamos pelas ruas de dentro do bairro, aqui em Saquarema, tantos anos depois, num dia cinzento de junho, no Século XXI.

terça-feira, 5 de junho de 2018

FEIRA DE TERESINA

Cinéas Santos me diz: "Dona Poeta, a senhora não se pertence".
E não me pertencendo vou ao encontro dos meus leitores em Teresina.
William Amorim disse, em sua fala, que as Feiras de Livro são um gol contra a bárbarie.
E são mesmo um espaço de resistência a todo o horror que nos assola, a toda a falta de pensamento. Nas Feiras de Livro as ideias circulam e hoje, em nossa sociedade do abandono, das falsas notícias, da velocidade inútil, da falta de memória, há que parar e ler e ouvir. Ouvir o passado para que horrores não se repitam.
Sabemos que as Feiras se fazem com pouco patrocínio e muita tenacidade. E ainda bem que resistem a toda essa barbárie que pouco a pouco nos devora.
Nunca as Feiras de Livros, por menores que sejam, significaram tanto.
Ontem comecei a ver um documentário indiano sobre uma escola para filhos de intocáveis. Entram na escola com 4 anos e saem com 17. Suas vidas seriam perdidas. Mas a educação completa que recebem, além de dança, teatro, música e literatura, é a ponte para outra vida. Ser intocável deixa então de ser um destino, como no Brasil o destino de milhões de crianças e jovens seria outro com esse tipo de educação que dá ao ser humano a chance de ser um humano melhor.
Então vou ao encontro da minha crença. Que não é religiosa. A minha crença na Literatura e seu poder de transformação.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

RACISMO

Notícias de racismo sempre me chocam. Fico estarrecida.
Mas não podemos ficar mudos.
Aliás a palavra racismo está completamente equivocada. Só existe uma raça entre os humanos: a nossa. Somos os Sapiens. 
Todos iguais na sua insignificância frente ao universo, todos iguais na sua finitude.
Cumprimos a mesma regra, todos, ninguém escapa: morreremos.
E no entanto, somos diferentes em nossas singularidades, nossa maneira de ser, nossas culturas, crenças, etc.
Mas que alguns humanos sintam-se superiores a outros porque a sua pele é azul ou vermelha ou lilás, é de um non sense absoluto. Que um branco sinta-se superior a um negro, isso obedece a que lógica?
Leio sobre um episódio inacreditável onde estudantes universitários brancos xingam e humilham estudantes negros numa competição. Alunos de uma Universidade privada, cristã. Uma Universidade rica.
O "racismo" , na falta de uma palavra que exclua o conceito de raça, é crime no Brasil.
Leio o artigo e não sei direito quando aconteceu, mas não importa. Importa que aconteceu e a gente se pergunta:
Como será a família dessas pessoas? O que carregam dentro, que vazio é esse onde se aloja o escorpião do ódio?
Sendo o racismo um crime terrível, já que um humano ao sentir-se superior a outro humano, xinga, humilha, agride, precisa ser punido. (Tenho em minhas veias o sangue derramado nos pogroms contra os judeus e todas as humilhações que meus antepassados viveram)
A Universidade precisa se posicionar e deveria tomar alguma atitude.
Ninguém deve se calar quando um Sapiens, a única raça de humanos hoje, em nosso planeta, humilha seu semelhante.

domingo, 3 de junho de 2018

DOIS LIVROS NOVOS E TERESINA

Tenho dois livros novos nas mãos. 
Poemas para Metrônomo e Vento, ed. Penalux e Desejo de Árvores e Pássaros, ed. Imeph.
São azuis em sua essência. Talvez porque eu viva mergulhada no azul aqui no mar.
Talvez porque a estrada azul dos pássaros seja a que meus pés desejam sempre.
Talvez porque o voo e a liberdade sejam o meu destino e meu desejo .
Dois bens são os mais preciosos de todos: o tempo e a liberdade.
Liberdade se aprende quando se escuta a história do outro tão diferente da nossa.
Existem tantas maneiras de existir.
E o tempo, tão escasso, tão finito, não deveríamos vender nosso tempo, mas usá-lo com amor infinito, buscar incessantemente fazer o que se ama e quando isso não for possível, fazer com amor o que não se ama.
Meus dois livros novos foram publicados por editoras pequenas(uma do interior de S.Paulo e outra de Fortaleza). As editoras pequenas são corajosas e essenciais.
A poesia é um ofício. E o livro publicado é o maior prêmio que há.
Então este ano de 2018, de tantas coisas duras, me traz livros novos, pessoas, viagens. Há que agradecer.
Dia 8 estarei em Teresina com leitores e amigos, no Salipi, a Feira de Livros.
Farei uma fala junto com o psicanalista William Amorim, nessa maravilhosa mistura de poesia e psicanálise.
É a quarta vez que vou ao Piauí! E agora levo na mala meus livros novos.