sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS

Recebo por correio um livro da minha irnmã Evelyn que mora em Visconde de Mauá. Ela comprou num sebo e chorou muito. Ela me diz: se prepare para ter um encontro com o nosso pai.
O livro se chama Eu, Filha de Sobreviventes do Holocausto de Bernice Eisenstein.
Eu respondo: nossos pais vieram antes da guerra. Nós não somos filhas de sobreviventes do Holocausto.
Ele me diz : leia, mas se prepare.
Comecei a ler.  O pai da autora É o nosso pai. A sua casa da infância É a nossa casa.
Meus pais vieram antes da guerra, mas toda a minha infância convivi com sombras.
Muito pequena mesmo, com seis anos, eu já sabia o que era um Kapo, um neurótico de guerra. Na minha casa se falava ídiche quando era pra gente não entender. Eu nunca quis aprender. Mas sei algumas palavras pejorativas, palavrões, nomes de comida. Minha babá negra, a Eunice, xingava em ídiche.
Como o pai da autora , meu pai era um jogador. Meu avô materno também. E nosso vizinho, Waldemar, neurótico de guerra, tinha em casa como um Salão de Jogos. As pessoas (só judeus) iam lá para jogar.
Meu pai, como o pai da autora, tinha acessos de raiva, mas era engraçadíssimo, ria, contava piadas, comia muito. Ele dizia: Passei fome na Polônia. A fome que a gente passa nunca passa.
Meu pai era lindíssimo. Um homem alto, de olhos azuis, sempre bem arrumado. Como o pai da autora. E como ela eu sempre disse para mim mesma: Ah, porque não herdei os belos olhos do meu pai? Meu pai era um homem muito sensual. 
Algumas posturas do pai da autora são do meu pai. Domingo de manhã, deitado na cama, ouvindo música clássica. Já no segundo acorde ele dizia o autor e eu com uns oito anos nem podia acreditar.
Como a família da autora toda a minha família na minha infância morava perto, mas perto mesmo, quase ao lado. Bem novinha eu ia só de uma casa para outra para comer as delícias. Biscoitos de nata na casa da minha vovó Faiga e pudim de duas cores na casa da tia Cecília.
Meu pai nunca queria falar do passado. Não sei nada do seu passado na Polônia, nem quem são os seu antepassados. Ouvi falar, de leve...Não sei quem ficou na Polônia .
Meu pai saiu da Polônia com 14 anos . Ele não falava polonês. Só ídiche. Mas cantava uma música meio indecente que eu adorava: da Tatiana. É que a Tatiana estava doente e foi ao médico , mas a sua doença era um bebê na barriga! E pedia: pai, canta a musica da Tatiana!!!
O irmão do meu pai morava em Niterói.Tio Waldemar. E sua mulher era tão doce, minha tia Dora. Eles conversavam muito em ídiche.  Passei minha infância indo de barca ver meus tios. Os irmão se amavam e era bom, eu sentia a felicidade do meu pai. Contavam piadas, riam.
O pai do meu pai foi assassinado na sua frente. A Polônia, mesmo antes da guerra não gostava nada dos judeus.
Meu pai me deu uma caixa invisível cheia de tesouros: a honestidade como valor absoluto, a compaixão, saber que a minha humanidade é um exercício diário. O amor pela arte. Meu pai era um homem bom. Incorruptível. Nunca desejou bens materiais. Nunca se curvou diante de ninguém. Queria amor. O amor dos filhos.
Faz tanto tempo que ele se foi. Mas ontem nos encontramos . Lejbus Kligerman, meu pai, a morte não existe.
 

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

ATOS E PALAVRAS

Às vezes fico tão desesperada com o mundo que não quero ouvir nada nem ler jornal nem saber de nada, como se assim apagasse as tragédias. Mas é impossível. Estamos no mundo. No café da manhã o jornal O Globo já está na mesa. Mas há uma coluna no jornal que amo : Conte algo que não sei. É sempre gente fantástica falando com alguma proposta ou algum olhar bem diferente.
Hoje fala Gab Gomes, empreendedor urbano. Ele diz : "A utopia serve para a gente caminhar".
Ele diz que temos que nos apropriar da nossa rua. O espaço público é nosso. E pequenas ações são revoluções.

O mundo hoje, as grandes cidades, super habitadas não podem ficar apenas nas mãos dos governantes.
Se você puder fazer algo pela sua rua faça. Não fique apenas reclamando.
Ele fala do Múrmura, um projeto que trabalha este conceito. Múrmura é uma palavra linda. Parece um rio murmurando. Ele diz que o mundo precisa cada vez mais de pessoas que façam. As ideias já existem.
Concordo com ele. Não podemos cruzar os braços. Trabalhemos no pequeno.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

FRUTA NO PONTO

Ontem a minha editora da FTD disse que neste semestre sairá uma nova edição, com novas ilustrações, do meu livro Fruta no Ponto.
Este livro tem uma belíssima história. Saiu em 1986. Antes de sair, eu estava em Belo Horizonte e Bartolomeu Campos me disse: "vi as ilustrações do seu livro. O livro está ficando maravilhoso."
Só vi o livro pronto. Muito mais do que maravilhoso. Era algo novo. As ilustrações de Sara Ávila, abstratas, ocupam na página o mesmo éspaço que o poema. Se o poema tinha três estrofes, na página ao lado a ilustração também tinha três estrofes.
Uma noite, no meu apartamento do Rio Comprido, era uma festa, não lembro porque amigos e família estavam lá. Tocou o telefone. Era alguém da F.N.L.J. Não sei se Laura Sandroni ou Eliane Yunes. Meu livro havia recebido o Prêmio de "O Melhor de Poesia". Era o primeiro ano em que davam este prêmio.
Comecei a tremer e em minutos estava com 40 graus de febre. Fui para a cama e me encheram de cobertores.
Este livro foi para a Feira de Frankfurt em 1994. O Brasil era o país homenageado. Um poster com o livro ali na Alemanha. Muita emoção.
Em 2016 Fruta no Ponto faz 20 anos.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

FLORES RARAS

 Encontro a descrição do livro Flores Raras que amei. Faz tempo que li. Está abaixo. Ontem vi o filme do livro por Bruno Barreto e fiquei emocionadíssima. As atrizes estão mais do que perfeitas e convincentes.Vale a pena ver.
Uma cena, para quem é poeta, vale por mil aulas de poesia. Elizabeth Bishop, em sua primeira aula de poesia na frente da turma, nos Estados Unidos, depois de ganhar o Pulitzer , diz aos alunos mais ou menos isso:
Não acho que se possa ensinar a fazer poesia. Posso ensinar a olhar.

" Na década de oitenta, ao ler esta dedicatória em livro de Elizabeth Bishop para Lota de Macedo Soares, a escritora Carmen L. Oliveira ficou intrigada - ´...Lota?´, indagou-se. Em 1966, na pós-graduação nos Estados Unidos, conheceu a obra de Bishop, famosa poeta americana, e ficou surpresa ao saber que, naquela época, as duas moravam no Brasil. Mas quem era Lota? No início dos anos noventa Carmen descobriu que Maria Carlota Costallat de Macedo Soares foi uma esteta brasileira, que concebeu e construiu o Parque do Flamengo, enorme contribuição para a cidade do Rio de Janeiro. A publicação nos Estados Unidos do livro One art, que reúne a correspondência de Bishop, revelou a ligação amorosa das duas, que durou de 1951 a 1967. Nas biografias lançadas sobre a poeta, a esteta brasileira aparece como her lover, sempre em segundo plano. Simultaneamente, Carmen descobria em Lota um dos mais fascinantes, insólitos e raros personagens brasileiros deste século, que caiu em total anonimato. Neste livro, a autora conta a relação das duas e a criação do Parque do Flamengo. E ao contrário das biografias norte-americanas, que priorizam Bishop, o livro focaliza Lota e as figuras que junto com ela construíram a história recente do Rio de Janeiro e do Brasil. Segundo a autora, a relação das duas pode ser dividida em duas fases. Nos primeiros dez anos foram felizes e assumiram sua homossexualidade com surpreendente naturalidade para a época. A partir de 1961, a obsessão de Lota pela conclusão do Parque do Flamengo e a crescente instabilidade emocional de Bishop contribuíram para que enfrentassem uma forte crise até 1967. Muito além de um caso amoroso, o livro revela trechos inéditos da história do país: as discussões de Lota com o governador Carlos Lacerda, a briga com o arquiteto Sérgio Bernardes, a rivalidade com Burle Marx, a presença de Manuel Bandeira, Clarice Lispector, Portinari, Carlos Scliar, Rachel de Queiroz e Carlos Drummond de Andrade. Mas sua principal contribuição é o resgate de Lota, consciência de vanguarda que combateu a fúria imobiliária e a intervenção nos monumentos naturais do Rio de Janeiro. Lota conseguiu pela primeira vez no país que um projeto urbanístico fosse tombado."

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

PARA COPIAR

Algumas atitudes mudam a vida da própria pessoa e mudam a vida de muita gente. Recebi um depoimento maravilhoso de Lucia Pellon. Por favor, copiem.
Conto histórias desde que me entendo por gente. Primeiro, para minha irmã mais nova, depois, como professora de Jardim de Infância, logo que saí formada do Instituto de Educação, e também para os três filhos, e agora para os netos. Assim que me aposentei, há vinte anos, trabalho como voluntária em casas que trabalham com crianças de comunidades de baixa renda. Monto bibliotecas com o acervo doado ( muitos livros bons,impressionante ) e trabalho com oficina de leitura. Conto histórias, sempre de livros, e depois proponho um aproveitamento do texto, através de técnicas de arte- educação, nos moldes da saudosa Escolinha de Arte do Brasil, de Augusto Rodrigues. Há, em paralelo, o empréstimo de livros, quando a criança escolhe livremente qual deles deseja levar para casa. Ao retornar o livro, a criança faz um breve relato, para as colegas, sobre o que leu, se gostou ou não, como uma propaganda do livro.
Continuo frequentando cursos de contação de histórias, porque o professor tem que se atualizar constantemente. Sou discípula do Mestre Francisco Gregório e do ator, autor e palhaço Março Andrade.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

PROJETOS

Abrigo em minha casa vários Projetos que me dão felicidade , alegria, vitalidade.
Atualmente tenho três funcionando. O Clube de Leitura da Casa Amarela, onde os leitores compram o livro indicado para ler em casa e nos encontramos de dois em dois meses para discutir o que lemos.Não é uma discussão acadêmica, eu não tenho nenhuma base para isso. É uma discussão amorosa. Depois ofereço um almoço ,pão feito por mim, vinho. Desta vez além do livro Morte em Veneza, também se poderá ver o filme depois do almoço. Discutiremos também o livro Marca D'água de Joseph Brodsky. Interessantíssimo discutir os dois livros juntos pois Joseph Brodsky comenta Morteem Veneza, o livro e o filme.
O Segundo Projeto é o Café, Pão e Texto. Recebo escolas para um café ou almoço literário, um encontro comigo. É fantástico, emocionante. Espero que em abril já receba a primeira escola do ano com a Eczúvia Magenta. Podemos remarcar Eczuvia?
O terceiro é um encontro mensal com os professores trazidos pela Secretaria de Educação.
Faço meus projetos como a minha pequena doação. Já consegui fazer leitores. E amigos!!!
O Coral do Maestro Moises Santos já veio por duas vezes cantar aqui em casa e espero que logo venha pela terceira vez.É muito emocionante.
Já fiz vários lançamentos de livros aqui. Acho que a Casa Amarela já tem vida própria.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

DANÇA

Sou apaixonada por histórias de esforço e superação, talvez porque a minha própria história pessoal caminhe por esta estrada.
Já falei aqui do Leo, o bailarino de Saquarema que estuda balé no Teatro Municipal, terminou a Faetec e passou para uma Uuniversidade Pública onde cursará dança. Os esforços deste lindíssimo menino para conseguir dar conta de todos estes compromissos morando em Saquarema, são inimagináveis. Com a ajuda de várias pessoas, amigos e admiradores, Leo conseguiu doações para pagar as passagens, lanches, etc. Maria Clara, do nosso Clube de Leitura, que foi sua professora, abriu sua casa no Rio para ele.
Pois bem, Leo ganhou uma bolsa completa para um curso de um mês em Miami em julho.As possibilidades que se abrem para o Leo, de uma carreira internacional são imensas. Se o Balé de Miami gostar do seu desempenho, ele ganhará uma bolsa completa de um ano, com passagem, hospedagem, alimentação.
A sua viagem em julho não dá direito a nada disso. Apenas o curso. Leo é negro e sua família não tem a menor condição de ajudá-lo. Acontece que o Leo voa. Que o seu sorriso é o mais lindo do mundo. Acontece que o Leo é um exemplo magnífico para jovens estudantes. Então, é impossível ficar indiferente ao esforço do Leo. Já estou mexendo o caldeirão de bruxa boa para conseguir a passagem do Leo. O meu conselho para o Leo foi : Não aceite dinheiro de políticos. Hoje em dia é um dinheiro perigoso. Portanto, sopro poesia no meu caldeirão e quem quiser ajudar, fale comigo.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O MAR

Notícias do mar que só vejo de longe, daqui da varanda : está calmo, assim parece. Azulazulazul , o que pede como complemento gaivotas brancas .Ainda não posso descer até o mar, o que será possível assim que tiver alta no dia 17 de março. Tenho vários encontros marcados para depois da alta. Comigo mesma, com a montanha e o mar.
Espero para março meu livro Duas Casas que sairá pela ed.Lê com ilustrações maravilhosas da Elvira Vigna. Neste livro falo das minhas duas metades, de um lado meu sangue é verde e do outro misturado com sal. 
Já tenho vontade de trabalhar. Em breve recomeçarei meu Projeto Café, Pão e Texto.Se consigo tocar uma criança com meus poemas já ganhei todos os prêmios.
Sinto a vida mais espessa dentro de mim. Meus pós operatório está terminando.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

VISITAS

Ontem minha amiga Monica me disse: já somos uma tribo.
Amo a palavra tribo. Mas depende do que une a tribo.
Saramago uma vez disse numa conferência, eu estava na plateia:
"Existe no mundo a tribo da sensibilidade".
E os amigos são a tribo mais maravilhosa do mundo. Um grande exercício de amizade é ficar atento. Se meu amigo(a) oeiras precisa de algo e eu posso ajudar, tento ajudar. Para mim é quase um ofício. Sou exímia tecelã de redes.
Hoje recebo Letícia, filha da Monica e seu namorado Bruno. Eles foram grandes Anjos da Guarda na minha recuperação lá no Rio. Poder retribuir um pouco é um luxo.
Ao mesmo tempo meu filho Guga recebe a Nina , a outra filha da Monica em Resende para encaminhá-la a um belo lugar de cachoeiras.
Esse é o sentido da tribo e suas conexões.
Eu espero o dia de voltar a Mauá para a minha tribo de árvores.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

CALMARIA

Saquarema acordou bem mais vazia e silenciosa. Que venha a calmaria mas com vento. Não tenho ferramentas para compreender a loucura que cobre a cidade, as cidades. Isso é tarefa para antropólogos. O furacão CarnavalBrasil pede que você entre em seu núcleo.Que você participe. Estar fora é estranho.
Mas a vida é assim, cheia de abre e fecha parênteses.
Entretanto a loucura que toma conta do país pode ensinar muitas coisas ao mundo. Todos pulando e dançando juntos, pele com pele, o meu suor é o teu suor, e se trocássemos as guerras pelos blocos de carnaval? Palestinos e israelenses sambando juntos, gritando juntos, russos e ucranianos, etnias africanas ? Cada um cantando em sua língua. Ninguém precisando matar ninguém.
Engraçado, no carnaval há um ímpeto nos homens em se vestir de mulheres. No entanto, não vejo as mulheres querendo, desejando se vestir de homens.  Ao contrário, cada mulher traz à tona tudo que pode da sua sensualidade feminina.
Talvez os países árabes devessem importar o carnaval brasileiro para que as mulheres pudessem dançar junto com os homens.(Tenho até medo de escrever isso. Será que estou ofendendo?)
Então, talvez  a loucura- carnaval ajude a quebrar preconceitos. Sabe aquele homofóbico doente? Está lá no bloco, vestido de mulher, pulseiras, colares, batom. Sabe aquela senhora racista? Nem que estude mil anos conseguirá sambar como a negra maravilhosa ao seu lado.
Mas o carnaval já é uma miragem que se afasta. Novamente, fantasias no armário, as pessoas retomarão suas vidas, seus preconceitos. Bom seria que algo maravilhoso sobrasse. O desejo de ser verdadeiro. Pequenas loucurazinhas em doses homeopáticas, tipo uivar para a lua. 
  

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

MEMÓRIAS

Carregamos um saco de memória nas costas. Li uma reportagem muito interessante. Mas Jung já falava disso no inconsciente coletivo: o que meus pais passaram os medos que trouxeram da Europa, entraram mo meu DNA . Sou uma herdeira de experiências que não vivi. Então, às vezes o saco de memórias vai nas costas e outras vezes é alguma coisa que vive dentro de mim, que veio de longe.
O saco de memórias do nosso jardineiro Samuel tem cheiro de fazenda. Ele sempre trabalhou na terra, arando, dirigindo trator, levando o leite  para a cooperativa no interior de Minas. Adoro conversar com ele. Entendo a sua nostalgia.Ele é da terra profunda como eu.  Hoje ele veio trabalhar, pois é diarista.E não gosta de carnaval. Pedi para cortar a grama de dois pedacinhos de jardim. E o cheiro da grama cortada abre o meu saco de memórias. E me faz feliz. Sou transportada para o campo. A temperatura está maravilhosa e este cheiro inebriante de verde me dá vontade de dançar feito uma árvore..A minha paixão pela terra vem de longe. Não sei praticamente nada da minha família, mas alguma voz distante diz que minha avó materna  morava no campo, na Polônia. E claro que se examinarem atentamente meu DNA, sou árvore também.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

ANTIDEPRESIVO

No começo de 2014 comecei a tomar um antidepressivo . As dores que tinha não eram suportáveis e eu me afundava num pântano. Todos as manhãs quando acordava urrando de dor pensava como iria suportar o dia. O Cymbalta é um auxiliar na dor crônica. E consegui sair do pântano e respirar. Mas eu já tinha programado parar o Cymbalta depois da cirurgia. Só que parei de uma vez só, contrariando todos os cânones da medicina. Tive muitos efeitos estranhos. Hoje finalmente acordei bem. Digo, por dentro.
A partir desta experiência a consciência de mim ficou abalada. Eu era eu mas também uma outra. Eu não choro nunca. Fiz um bloco de pedra para aguentar tanta dor. Pois bem, chorei todos os dias um pouco.Gostei de chorar.
Sou uma pessoa de paz. Não gosto de brigar. Mas tive acessos de irritação , perdi a paciência, queria quebrar a casa. Eu tinha acessos de mar revolto por dentro.
Conto tudo isso para dizer que a gente toma os remédios quando precisa tomar. Ainda bem que eles existem. Dor crônica é uma doença terrível. Como se nosso corpo fosse uma jaula com um leão querendo arrebentar tudo.  Mas não é fácil deixar nenhuma droga. Café, cigarro, álcool e etc. Conto tudo isso apenas para dividir uma experiência.
Quem sou eu? Onde termina o meu ser ? Até que ponto me conheço?  Quando a dor no corte da cirurgia passar e toda a área em volta estiver liberada. serei uma pessoa sem dor. Espero que a ausência da dor me faça uma pessoa melhor. Mais uma vez uma outra pessoa. Nunca pensei que um dia seria possível viver este sonho.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

MANHÃ

Aproveito as primeiras horas da manhã quando a temperatura está bem leve e amena. Tomei um banho gelado no jardim às 6hs. Há uma primavera que faz uma cortina cor de maravilha. Mergulho em suas flores.  Um galo cantou muito ao longe. Ainda não posso ir ao mar, mas deixo que o intervalo entre as ondas, este silêncio cheio de expectativas, me envolva. Cada vez mais aguço os sentidos Neste exato momento um beija flor faz piruetas diante dos meus olhos.
Logo fará tanto calor que será impossível estar aqui na varanda.  Será impossível estar em qualquer lugar. Para quem não gosta de calor, é claro. Juan, meu marido, adora. Para ele quanto mais quente melhor. A nossa incompatibilidade meteorológica é abissal.  Ele diz: "mas eu nasci na Andaluzia com 45 graus!". Isso não é motivo, eu retruco, pois nasci no Rio de Janeiro, com 40 graus e tenho sempre nostalgia do inverno, de chuva fina, de brumas que tudo encobrem...  Aqui estou sempre cercada de ventiladores e Juan fugindo do vento. Ele diz: "Coitado de mim, logo chegará o inverno!"
Juan volta da Feirinha cheio de presentes. Conseguiu ovos caipira de um velhinho bem velhinho que cria suas galinhas no quintal . Na barraca da tapioca, ele me conta, o dono da barraca serve vestido de mulher, pois hoje é carnaval. A sua mulher toda séria, ao seu lado, não o reconhece. Ele volta todo animado, os temperos transbordando dos braços.
E assim, a vida é um espetáculo. Somos a sua matéria prima.


sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

MARCA D'ÁGUA

Começo a reler Marca D'água de Joseph Brodsky para o encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela. Estou possuída pela sua beleza em estado absoluto. Cada parágrafo mexe com todos os meus sentidos.
Marca D'água é Veneza em preto e branco. É a noite líquida, transformada em água.Marca D'água é o poeta que nos leva pelas ruelas dos seus pensamentos. Alguns poetas são generosos e nos lembram quem somos e onde fica a nossa terra natal.

Ainda há silêncio em Saquarema nestes últimos momentos que antecedem o carnaval. Sou completamente apaixonada pelo silêncio e suas nuances. Sei o quanto vou sofrer. A invasão. Gente que chega de todos os lados.

Andei hoje 15 minutos na rua. Na volta fiz um pão. Quando faço pão evoco para mim mesma a história de uma belíssima amizade. Aprendi a fazer pão com a Dona Maria do Vale do Pavão, em Visconde de Mauá. Uma camponesa calejada pela vida tão dura que lhe coube e que dizia as coisas mais lindas e filosóficas e poéticas , ali, naquela cozinha de uma casa de roça, o fogão de lenha sempre aceso, de onde ela retirava fornadas e fornadas de pão. Quando Seu Elói , o marido, estava presente, enquanto enrolava o cigarro de fumo de rolo, contava casos que nunca tinham nem começo nem fim.
Ela me ensinou a fazer pão e a caçar felicidade. Nas mínimas coisas. Sou muito grata. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

A VOLTA

Voltei para a vida aos pouquinhos depois da cirurgia na coluna. O Dr.Schiattino retirou um cisto do tamanho de uma bola de gude que estava pressionando os nervos. Colocou uma prótese de titânio no lugar de disco com quatro parafusos e acordei na U.T.I intermediária, uma das piores experiências que já tive. Com oxigênio, sonda , remédios fortes na veia e a pressão muito baixa. Achei , pela primeira vez , que ia morrer e não era bom. Passei por outras experiências limites, mas era como um sono, como dormir devagarinho. Desta vez não. Não sei explicar. Dentro de mim era vazio, era horrível. Mas no fim do dia fui para o quarto, tiraram as tralhas e foi tudo melhorando. Meu quadro de pressão baixa mudou e eu já ia aos pouquinhos me encontrando.
A dor era só no corte.
Tive alta e vim para a casa da Monica, este casarão de cem anos que me abraça. Pouco a pouco vou melhorando. Ontem já caminhei. Mas ontem foi o dia mais lindo e louco da minha vida!
Amigos, irmão e cunhada, chegaram, todos foram chegando. E meu filho, mulher e neto e minha neta-cachorra Luna que eu não conhecia. Os três cachorros não gostaram muito. Foi uma adaptação difícil, mas agora está tudo em paz. E de noite dormimos todos no mesmo quarto! Primeiro meu neto amou a cama de hospital e quer uma igual. E na cama dormiu a família  inteira com a Luna, minha irmã no chão e eu na cama de hospital . Nunca estive mais feliz!!!! Queria dormir assim para o resto da vida!!! Todos os que amo dividindo a noite e os sonhos. Meu neto amou o acampamento. E eu que sou uma vovó tão apaixonada entrei na brincadeira.]
Hoje, eles se vão. Mas logo o médico me dará alta para voltar para casa e depois aos dois meses alta para viajar. E as dores malucas desapareceram. E eu já sei quem sou novamente. Roseana poeta, que apesar de 20 anos de dor contínua, conseguiu levar a vida com humor, força e alegria. Claro que a poesia e os livros foram sempre o meu suporte.
Agradeço a todos que rezaram por mim, que pediram aos deuses , ao Universo, que me ajudaram com seus pensamentos maravilhosos de cura.
Poderei andar novamente, ir à praia, caminhar um pouco na montanha, andar de triciclo em Saquarema (meu sonho total de consumo).
Agradeço aos anjos que ainda estão cuidando de mim: Monica com seus três cachorros, Letícia com seu grande amor, Dora com suas comidas maravilhosas e minha irmã Evelyn que largou tudo para ficar comigo.  
Agradeço ao Juan, meu grande amor. Conviver diariamente com alguém com dor crônica não é fácil.
E la nave va. Com alegria.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

ESPERA

Este tempo de espera num casarão centenário com uma grande amiga, sua filha, três cachorros, a cozinheira  Dora, uma imensa e florida acácia amarela e uns meninos lindos que estão aqui passando férias, foi maravilhoso. Recebi tantas visitas, tomei banho de chuveirão no quintal, comi comidas fantásticas, celebramos a vida cada dia.
Conheci pessoas novas, todos os dias recebi fotos dos meus netos e hoje chega a minha irmã. Amanhã cedo é a minha cirurgia . Ficarei com alguns parafusos na coluna, além de humana, serei algo como uma loja de ferragens, e esta palavra composta "loja de ferragens" me leva até a Rua Barão do Bom Retiro. Eu era criança, tinha uns sete anos e seu Waldemar, amigo do meu pai, tinha uma loja dessas. Mas além de ferragens vendia louças, copos, panelas, relógios. Todos os dias eu ia visitar a loja, na esquina da nossa casa. Namorava as canecas , namorava tantas coisas lindas.
Então é assim,sou uma loja de ferragens que range em suas dobradiças ( serão agora três próteses e parafusos) mas lá dentro tenho gavetas e mais gavetas cheias de poesia.
Um domingo maravilhoso para todos. Volto a escrever quando puder.