quinta-feira, 29 de março de 2012

ESTAÇÃO RESENDE

Ontem a aula aqui em Resende na Babel Escola de Culinária do André Murray, meu filho e minha nora Dani Keiko foi linda, aula de risotos: de camarão, bacalhau e pato e bufalo wings (asas de frango assadas com molho de gorgonzola). A sobremesa era um flan de iogurte com molho de frutas vermelhas. Dani fez uma torta de chocolate com crocante de pistache e mousse de chocolate para cantar o parabéns pra você. Éramos 13 pessoas na mesa imensa da bela sala de jantar . A felicidade era geral. O grupo de alunos é variadíssimo: advogados, médicos, psicólogos,engenheiros, etc... Os alunos cozinham sob a batuta do André. O nome da oficina de gastronomia é "Cozinhando para Amigos" e é tudo muito divertido.

Hoje depois do almoço subo para Mauá. Dormirei uma noite no ateliê da minha irmã Evelyn Kligerman, em Maringá. Assim, a minha ida para Mauá é feita em etapas muito divertidas.

quarta-feira, 28 de março de 2012

SOBRE LEITORES

Ontem, quando ia para Saquarema de manhã, encontrei Gil, que é leitora do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela, perguntei se ela viria ao próximo encontro , ela abriu a bolsa e tirou de lá de dentro o livro A Trégua, do Primo Levi, o livro que iremos discutir. Fiquei radiante. Gil é contadora e seu contato com a literatura não foi grande. Mas agora é uma leitora e aproveita todo o tempo livre para ler.
Gil é a prova de que nós podemos nos tornar leitores a qualquer idade.Basta um estímulo, um empurrão.

Hoje, em nosso mundo , nós escritores temos muito contato com nossos leitores. Penso em Tolstói escrevendo Guerra e Paz , uma obra monumental, totalmente a mão, sem a internet para pesquisar e sem o retorno que hoje qualquer escritor tem diariamente com seus leitores. Meus leitores me deixam plena, alerta, o tempo todo motivada para escrever. Hoje recebi uma mensagem de uma leitora de 22 anos que leu um livro meu quando tinha 8 anos e agora, subitamente, precisa dele e não lembra o nome, mas lembrava de um poema e eu pude localizá-lo.Ter este depoimento é um tesouro. Saber que um poema que escrevi viveu durante tantos anos dentro desta pessoa que não conheço é impressionante.

Carregar um livro na bolsa, na mochila, é a garantia de que nenhuma espera será difícil. Hoje vou para Mauá com pernoite em Resende. Mas antes tenho que passar no Aeroporto do Galeão para carimbar a vacina de febre amarela , obrigatória para ir a Bogotá. Não sei quanto tempo ficarei esperando na Rodoviária, mas já antecipo a espera com um café com leite e o maravilhoso livro que estou lendo: "O cérebro que se transforma" de Norman Doidge, que aliás comprei na livraria da Rodoviária numa outra espera.

Não consigo ver alguém ao meu lado lendo um livro sem que eu averigue o título do livro. Fico indócil, ansiosa, uma leitora prestes a dar o bote e só acalmo quando descubro. Se é um autor que amo, sei que entre nós dois eu e o desconhecido ou a desconhecida, existe um elo invisível e isso me dá um grande prazer.

terça-feira, 27 de março de 2012

OS ANJOS

Acredito que cada ser humano é o anjo de alguém. Em muitas situações difíceis da minha vida, alguém apareceu, às vezes do nada, e como um anjo esteve ali, ao meu lado. As figuras dos anjos, entre o humano e o divino, mensageiros de estrelas, são pura poesia:

OS ANJOS

Os anjos,
criaturas de encantamento,
habitam meus pensamentos.
O que podem os anjos,
de mãos azuis,
fazer por nós,
simples humanos?

O que podem,
com seu hálito de estrelas,
o céu nos olhos,
e uma enorme compreensão
para com nossos corações fatigados?

Que um anjo durma
sempre ao meu lado
e faça com seu silêncio
o tecido dos meus sonhos.


in Caminhos da Magia , ed. DCL

segunda-feira, 26 de março de 2012

QUATRO JABUTIS

Tenho quatro jabutis. Eles guardam o jardim. Sou apaixonada por todos(a). Escrevi um belo poema sobre eles e o livro sairá pela Ed.Lê com ilustrações da Regina Rennó.
Fiz sobre eles um haicai :

Belo jabuti
caminha sobre o jardim
não deixa pegadas


Minha irmã Evelyn Kligerman, ceramista, fez 3 placas verticais de barro e uma horizontal com o poema. Faz parte da sua série "Haicais de Barro".

Também sou apaixonada por corujas. Em Mauá tenho muitas. À noite elas guardam a minha casa:

No meio da noite
a coruja canta as horas
acordes de estrelas


E para os gatos:

Nos olhos do gato
mistérios andam de barco
equilibrados no azul


Todos os haicais estão no livro Arabescos no Vento, ed. Prumo.

domingo, 25 de março de 2012

A MÚSICA DAS BALEIAS

Ontem vi um documentário na TV francesa, "Thalassa" , sobre a Oceania. Uma das partes era sobre as baleias jubartes e sua música. Um músico americano toca com as baleias. Um amplificador mergulhado no mar leva para as baleias a sua música e outro amplificador no barco traz a resposta das baleias. Ele improvisa com seu clarinete, elas respondem improvisando também. É tão emocionante, tão impressionante que meu corpo não cabia dentro de mim! Elas não saem de perto do barco, ficam radiantes com a comunicação.
Outro grupo medita junto com as baleias , um grupo composto de filósofos , astrofísicos, artistas, etc, e todos dizem que ao meditar com as baleias (elas estão em volta do barco) , recebem imagens impressionantes e também pensamentos.
Um neurocientista nos mostra um cérebro de baleia e é muito similar ao nosso. Elas estão tão próximas de nós quanto os macacos.
Como subestimamos a inteligência de todos os seres vivos que nos cercam. E quanta arrogância teríamos que engolir junto com nossa saliva. Sobretudo quanto perdemos com esta falta de comunicação entre homem-baleia-homem-elefante-homem-todos-os animais-do-planeta.

sábado, 24 de março de 2012

MAESTRO MOISÉS

A primeira vez que ouvi o coral ESCOLA QUE CANTA fiquei muito impactada. Como em tão pouco tempo um homem sozinho conseguira transformar meninas que nunca cantaram numa orquestra de vozes angelicais? Que milagre era este?
O milagre se chama Moisés, Maestro Moisés, que com sua firmeza e alegria, disciplina e alegria, trouxe à tona vozes maravilhosas, com um repertório lindíssimo e contemporâneo. Como um Moisés bíblico que soube juntar todo um povo rumo à liberdade, o Maestro Moisés, com sua batuta, juntou vidas e sonhos e transformou tudo isso em música verdadeira.
E a verdadeira escola é a que transforma seres humanos, que lhes dá a chance de criar, ousar, voar. Todos sabemos o quanto a música acalma, transforma desesperança em beleza. O Coral ESCOLA QUE CANTA sob a regência do Maestro Moisés trouxe para Saquarema um vendaval novo, e por onde passa não deixa ninguém indiferente.
Que o seu trabalho possa atingir outras escolas e que Saquarema se faça conhecida não só por suas belezas naturais , o surf, o vôlei, mas também por seus corais regidos pelo Maestro Moisés e que seus acordes mágicos se espraiem em todas as direções.

sexta-feira, 23 de março de 2012

FUI E VOLTEI

Fui ao Rio fazer exames e voltei , mas o moinho da vida não pára enquanto o ônibus vai devorando a paisagem e me deposita numa Rodoviária cheia de gente, humanos em sua colméia, gente que parte, gente que chega. Eu e Mariana, minha leitora que veio de São Paulo para passar uns dias aqui, nos sentamos num café depois que ela compra a sua passagem. Ela me entrega uma carta. Uma carta linda onde me diz o quanto estava precisando deste silêncio de Saquarema, da música do mar, desta casa tão calma. Mariana sofreu uma grande desilusão e veio se recuperar. Ela me entregou sua carta belíssima e partimos, cada uma para o seu lado.
Fui visitar minha Tia Cecília, que já não se lembra de nada com seus 92 anos , já não sai da cama, mas todo o tempo em que estive com ela, sorriu para mim. Ela sempre cuidou de mim e fui me despedir, pois ela tem uma doença terminal.
Depois dos exames fui dormir na casa de uma grande amiga da minha juventude. E o bom dos amigos verdadeiros é que sempre parece de que nos vimos ontem, embora às vezes anos tenham se passado.
Enquanto isso meu novo livro de poesia para criança encontra o seu editor. Acho que é um dos meus melhores trabalhos.
Na Rodoviária, enquanto esperava o horário de partir comprei o livro "O Cérebro que se transforma" de Norman Doidge, psiquiatra, psicanalista e pesquisador em renomados Centros de Pesquisa de Neurociência. É um tema que me alucina. Leio muito sobre o assunto.A plasticidade da nossa mente é uma descoberta muito recente e abre infinitas portas. Podemos mudar a nossa mente com simples pensamentos.

quarta-feira, 21 de março de 2012

UM PROGRAMA ESPECIAL

A TV Novo Tempo veio aqui em casa semana passada para gravar algumas cenas para um programa sobre poesia que foi ao ar ontem. Logo depois de uma discussão sobre se os anjos tiveram relações sexuais com os humanos, já que a TV é evangélica e seus programas são , imagino, quase todos sobre a Bíblia, o programa entrou no ar. estive ao lado do Ferreira Gullar ( que honra!!!) e Eucanaã Ferraz e de outros maravilhosos poetas. O programa ficou belíssimo, me surpreendeu muito, parecia que havia sido tudo combinado, uma fala de um poeta completava a do outro. E cenas da natureza exuberante de Saquarema .O programa será reprisado hoje ao meio dia. É uma bela discussão sobre o que é poesia.

Silvane, da E.M. Hermann Mïller me pede um texto para ser lido na festa que a escola fará , sábado, eu acho. Escrever para a E.M.Hermann Müller, a escola dos meus sonhos, é fácil!

E hoje vou ao Rio complementar meus exames. mas como sigo a minha cartilha de transformar qualquer coisa difícil e chata em algo prazeiroso, vou dormir na casa de uma grande amiga da minha juventude, assim colocamos alguns anos em algumas palavras, em dia.

terça-feira, 20 de março de 2012

UMA ESCOLA JUDAICA

Na Segunda Guerra a França entregou os seus judeus sob o regime colaboracionista de Vichy. A França pediu perdão. Mas ontem o passado , como uma onda gigantesca de horror, envolveu a França, pois numa escola judaica de Toulouse um homem entrou atirando no que foi interpretado como um ato neonazista e antissemita. Crianças morreram. O que preocupa e muito é a ideologia neonazista, a ideologia de extrema direita que está varrendo a Europa e que leva um homem a entrar numa escola para matar crianças judias. O ódio aos imigrantes, a falta de tolerância, o nacionalismo, estes velhos conhecidos estão de volta. Nestes últimos 60 anos a Europa conheceu seu mais longo período de paz e uma paz relativa, pois tivemos a guerra dos Balcãs. Gostaria de pensar que o horror de Toulouse foi um ato insano de um homem só. Mas depois da chacina na Noruega onde seu autor escreveu um manifesto terrível de extrema direita é difícil acreditar que não exista uma forte ideologia por trás.
O que somos nós, seres humanos? O que é isso?

segunda-feira, 19 de março de 2012

MEMÓRIA

De toda a obra do Drummond sou apaixonada pelo BOITEMPO. Leio e releio os poemas e é como se entrasse numa casa que me acolhe, pois sou apaixonada por vestígios do passado, pela memória que já existe em todas as coisas enquanto elas vão acontecendo.

CANTO DE SOMBRA

O canto de sombra e umidade no quintal.
Do muro de pedra escorre o fio d'água,
manso,no verde limoso, eternamente.
Uma gota e outra gota, no silêncio
onde só as formigas trabalham
e dorme um gato e dorme o futuro das coisas
que doerão em mim, desprevenido.
Crescem rasteiras, plantas sem pretensão
de utilidade ou beleza.
Tudo simples. Anônimo.
O sol é um ouro breve. A paz existe
na lata abandonada de conserva
e no mundo.

Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo III, ed. José Olympio.


Também os livros que lemos quando jovens guardam a memória do tempo em que os lemos.
Releio o livro "História de Pobres Amantes" de Vasco Pratolini e me encontro não só com os personagens que dormiram intactos dentro de mim por todo este tempo, digamos 30 anos, mas me reencontro com a jovem que fui, por alguns momentos sou ela outra vez.

domingo, 18 de março de 2012

FELICIDADE

Hoje Martha Medeiros escreve um artigo no O Globo sobre a felicidade. Somos um dos povos mais felizes do mundo e ela nos diz que mais valeria sermos menos felizes e reagirmos mais.
Penso que a felicidade não depende de nenhum fator externo. É uma água limpa que nasce dentro de nosso ser mais profundo. E posso estar feliz apenas por estar viva. Apenas porque este dia me pertence, este domingo, porque posso ver o céu e os pássaros, posso ler um belíssimo poema do Borges:

LA LUNA
Hay tanta soledad en ese oro.
La luna de las noches no es la luna
que vio el primer Adán. Los largos siglos
de la vigilia humana la han colmado
de antiguo llanto. Mírala. Es tu espejo.

Estou feliz embora sinta todas as dores do mundo, as mortes injustas, os assassinatos , a devastação das florestas , a violência da sociedade de consumo, apesar da minha impotência frente ao horror de todas estas questões, a felicidade por estar viva e amar me percorre, inunda meu sangue.

sábado, 17 de março de 2012

NOTÍCIAS DE UMA ESCOLA DOS SONHOS

Recebo uma carta linda da Silvane, diretora da E.M Hermann Müller, escola rural de Joinville, a escola dos sonhos de qualquer artista e educador. Ela ganhou uma extensão para que pudesse continuar até a nona série. Era uma escola pertinho da Hermann Müller, mas bastante abandonada e com poucos alunos. Silvane e a comunidade estão em pleno trabalho de transformação e hoje é o grande dia!

"Linda Roseana!
Amanhã será o primeiro Sábado Feliz na Hermann Müller-Extensão!

Pais, alunos, professores, amigos da escola e voluntários da Embraco
estarão se encontrando para fazer acontecer o sonho de uma escola
melhor!

E os preparativos já me encantam...durante todo o dia, chegaram vasos,
terra, materiais de construção; grama e os mais lindos
hemerocállis-doação do Sr Dário que trouxe tudo pessoalmete de
caminhão (conversamos muito e nos emocionamos lembrando do encontro
que tivemos contigo em novembro!).
Amanhã passamos o dia todo por lá, no almoço, Célia, nossa merendeira
querida, fará um delicioso aipim com frango!
A escola está ficando incrivelmente linda, colorida..."com outros ares"...
Os pais das crianças da Hermann-séries iniciais. também se farão
presentes...estarão preparando a escola onde seus filhos irão estudar
daqui há três,quatro anos...
Abriremos a manhã com um alongamento...todos juntos e então declamo "A
Escola" de Paulo Freire, que te envio em anexo...pois assim estaremos
conectadas pela mesma emoção, pois sei que quando se fala ESCOLA,
somos nutridas do mesmo sentimento.
Beijos com muita saudade!"

Silvane e toda comunidade escolar.

sexta-feira, 16 de março de 2012

GRANADA - RESENDE

Meu filho Guga Murray, músico, vive desde 2004 em Granada, na Espanha. Agora a situação na Europa está bastante difícil e Guga volta para o Brasil com a família. Vai abrir uma Escola de Música em Resende, no casarão onde funciona a Escola de Culinária Babel, do meu filho André Murray e Dani Keiko. Patrícia , minha nora, vai montar espetáculos em espanhol com alunos de espanhol, ela sempre fez teatro, é atriz e poeta.Então, no casarão haverá gastronomia, música e teatro.Quando compramos o casarão de 400m, a minha primeira idéia era esta, uma mistura de várias artes no mesmo espaço. A casa é lindíssima, e por incrível que pareça, tem um pátio andaluz na sala!!!Como se um pedaço de Granada tivesse sido transplantado .Com fonte e tudo! Resende se tornou uma cidade bem interessante, é meio rural, todos se conhecem, tem um ar de antigamente...E tem uma vista imperdível das montanhas, das Agulhas Negras e está muito perto de Mauá, agora que a estrada está asfaltada.
Ter o meu neto tão perto me enche de uma alegria selvagem, é quase um grito. Agora ele , com seus dois anos e meio ande ocupadíssimo, é o que ele me diz pelo skype, quando o Guga pergunta:
- Luis, quer falar com a vovó?
- Não, estou ocupadísimo!!!
_

quinta-feira, 15 de março de 2012

HUMANOS

Leio que na China foram encontrados fósseis de um outro tipo de humano. Mais um. Eles viveram há 11.500 anos atrás. Logo, podem ter convivido com a nossa raça. Como os neanderthais. Por que todos eles desapareceram, todas as outras espécies? O que aconteceu? E só nós ficamos para contar a história... Seriam eles muito menos violentos e predadores e portanto foram exterminados ? Estaríamos frente a uma espécie mais gentil, mais delicada? Como seria a mente dos "outros" humanos?

quarta-feira, 14 de março de 2012

MARIANA

Mariana é minha leitora. Ela veio ao Clube de Leitura ano passado , foi o presente que ela pediu aos pais: me conhecer. Agora voltou para passar uma semana. Ela tem 23 anos e é dançarina. É minha leitora desde os 7 anos e é apaixonada por todos os meus livros. Sei pouquíssimo dela. É alegre, solidária, disponível, silenciosa. Eu perguntei: _ Mariana, qual a graça de estar numa casa tão silenciosa, onde nada acontece, apenas o mar, o jardim, as gatas e duas pessoas escrevendo e lendo o tempo todo? Ela respondeu: _ Eu gosto!

Hoje cedinho na varanda, no meu café da manhã, mergulhei profundamente nas plantas. É uma experiência maravilhosa. Sinto meu corpo se desmanchando. Na frente da mesa grande da varanda havia um muro bem problemático, não sabíamos o que fazer com ele. Nenhuma trepadeira dava certo. Então eu tive uma das minhas melhores idéias: Pintamos o muro de cerâmica, quase cor de terra e fizemos um jardim andaluz. Cobrimos o muro de vasinhos e há uma alegria que jorra do muro. Abaixo uma pequena horta de temperos.

Uma gaivota acaba de cruzar a minha janela com seu magnífico voo.

terça-feira, 13 de março de 2012

CHUVA

Ontem choveu em Saquarema, depois de quase 40 dias sem chuva. Foi uma grande emoção.
Viemos morar em Saquarema por acaso, já que as melhores coisas acontecem por acaso. Desde 2002 vivemos aqui, quase dentro do mar e nossa vida adquiriu o movimento das águas. Em Saquarema tenho a chave do tempo, às vezes paro tudo e desembarco do mundo, ouço apenas o barulho do mar, o relógio da sala, o sangue que corre junto com a poesia em minhas veias.

CORPO-MAR

Todos os rios, fios de água,
pingos, chuvarada, poços,
mananciais, nascentes,
cachoeiras, deságuam
em meu corpo miúdo,
meu corpo-mar.
Eu, tão terrestre e,
no entanto, navegante
das ondas mais altas.
Do cimo das espumas
grito palavras
embrulhadas em água:
palavras úmidas,
abafadas, quase um eco.


in Poemas para Ler na Escola, ed. Objetiva

segunda-feira, 12 de março de 2012

MARIA-FUMAÇA CHEIA DE GRAÇA

Recebi a terceira edição do pequeno livro Maria-Fumaça da ed. Larousse. As ilustrações do Demóstenes com recortes de pano são maravilhosas e escrevi o poema a pedido dele. Foi uma encomenda. Como sou apaixonada por trens simplesmente fechei os olhos e mergulhei.

" Gente do passado e gente do futuro,
venham todos que o trem vai partir
correndo, bem devagar, e logo, logo
a gente vai chegar na lua lilás
de todos os sonhos, onde moram
dançarinas e palhaços,
onde só se chega de trem...
onde só se chega de Maria-Fumaça."


in Maria-Fumaça Cheia de Graça, ed. Larousse Júnior

Terminei de reler A TRÉGUA do Primo Levi para o próximo encontro do nosso Clube de Leitura dia 26 de maio e foram muitas viagens de trem ,terríveis e loucas. O livro é imperdível. A gente chora e ri e se assombra a cada página do trem.

domingo, 11 de março de 2012

GRAVAÇÃO E BOGOTÁ

Hoje veio uma jornalista fazer uma entrevista para a TV Novo Tempo. O tema era poesia. Por uma feliz coincidência, Mariana, minha leitora de São Paulo estava aqui. É a segunda vez que vem me visitar e participou do programa, deu um depoimento belíssimo. Juan, meu marido , contou o nosso encontro e de como se apaixonou pela minha poesia antes de se apaixonar por mim.

A F.N.L.I.J me convidou para a Feira de Livro de Bogotá e aceitei. Juan me diz que se tudo der certo e eu for mesmo, não posso deixar de conhecer Cartagena.

Hoje faz frio, o dia está como gosto neste final de tarde. Há uma certa melancolia no ar.

sexta-feira, 9 de março de 2012

CEDO DE MANHÃ

Assim se chamava uma música do belíssimo disco Mantiqueira do Nelson Ayres. Naquele tempo, começo dos 80, era disco mesmo. Sair para caminhar em Saquarema bem cedinho, às 6hs da manhã é uma dádiva. E me traz ao corpo a música do maravilhoso maestro.
Vimos a lagoa cheia de garças. Vimos um ancoradouro cheio de patos. Vimos as ruas lindas e limpas, arborizadas, completamente vazias. O céu explodia em azul, a temperatura era amena.
Saquarema, onde o olhar pousa, é pura beleza.
As pessoas me dizem que a minha poesia é bela. Vivendo num lugar assim, sinceramente, acho que é o mínimo que posso fazer para retribuir!

quinta-feira, 8 de março de 2012

DIA DA MULHER

Todos os dias são dias da mulher , o mundo seria outro se apenas de homens. Sempre achei que as mulheres deveriam decidir as grandes questões, como a paz no Oriente Médio, por exemplo.Como a preservação da água e das florestas, a distribuição da riqueza no mundo. Que mãe gostaria de perder seu filho numa guerra insana? Mas são os homens que discutem as guerras , excitados como se matar fosse um jogo. Se apenas as mães conversassem para resolver os graves problemas do mundo, achariam uma solução. Ser mãe não é apenas ter um filho. É ter o sentimento de ser mãe do universo.
Que nós mulheres possamos sempre exercer o ofício da paixão em cada pequeno gesto. E que saibamos sempre reconhecer o outro em nosso rosto.

O OFÍCIO DA PAIXÂO

Exercer a cada dia
o ofício da paixão :
um vento estranho
varre a tarde
bate as portas
abre caminho nas pedras

a cada dia o ofício
humano da paixão
como quem buscasse
com os olhos
o sentido das horas

entre a luz e a sombra
um frágil universo se equilibra
com suas tortuosas montanhas

in Pássaros do Absurdo

quarta-feira, 7 de março de 2012

FRALDAS DE PANO

Hoje Maria Clara passou bem cedinho por aqui para me deixar um exemplar do jornal POIESIS (www.jornalpoiesis.com.br).
Li uma entrevista com uma jovem mãe que me impactou muito.Assim como existe um movimento de slow food na cozinha e em tantas áreas se rema contra a corrente, Roberta Calábria nos oferece uma belíssima visão da maternidade. É antiga e é nova, antiga porque prega a volta das fraldas de pano e nova pois esta é a atitude correta frente ao lixo terrível que as fraldas descartáveis fabricam. Ela nos explica que as fraldas de pano evoluiram e são super corretas ecologicamente, já que oferecem a possibilidade de descartamos as fezes do bebê dentro do vaso sanitário, por exemplo, ao invés de irem para o lixo e o toque do pano de algodão com a pele do bebê não é o mesmo que o toque do material plastificado. Mas ela nos fala sabiamente de muitas e muitas coisas e vale a pena ler a belíssima entrevista. Basta acessar o jornal. Transcrevo a apresentação:

" Parto natural, amamentação, fraldas de pano. Cada vez mais mulheres optam por irem contra a corrente do consumismo e da rapidez em tudo e adotam iniciativas que as aproximem verdadeiramente do contexto natural e da sustentabilidade. Assim, ser mãe passa a ser uma atitude consciente, que envolve família, meio ambiente e economia de maneira harmoniosa. A valorização dos laços afetivos ganha nova dimensão.Neste mês em que se comemora o dia internacional da mulher, o Jornal Poésis foi ouvir a jovem Roberta Calábria, mãe, esposa e pequena empresária, que com seu "empreendedorismo materno" faz-nos refletir sobre os rumos que estamos dando às nossas vidas. Segundo ela, "a participação ativa das mulheres na sociedade trará resultados cada vez melhores, transformando o mundo em um lugar mais tranquilo, amoroso e pacífico, assim que estas mesma mulheres encontrem condições satisfatórias para criarem com essa mesma tranquilidade, amor e paz os seus próprios filhos".

MULHER

Voluptuosamente
metade maçã
metade serpente
com teus passos
inventas o mundo

às vezes brincas
de pássaro
ou
andarilha de sombras
com teus olhos evocas
cordilheiras abissais
e é no teu âmago
que a noite se forma

dentro de ti
o novelo da vida

Roseana Murray in Pássaros do Absurdo

terça-feira, 6 de março de 2012

AS COISAS

As nossas coisas estão encharcadas de afeto. Às vezes perambulam pela casa. Às vezes aparecem e desaparecem. Objetos que nos acompanham desde sempre. Tenho uma mulher de cristal que é um licoreiro que estava na sala da minha casa da infância. Com ela fiz um conto para o livro Vento Distante, ed. Escrita Fina. Tenho uma corujinha de bronze que ganhei quando tinha 20 anos. Elas me acompanharam por todas as casas. E a louça, alguns pratos lascados que não conseguimos jogar fora. A xícara que toma a forma das nossas mãos. Nossas coisas, às vezes, nos ajudam a viver, pois guardam lembranças e amores, nos aconchegam.

As coisas têm peso,
massa, volume, tama
nho, tempo, forma, cor,
posição, textura, dura
ção, densidade, chei
ro, valor, consistência,
profundidade, contor
no, temperatura, fun
ção, aparência, preço,
destino, idade, sentido.
As coisas não têm paz.


ARNALDO ANTUNES, in As Coisas e Como é que chama o nome disso, Publifolha

segunda-feira, 5 de março de 2012

FALTA DE CHUVA E ÚLTIMAS LEITURAS

Não chove em Saquarema. Desde muito antes do carnaval não cai uma gota de água. O jardim é enorme e o jardineiro, Samuel, vem apenas duas vezes por semana. Então molho dia sim dia não e ficar de pé tanto tempo me deixa com dor na coluna. Mas enquanto molho me desmancho , escuto o agradecimento das plantas, quase choramos juntas pela falta de chuva. Elas agradecem a pouca água que posso dar , eu ouço suas vozes mudas, é como um estremecimento sutil. E toda a dor da coluna vale a pena.Leio que teremos no mínimo mais 10 dias de sol sem chuva.Sofro, uma parte da minha alma é eslava e anseio por dias de bruma.

Terminei de ler Danúbio, do Cláudio Magris, um dos grandes livros que já li. E O Dia
de um Escrutinador, do Calvino, simplesmente maravilhoso. Uma Casa para o Sr.Biswas, do Prêmio Nobel S.Naipaul, um romance triste e divertidíssimo ao mesmo tempo, que se passa em Trinidad numa parcela da população indiana. É tocante, se chora e se ri ao mesmo tempo. A Rosa Candida, da autora islandesa Audur Ava Ólafsdóttir, romance delicadíssimo que ganhou um montão de prêmios na Europa e talvez chegue ao Brasil. Hoje começo a ler uma saga basca: Hijos del Árbol Milenario, de Maria Jesus Orbegozo.
Adoro sagas imensas, histórias intermináveis de grandes famílias. Uma vez li um livro, quando era muito jovem, que se chamava Histórias de Pobres Amantes, de um autor italiano cujo norme perdi. A história gira em torno de uma velha senhora que gosta de meninas e se passa durante o fascismo. Os personagens são magníficos e o livro nunca saiu da minha cabeça, mas sem o autor eu não o encontro. Se alguém tiver lido este livro e souber o nome do autor, por favor , me avise!

domingo, 4 de março de 2012

JOSÉ E PILAR

Ontem vi o filme José e Pilar que me chegou pelas mãos da Angela, leitora do blog e leitora do nosso Clube de Leitura.
O filme é impactante em todos os sentidos. Eu e Juan convivemos com Saramago e Pilar em 1997 por uma semana em Lanzarote para o livro do Juan O Amor Possível, ed. Manati. Foi antes do Nobel e o ritmo de vida deles não era tão frenético.Estivemos juntos em muitas ocasiões e sempre Pilar se queixava de cansaço, da vida extenuante que levavam.
Saramago e Pilar , no filme, nos abrem a porta da A CASA, da Biblioteca, da sua intimidade, do seu grande amor e da sua vida errante e louca. Para que tantas viagens, eu me pergunto. Para que tantas Feiras Literárias, já com a saúde abalada? Nós o vemos tão fraco, tão debilitado, para lá e para cá, de avião em avião, na Islândia, México, São Paulo, Rio, autografando pilhas de 500 livros, tão doente já. Mas parece que é mesmo o que ele queria. E também abraçar todas as causas do mundo, lutar para a mudança da mente humana, violenta e predadora. Eu penso que a literatura , o que escrevia, já fazia o trabalho por ele. Mas algo os impelia a ir sempre por aí, andando sem parar, com uma sacola de idéias a tiracolo e muito cansaço.Eles eram tão apaixonados um pelo outro que a gente termina o filme quase aos prantos. E faz pouco Pilar nos escreveu, destroçada com a ausência do seu grande amor.
Mas eu o vejo no filme, escuto a sua voz tão nossa conhecida, ouço as coisas maravilhosas que muitas vezes nos diz e penso que realmente a morte não existe.

sábado, 3 de março de 2012

NA PORTA DA GELADEIRA

Na porta da geladeira tenho um poema lindíssimo:

haja
hoje
para
tanto
hontem


Paulo Leminsky

Tenho uns versos da Patrícia , minha nora, num belo azulejo fabricado por Alícia:

Y sobre todo
amar
para que
nos crezcan
alas


Patrícia de Arias

os versos fazem parte de um poema, mas o poema inteiro não cabia no azulejo.

Tenho uma foto enorme do meu neto Luis. Ele está sempre me olhando , não importa onde estou.

Tenho uma foto do meu grande amigo Latuf, que se mudou definitivamente para Pasárgada com suas túnicas loucas, com todas as linguas que falava, com seu charme irresistível, com sua poesia.

Tenho uma série de azulejos da Alícia, lindos e figurativos, com cenas de Lanzarotte e outra série de azulejos oriundos de uma pesquisa que fez junto aos antigos habitantes, parecem figuras e símbolos pré-históricos, todos em tons de terra.

Tenho um desenho da caverna de Altamira , belíssimo, parece um bisonte.

E dentro da geladeira algumas geléias fabricadas pelo Babel Restaurante, do meu filho André: de tomate e de maçã com pimenta. Queijo branco e frutas. Frutos secos, chocolate amargo para o Juan.

Para mim comida e poesia se misturam sempre.

sexta-feira, 2 de março de 2012

ASAS

Um belo poema do Quintana me ajuda, hoje, a voar, eu, pobre humana que não tenho asas, tenho apenas a poesia:

EVOLUÇÃO

Todas as noites o sono nos atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz...
Até que, um dia, criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda em terra.

Mário Quintana
in Esconderijos do tempo, ed. LPM

quinta-feira, 1 de março de 2012

HAIKAIS

Dani Keiko, minha nora, me encomendou um haikai com alguma referência a comida para imprimir num jogo americano de papel. Os jantares da Escola de Culinária lá de Resende estão cada vez mais concorridos e ela quer eliminar as toalhas de tecido. Fiz o haikai :

um jardim na mesa
arco-íris para os olhos
salada de flores


Quem quiser usar a idéia da Dani eu ofereço o meu haikai, basta colocar meu nome.

Já que estamos falando de haikais, esta deliciosa forma de poesia, retiro do livro Conversa de Passarinhos de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende:

silêncio na mata
um grito corta a tarde
quero quero


Alice Ruiz


tudo é silêncio
acordei tarde demais
para ouvir sabiás


Maria Valéria

Acordar cedo é uma dádiva. Aqui em Saquarema cedinho de manhã passam bandos de patos selvagens e as gaivotas gritam sobre o mar.E faço um haikai agora mesmo, neste instante:

a banda de patos
da lagoa para o mar
enche o ar de música