domingo, 31 de outubro de 2010

GAIOLA

Troco um passarinho na gaiola
por um gavião em pleno ar.
Troco um passarinho na gaiola
por uma gaivota sobre o mar.
troco um passarinho na gaiola
por uma andorinha em pleno voo.
Troco um passarinho na gaiola
por uma gaiola aberta, vazia...
in Classificados Poéticos, ed. Moderna

Una jaula fue en busca de un pájaro.
Franz Kafka, in Cuadernos en Octavo, Biblioteca Kafka, Alianza Editorial.

Recebo em casa um exemplar do meu livro Classificados Poéticos em sua reedição pela editora Moderna, com belíssimas ilustrações de Mari Ines Piekas.
Estava relendo o livro Cuadernos en Octavo do Kafka, que é uma espécie de caderno de anotações, aforismos, contos mínimos, quando me deparei com a anotação acima e achei muito intrigante. Ela se entrelaça com o meu poema.
Quem seriam os pássaros ? Seriam os pensadores, poetas, filósofos, os que contrariam o poder, pois os pensamentos possuem asas? E a gaiola que vai atrás de um pássaro?

sábado, 30 de outubro de 2010

NO SÍTIO DO PICA PAU AMARELO

Nasci em 1950 numa casa triste. Meus pais eram judeus imigrantes e emboram tenham chegado ao Brasil bem antes da Segunda Guerra, era tudo muito recente e na minha casa se respirava um ar rarefeito. Fui uma criança solitária. Mas havia um lugar mágico onde eu respirava e era feliz: o Sítio do Pica Pau Amarelo. Na verdade era no sítio que eu morava. Eu não tinha os livros, mas todos os dias ia até a casa da minha amiga Sheila para ler. Lia todos e recomeçava. Claro, tinha meus preferidos: Narizinho e Viagem ao Céu. Também era apaixonada pelos Doze Trabalhos de Hércules.
Agora o Conselho do MEC quer proibir que as escolas recebam o livro Caçadas de Pedrinho, por conter expressões racistas contra Tia Nastácia. Ao invés de privar as crianças de uma obra-prima, não seria melhor explicar que eram os ares da época? Sou contra a censura e o patrulhamento ideológico. Sou a favor da liberdade, das discussões, do pensamento. Sou judia e sei o que é preconceito. Mas não sou a favor de que se proíba nenhuma obra por anti-semita. Que tal aproveitar a ocasião para se discutir a situação do negro na época em que o livro foi escrito? Tenho pavor dos censores.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

FINAL FELIZ

Quem não gosta de um final feliz? Acho que até o mais empedernido pessimista.
A história verdadeira das irmãs russas, Vlada e Senia , adotadas por nossos sobrinhos Guillermo e Enka, depois de três anos de tortura teve um final muito feliz, com um restinho de crueldade nos últimos dias, claro. Guillermo e Enka chegaram na cidadezinha no meio do nada com vinte graus abaixo de zero para buscar as meninas no orfanato numa quinta-feira. Elas são entregues sem nenhuma roupa, nem calcinha. Já estava tudo combinado, elas seriam entregues junto com os passaportes e eles embarcariam para Moscou na sexta-feira e para a Espanha no sábado. Mas os funcionários não resistiram e entregaram as meninas sem passaporte. Acontece que eles levaram roupas para dois dias e tiveram que ficar num hotel quatro dias, dentro de um quarto, sem poder sair, por causa do frio. Retiraram a intérprete. As irmãs, que estavam em orfanatos separados , uma com cinco anos e a outra com três, nunca conviveram e estavam enlouquecidas de ciúmes uma da outra. Não podiam comprar roupas para elas, pois no vilarejo não há lojas! Mas, felizmente entregaram os passaportes na segunda-feira, puderam ir para Moscou e na terça para a Espanha.
Ontem telefonamos e a alegria deles era do tamanho do mundo. As meninas estão radiantes com tudo, já brincavam com os primos, cada um falando a sua lingua. As duas já se entendem sem nenhum problema, a maior já protege e cuida da menor.

Maria Neuza, minha leitora , criou um blog maravilhoso, não deixem de visitar, o link está aqui mesmo, mulher de asas.

Ontem vi um documentário fantástico na TV5 sobre os casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes. O choque cultural, a adaptação e às vezes até a ruptura embora o casal se ame. Todos foram unânimes: para que o casamento funcione cada um tem que mergulhar na cultura do outro. Quando eu e Juan começamos a namorar entrei num curso de espanhol e li Don Quijote no original. Hoje sou apaixonada pela Espanha, e Juan é quase mais brasileiro que espanhol. Eu adoro comida espanhola e ele adora feijão com arroz. A comida é um fator importantíssimo, pois comida é raíz, é casa de mãe, é infância.

Quem quiser visitar a escola para onde vou em Joinville é fácil: http://escolahermanmuller.blogspot.com/ O trabalho deles com hortas e jardins é maravilhoso.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

BALEIA

A baleia encalhada em Búzios morreu e é tão triste a morte de uma baleia.

o que pode ser mais triste -
um tigre de circo, alguém
perdido?
uma promessa quebrada
como um brinquedo, um segredo
contado, terremoto, lar
desfeito, desejo (medo)
desperdiçado?
defeito, braço direito
amputado, fósforo
molhado?
O que pode ser mais triste?
vaca, chuva, trapo?
criança calada, escravo?
poça, lago, vidro (amor
não correspondido)
embaçado?
palavra errada, guerra, marte?
pêndulo? empate?
feiúra, cegueira,
fim de festa, falta
de vontade?
(uma coisa triste de)
verdade?

Arnaldo Antunes

(Como É Que Chama O Nome Disso- Antologia- Publifolha)

Faltou dizer baleia encalhada.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

JARDINS NA FRANÇA

Acabo de saber que meu livro Jardins, ed. Manati, será publicado na França. É uma grande felicidade.

Acabo de saber que a publicação ainda não é uma realidade, hélas! como dizem os franceses. O livro está entrando num catálogo e poderá ser publicado. Eu havia entendido mal.

Ontem fui visitada por um grupo de estudantes da Universidade Veiga de Almeida, Faculdade de Pedagogia, Campus Cabo Frio. Carol, Vanda, Rosana, Severino, Geane e Vanesa fizeram toda a viagem só para me entrevistar para um trabalho. Merecem nota 1000. Eram super simpáticos, as perguntas muito interessantes e ainda por cima me trouxeram uma linda orquídea.

Entre no jardim secreto,
é lá que vive o eterno luar,
as assombradas caravelas,
as flores imperfeitas do amor.

*******************************

Flores passeiam
no azul do dia,
fabricam coloridos
silêncios,
como se fossem lenços
de seda e ar

in Jardins, ed. Manati

O livro Jardins ficou por alguns anos na gaveta , até que numa viagem com o Roger Mello para Cataguases, falando sobre flores eu comentei sobre os poemas. O Roger se interessou e apresentou o texto para a Bia Hetzel. A Bia se apaixonou e o Roger Mello fez as flores mais lindas que já vi . O livro ganhou o Prêmio da Academia Brasileira de Letras e me trouxe tanta felicidade que não caberia numa lista interminável. O livro me deu a Bia! e eu amo a Bia. O livro me deu a Silvia! e eu amo a Silvia, minhas editoras da Manati. Mas quando nos encontramos falamos mais de gatos do que de livros. Ano passado estivemos juntas em Parati e ter as duas ao meu lado foi melhor do que tudo. Durante a minha radioterapia almoçamos juntas algumas vezes e estar ao lado delas é um privilégio. Agora vou para Joinville com o livro Jardins como tema da viagem.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

ARANHAS ANTIGAS

Leio o livro A Mente na Caverna de David Lewis William sobre a arte no Paleolítico Superior e hoje, no café da manhã aranhas de 50 milhões de anos, totalmente preservadas em âmbar, pousam na minha mesa. A matéria está no jornal O Globo.Vários insetos além de aranhas foram encontrados na Índia e podem ser vistos em todos os detalhes. Estou literalmente na pré-história e no começo do mundo.

Leio Borges:

Mirar el rio hecho de tiempo y agua
y recordar que el tiempo es otro río,
saber que nos perdemos como el río
y que los rostros pasan como el água.
......................................................................
Jorge Luis Borges in Arte Poética
(Antología Poética; Alianza editorial)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

PORTA A PORTA

Em 1997 publiquei com Suzana Vargas um livro de correspondências, idéia da Suzana. Ela inventou sua personagem, Bárbara, eu inventei a minha: Clara. Bárbara morava na cidade e Clara na montanha. O livro é super interessante e fez o maior sucesso entre os adolescentes. Sempre nos pediram para continuar, mas sei lá, nunca me deu vontade. Até ontem. Recebi um telefonema de Amélia Lacombe pedindo autorização para usar uma das cartas num programa na TV Escola. Então fiquei com vontade de retomar o livro em forma de e-mails. A Clara , minha personagem viveria fora do Brasil, a história se passaria alguns anos depois, ela já estaria na Universidade. A Suzana Vargas, com a sua Bárbara, topou.
Vou falar com a editora. Torçam por mim!

Falando em Universidade , vocês leram que o Irã vai retirar vários cursos das Universidades? São incompatíveis com o islamismo. E o Brasil tenta misturar política e religião. É assustador.

Vi um programa na TV alemã sobre um intercâmbio de cartunistas de Berlim e Tel Aviv. É maravilhoso ver a nova geração alemã discutindo o Holocausto sem preconceito nem medo e os israelenses também, muitos oriundos de famílias expulsas da Alemanha. Agora falta encontrar uma saída para o povo palestino. Uma pátria palestina que possa conviver lado a lado com Israel. Os artistas e as mães dos dois lados deveriam negociar a paz. Os políticos fracassaram.

domingo, 24 de outubro de 2010

INUTENSÍLIO

Lá em Curitiba, num bate-papo com Marina Colasanti e Gloria Kirinus, citei Manoel de Barros: O poema é antes de tudo um inutensílio. Marina discordou e disse que a poesia sempre tem uma função. Eu acho que a poesia vem primeiro e a função, se houver, vem depois. Como se você encontrasse uma pedra negra e bela, rara, e a usasse como ferramenta. Ela não tinha a função-ferramenta. Ela era apenas uma pedra. Mas deixo a discussão com vocês. Não mudei a minha opinião, para mim o poema continua sendo um inutensílio:

IX

O poema é antes de tudo um inutensílio.

Hora de iniciar algum
convém se vestir roupa de trapo.

Há quem se jogue debaixo de carro
nos primeiros instantes.

Faz bem uma janela aberta
Uma veia aberta.

Pra mim é uma coisa que serve de nada o poema
Enquanto vida houver

Ninguém é pai de um poema sem morrer.

MANOEL DE BARROS
in Arranjos para Assobio, ed. Civilização Brasileira

sábado, 23 de outubro de 2010

CAVALOS

Recebo no meu correio pessoal uma mensagem estranha vinda diretamente do meu site: propaganda de comida para cavalos. Será que o autor ou autora da mensagem achou que eu crio cavalos? Ou leu algumas obras de minha autoria onde aparecem cavalos? Amo os cavalos por sua beleza. Cavalos me emocionam. Mas nunca consegui montar. Tenho medo da altura, meu coração quase explode. Tentei no final dos anos 80 aprender e o desastre foi completo. Logo no começo da minha "aprendizagem", me levaram para fazer uma trilha na montanha e tinhamos que atravessar um rio pedregoso. Meu cavalo sabia que levava uma pessoa frágil e aterrorizada e simplesmente se deitou de lado comigo em cima. Tive a sorte de me jogar para longe dele. Fiquei um pouco machucada mas teria sido muito pior o seu peso por cima de mim. Voltei caminhando, molhada, humilhada. Desde então namoro os cavalos de longe e volta e meia eles entram galopando nos meus poemas.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PRATA NA LUA

Hoje leio que descobriram prata na lua. Mas para mim a lua sempre foi de prata!!! Basta ver o rastro de prata que sua luz deixa no mar. As moedas de prata que sua luz derrama nas estradinhas que serpenteiam montanha acima e como transforma em prata as pedras dos rios.

SINOS DE PRATA
A lua que entra pela janela
não me desvenda os mistérios
do amor.

A lua que entra pela janela
insinua segredos e sussurros
e derrama sinos de prata
em minhas noturnas estradas.

in Poemas de Céu, ed. Paulinas

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

DEMOCRACIA

A democracia é um regime imperfeito, mas é o único que conhecemos onde homens e idéias podem trafegar com relativa liberdade. O que se viu ontem, um candidato sendo agredido pelos opositores como se a eleição fosse um partido de futebol, é revoltante. Democracia é livre expressão e também alternância de poder. Ninguém pode impedir que o adversário se manifeste ou não estaremos vivendo num regime democrático. Um perde e outro ganha. A Venezuela não é espelho. Há uma onda de populismo barato varrendo a América Latina e quando palavras são substituídas por atos de agressão física é hora de ficarmos preocupados.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ESPERANDO CONDUÇÃO

O transporte público em Saquarema é uma vergonha. Você pode esperar até quarenta minutos o seu ônibus chegar. O jeito é : 1- levar um livro na bolsa; 2- olhar a vista; 3 -escutar as conversas; 4- fazer meditação zen.
Hoje eu estava na frente da lagoa , então coloquei toda a atenção na água e nos pequenos barcos. O movimento dos barcos é uma dança e acalma. Mas também ouvia as conversas e os suspiros pela condução que não chegava. Uma mulher disse para a outra: - Na outra encarnação quero nascer galo. Não explicou o motivo, mas é fácil de deduzir. Os galos cantam, passeiam e ganham comida de graça. Não vão para a panela, pois sua carne é dura. São lindos e mandam no galinheiro.
Se não fosse gente o que você gostaria de ser?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O TEMPO

Hoje sopra um sudoeste terrível. O mar está escuro, pesado. Adoro este tempo que faz com que eu, gaivota, mergulhe em minhas profundezas abissais.
O tempo para mim é feito de uma matéria estranha, turva, e não consigo medi-lo pelos relógios. Quanto tempo se passou desde que eu estava dentro da caverna de Altamira, na Espanha e vi as mãos impressas na parede , mãos de 10.000 anos? Já não sei mais. Foi ontem? Foi este ano? Quando foi, embora eu tenha o registro da data exata? Não sei. E aquelas mãos que um dia estiveram vivas? Estão vivas? Um dia, com uma pequena maleta, me mudei para a Espanha, para viver com o homem que eu amava. Foi ontem? Parece ontem e ao mesmo tempo acho que nascemos juntos, que existimos juntos desde sempre. O tempo é imóvel, nós o divimos, fracionamos porque não conseguimos lidar com sua imobilidade. Nós é que passamos como sombras.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

EMOÇÃO

Ontem foi um dia de vastas emoções. O café da manhã que preparamos (Evelyn , eu e Vanda preparamos , como se diz em Minas, as "quitandas") para reunir os amigos do nosso amado Latuf foi mágico. Não choveu. Latuf soprou as nuvens e pudemos fazer o encontro na varanda. Seus amigos mais queridos estavam presentes. Rafael leu um ensaio lindíssimo sobre sua poesia. Dulce leu um texto inédito de 2008. Telma preparou uma bandeira com sua frase-despedida que se encontra no vídeo que os alunos filmaram. Nelsinho , super tímido, falou. Maria Clara cantou. Camilo e Pepito leram belos poemas. Cláudia, sua mais-do-que-amiga-irmã contou o sonho que teve na véspera com ele. Juan leu em espanhol a Carta aos Coríntios de São Paulo, que o Latuf amava e falou das coincidências que os uniam. Hélio contou que foi Latuf quem batizou a sua maravilhosa propriedade aqui em Saquarema. Francisco falou dos irmãos que a gente escolhe e de como Latuf era seu irmão. Eu li uma carta maravilhosa que me enviou Joel que mora em Belém. Todos receberam uma taça, entregue por Manuela e no final erguemos as taças cheias de pro-seco (que ele amava) e gritamos seu nome para que seu nome inundasse o universo.

sábado, 16 de outubro de 2010

USINA NUCLEAR E FÉRIAS EM PAQUETÁ

Leio, vejo na televisão, na internet, que Venezuela e Rússia assinam um acordo para a construção de uma usina nuclear na Venezuela. Chernobyl não é um bom ítem no currículo da Rússia. Venezuela e Irã são cúmplices. Parece que uma usina nuclear comandada por Hugo Chávez não torna o nosso planeta mais seguro.

Tenho medo dos que exibem a sua fé como carteirinha de clube. A fé é algo íntimo, muito particular e fico constrangida quando é apregoada como verdura na feira. Há um grande retrocesso no país quando um falso debate religioso toma conta da agenda dos candidatos. Sinceramente, há um limite para tudo. Há que discutir liberdade, democracia, austeridade quanto ao dinheiro público, segurança, etc. Público não é privado. E Deus não é uma questão pública. Nos países onde política e religião se misturam, mulheres são apedrejadas, homossexuais são assassinados.

Hoje chega Evelyn, minha irmã. Seu Mural Coletivo (um mural de cerâmica fabricado pelos participantes) começa a caminhar. Fará um mural com os alunos da Escola Parque e também para uma escola em Paquetá. Na minha infância a Ilha de Paquetá era o paraíso perdido. Bem pequena, durante dois verões, meus pais alugaram uma casa para as férias. E então eu descobri que a felicidade pode ser tão grande que precisaríamos de um outro sentido para abarcá-la.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

DIA DO PROFESSOR E DIA SEGUINTE



Hoje é Dia do Professor. Alguns professores inesquecíveis:

Uma professora de hebraico cujo nome não lembro. Eu tinha 10 anos e depois de estudar os 3 primeiros anos na Escola Municipal Francisco Manuel, no Grajaú, R.J, meus pais me colocaram numa escola judaica. Ela fez com que eu recuperasse os anos perdidos e alcançasse a turma. Seu carinho por mim era inesgotável. Era gordinha e tinha cheiro de biscoito doce.
A professora Rosa Herman que me acompanhou em todo o "ginasial" e me apresentou ao poeta Vinicius de Morais .Ela me incentivava a escrever. Eu a amava. As duas já partiram. Mas vivem em algum lugar dentro de mim.
Um professor de história no Instituto Lafayette que me levou até os poetas gregos e fez com que eu descobrisse Safo. Lembro de cada gesto seu, mas não lembro do seu nome. Era professor de História Antiga.
Mitzi, professora de francês, também do Lafayette, quando eu fazia o "Clássico" , que ao entrar na sala no primeiro dia de aula sem falar uma palavra de português, fez com que eu me matriculasse na Aliança Francesa no dia seguinte! Mitzi era engraçada, espontânea e em todas as aulas nos fazia sonhar com Paris. Para cada um tinha uma palavra mágica. Ela me marcou muito.
Revejo estes professores como se estivessem na minha frente, com seus gestos e trejeitos. E mais de 45 anos já se passaram!

A PROFESSORA
Com sua lanterna de abrir o céu,
de iluminar as profundezas do mar,
a professora soletra nosso pequeno
coração.

E todos os dias,
diante de nossos olhos
assombrados,
ela costura o passado e o futuro,
desembrulha
os segredos do universo.

in Artes e Ofícios, ed. FTD


Imaginar o dia seguinte dos mineiros chilenos é um exercício complicado: voltar para a família depois de ter sido enterrado vivo , como será? Como será administrar os sentimentos? E administrar a fama, as ofertas milionárias? Nós humanos somos animais curiosos e gostaríamos de saber tudo com todos os detalhes. Gostamos de olhar pela janela a casa dos outros e gostamos de saber da vida dos outros. Nos envolvemos. A nossa vida é também o que acontece com os outros. Não é por acaso que os reality shows fazem tanto sucesso, as novelas, os romances...

O Presidente do Irã, Ahmadinejad, bota lenha na fogueira. No Líbano, pertinho de Israel, prega a guerra e o ódio. Destrói a história negando o holocausto. A paz entre israelenses e palestinos fica vez mais distante.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

CAFÉ, FLOR E POESIA

Enquanto preparo o café da manhã que faremos aqui em casa em homenagem ao nosso Latuf , Joinville prepara para o dia 12 de novembro o Café, Flor e Poesia para me receber. A minha ida faz parte de um grande evento na cidade, a Festa das Flores. Recebo uma carta linda onde me contam que este café será numa comunidade rural e que as mães confeccionaram 3 bolsas de pano com meus livros dentro para que possam circular entre as famílias. Já sou conhecida por eles intimamente e ficarei hospedada numa linda pousada rural. Nunca senti tanto carinho ao redor de uma viagem.

Quanto ao café de domingo, espero os amigos do Latuf, alguns alunos, os que conviveram com ele e o amaram e amam para sempre. Muitos virão do Rio. Estou um pouco aflita com o tempo, pois anunciam chuva e gostaria de sol. Sinto Latuf ao meu lado preparando tudo junto comigo. Sua presença é fortíssima. Converso com ele continuamente. Farei tudo o que ele gostava: bolo de fubá, cachorro quente, quibe, pães caseiros, café com leite. Queijos, geléias, mel e uvas completarão a mesa. Parece que ouço a sua voz: - Hermanita Bonita!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

VIAGEM AO CENTRO DA TERRA

Quando era criança adorava o livro do Julio Verne, Viagem ao Centro da Terra.
Agora todos os olhos e corações se voltam para as profundezas da montanha enquanto os mineiros do Chile vão saindo, um por um. Até agora, enquanto escrevo , saíram 18 mineiros. O Chile conseguiu um feito incrível: alta tecnologia, ajuda de todos os lados e muito afeto levam a um desfecho positivo do que poderia ser mais uma tragédia. O mergulho dentro da mina também me leva ao livro Germinal de Émile Zola, com um final bem diferente e trágico. mas o que une tantas histórias de operários soterrados em minas é o descaso com a segurança. Mineiros sempre trabalharam em situações perigosas e o máximo de cautela seria o mínimo que se pode fazer por estas pessoas. Tomara que quando passe esta onda em torno do resgate os mineiros não sejam esquecidos. E que todos saiam sem maiores problemas.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

SOLIDARIEDADE

Leio no jornal El País que foi achado um fóssil de 500.000 anos de um pré neandertal, na região de Burgos, na Espanha, com um grave defeito na coluna. O homem tinha uma idade avançada e não poderia sobreviver sozinho, pois teria dificuldades em se locomover para caçar. Graças aos seus semelhantes que provavelmente o alimentavam e ajudavam, conseguiu viver. Então a solidariedade existe desde sempre.

O filho da iraniana Sakineh, condenada à morte por suposto apedrejamento, foi preso enquanto dava uma entrevista a dois jornalistas alemães. Os jornalistas também foram presos. Ontem foi suspenso o credenciamento da correspondente Ángeles Espinosa, do El País, pelo Presidente Mahmoud Ahmadinejad, pois ela entrevistou o filho de um aiatolá reformista. É impressionante como a liberdade escasseia em alguns países.

Hoje a Folhinha on line publica um poema que escrevi especialmente para a edição: www.folha.com/folhinha

TODO DIA

Dia de criança é todo dia,

é toda lua,

é toda rua

para brincar.


Dia de criança

é todo sol,

é todo rio,

barquinho inventado

pra navegar.


Dia de criança

é toda pipa

rasgando o céu,

é tudo o que está

e não está

atrás do véu

e atrás da cortina,

andar feito bailarina

sobre os anéis de Saturno.


Dia de criança

é todo dia

até a gente ficar bem velhinho,

de bengala e neto no colo.


Dia de criança

é todo dia

e todo dia

é de poesia.


Roseana Murray

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

LIU XIA

A mulher do prêmio Nobel da Paz Liu Xiaobo, Liu Xia, poeta, foi presa ontem ao voltar de seu encontro com o marido. Em prisão domiciliar a poeta atrai todos os olhares para a questão da liberdade na China e faz com que a chama não se apague. Que a poesia escape por debaixo de suas portas e janelas e se instale em todos os corações chineses.

Torcemos pelos mineiros chilenos, presos debaixo da terra. Que saiam com vida depois de uma aventura tão difícil.

domingo, 10 de outubro de 2010

JOHN LENNON

John Lennon faria 70 anos ontem. Eu estava em Visconde de Mauá em 1980 quando ele foi assassinado. Eu fazia 30 anos, publicava meu primeiro livro Fardo de Carinho pela ed. Murinho, chegava ao fim a minha aventura na montanha, já que nossa loja de materiais de construção não deu certo e meu filho André estava morando em Resende e só vinha para casa nos finais de semana, era uma experiência muito dura : em Mauá não havia oitava série. Foi meu último ano em Mauá junto com a família toda. Passamos 3 anos vivendo sem luz, sem televisão, sem telefone e foi uma experiência maravilhosa que nos marcou para o resto da vida. Hoje o André abriu o sítio, fez na casa o seu restaurante estrelado, o Babel Restaurante .
John Lennon não morreu sozinho, tantos sonhos morreram junto . Ele gritava contra a guerra, ele cantava a liberdade. Mais do que nunca precisamos da sua força.

sábado, 9 de outubro de 2010

NOBEL DA PAZ

Há um desejo imenso na América Latina de amordaçar a imprensa. Os donos do poder nunca gostam de ser criticados. Na China a situação é mais grave: não há nenhuma liberdade de expressão, até a internet é censurada. Agora a luta pela liberdade na China tem um nome , visível como um sol: Liu Xiaobo. É o novo Nobel da Paz. É o primeiro chinês a receber o Prêmio. Os dirigentes ficaram enfurecidos, ameaçam retaliar, dar o troco para a Noruega. Mas a liberdade nunca quer calar e agora a luta de Liu Xiabo é conhecida em todo o planeta.

Angela, leitora do blog, me manda a notícia de que um ipê amarelo foi cortado, virou poste e mesmo assim brotou outra vez e cheio de fios elétricos, derramou suas flores.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

MARIO VARGAS LLOSA E CAFÉ PARA O LATUF

Finalmente o Nobel foi para Vargas LLosa, mais do que merecido. Vargas Llosa é um escritor magnífico, impressionante. Li muitos livros seus ao longo da vida , sou sua leitora maravilhada. Ele escreve como quem constrói uma catedral. É um privilégio conviver com a sua existência. Eu já tinha decidido, antes do Prêmio, que nosso próximo livro do Clube de Leitura da Casa Amarela será As Travessuras da Menina Má.

Dia 17 próximo, que cai num domingo, farei um café da manhã em homenagem ao Latuf, às 10hs . Peço aos amigos do Latuf que não conheço que entrem em contato comigo urgente. Farei tudo o que ele gostava de comer: cachorro-quente, quibe, esfiha, bolo de fubá, café com leite e vamos brindar com champagne a maravilha e o dom da sua amizade.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A CASA ENCANTADA NO BOSQUE ALEMÃO

Ainda estou em Curitiba e muito impactada com o encontro de ontem. Falei para uma platéia repleta e nosso entendimento foi total. Reencontrei uma grande amiga dos tempos do Proler: Gloria Kirinos, poeta maravilhosa. Almoçamos com a Marina Colasanti, sempre espirituosa e linda.

Depois do almoço me levaram a um lugar fantástico: o Bosque Alemão. É um bosque de verdade, maravilhoso e aí dentro há uma casa feito a casa da bruxa de João e Maria . No caminho para a casa há uma série de azulejos contando a história. A casa é uma biblioteca. A mais acolhedora biblioteca que já vi. A professora-contadora de histórias recebe os visitantes vestida de bruxa. Quando cheguei havia uma turma de pequenininhos sentada no chão, maravilhados. O nome verdadeiro da "bruxa" é ADELFE, mas o nome falso é Bruxa Nani: convenhamos, o nome verdadeiro é que parece nome de bruxa! A biblioteca recebe , além de escolas, menores infratores e grupos de idosos e também visitantes comuns que não estão em nenhum grupo. Como toda biblioteca de bruxa, a Casa Encantada tem uma gata preta que mora na casa e se chama Januária. Ela já tem 14 anos e é afetuosíssima. Adelfe me conta que uma vez, ao receber um grupo de menores infratores, a menina mais problemática, (já havia tentado o suicídio), ao terminar a sessão, lhe pediu por favor que contasse a história da Cinderela. Adelfe ou Bruxa Nani tem um caldeirão imenso que recebe chupetas, mamadeiras e fraldas de crianças que já querem crescer. Tudo isso vai para reciclagem para ajudar algum projeto social.
Na saída nos sentamos no Café do Bosque e comi uma torta de maçã. A vista daí de cima é alucinante. Eu se fosse Adelfe me mudava de vez para a Biblioteca Casa Encantada.
Mas a magia não terminou por aí. Fui visitar a Escola Municipal Nympha Peplow. A biblioteca da escola é maravilhosa, acolhedora e quando entrei um grupo de alunos de uns 8 ou 9 anos estava sentado no chão, sobre os tapetes , ensaiando. Eles são do turno da manhã, mas um dia da semana eles contam histórias para a turma da tarde. No pátio, fora da biblioteca, há um cantinho de leitura, com tapetes e almofadas e tb uma estante de livros e revistas. Eles contaram uma história ótima, dramatizada, super ensaiada. São eles que escolhem a história. O grupo ouvia maravilhado. A escola , todas as quartas-feiras, faz um Dia de Poesia, onde as turmas declamam poemas no pátio. Além disso a biblioteca é aberta aos pais e todo mês pais e alunos recebem um diploma de melhor leitor: eu vi o diploma, é lindo! A escola também tem uma sacola de livros que os alunos levam para casa por 3 dias, recheada de livros e revistas para ler com a família. As idéias sãio tão maravilhosas e originais que precisam urgentemente ser copiadas! Vou dar o link para a escola:
http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/index.php.portal=295

Vou embora depois do almoço, exausta, mas cheia de felicidade.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

BARULHINHOS

Ontem fui retomando a casa. Arrumei o malão antigo que é a nossa despensa. Fiz um pão. Fiz o almoço. Chegou Manuela, de quem sou fada madrinha. Manuela almoça comigo três vezes por semana. Comemos todos juntos na varanda. Eu e Juan, Vanda e Samuel, nossos caseiros e a minha afilhada. Há todo um ritual: eu faço o almoço e Vanda faz o café. Depois deitei com a Nana, nossa gata, para descansar, ainda estou no horário da Espanha. Não dormi. Fiquei concentrada nos barulhinhos da casa. O galo cantava no quintal da vizinha e o canto vinha misturado com as vozes das crianças. Vanda lavava a louça e o barulho dos pratos na pia vinha envolto com o som da água. Samuel consertava um banco no jardim e suas marteladas eram ritmadas. O relógio bateu as horas. O mar embrulhava a casa como um tecido de algodão puro. A casa habita o mar . O mar é sua concha.

Agora arrumo os livros que irei levar para Curitiba. Me desejem sorte. Vou falar para 1.200 pessoas. Que medo!

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

MARINA

Não gosto de falar de política no meu blog, mas quero registrar a minha felicidade com o resultado obtido pela Marina Silva. Juan foi entrevistá-la em sua casa em Brasília assim que ela se assumiu como candidata e eu passei uma hora com a sua voz no meu ouvido transcrevendo a fita da gravação. Era uma belíssima entrevista. Marina mostrou aos donos do poder que a opinião pública conta sim e a hora do voto é a hora da verdade. Marina é limpa, ela é o que é, ninguém precisou transformá-la. Embora ela não vá participar do segundo turno (na verdade ela vai participar sim, pois seus eleitores definirão o jogo) ela é a grande vencedora.

domingo, 3 de outubro de 2010

CAMINHO DE CASA

O caminho para casa foi longo. Fiquei 24hs acordada, pois meu voo em Madrid atrasou 4hs e quando cheguei em Saquarema o relógio antigo da sala marcava meia-noite.
Ontem passei um dia estranho: parecia um zumbi.
Hoje acordei ótima. A maresia, a umidade, o cheiro maravilhoso das plantas, das flores, tudo isso unta a minha pele de felicidade.
Agora tenho que arrumar a mala para Curitiba, vou terça-feira. Falo para 1.200 agentes de leitura sobre a minha obra. Tento encontrar um caminho, ainda estou buscando. A fala se chama Receitas de Olhar.
Aceitei muitas viagens seguidas, pois eram todas muito interessantes. Espero que meu corpo aguente. Meu corpo às vezes me trai, às vezes nos desentendemos. Gostaria de ser feita de luz.