segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

CHUVA

Depois de tantos dias de calor extremo e tanta seca no jardim, a chuva, linda, benfazeja, que água boa.
Quase posso ouvir, além da música da chuva que amo, o sussurro verde das plantas de pura alegria. .Olho o jardim em sua plenitude. Fecho os olhos para ouvir melhor, para que a chuva me diga seus versos.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

COM GINZBURG E CALVINO

Ontem me dei conta de que nosso Clube de Leitura da Casa Amarela já tem seis anos. Sei porque meu grande e amado amigo Latuf, que foi embora para Pasárgada em 2010, estava vivo quando fizemos nosso primeiro encontro.
Acho que agora não há mais perigo do Clube se desmanchar no ar, sempre tive esse medo.
Desde criança achava que ninguém viria nos meus aniversários e que claro, iriam se esquecer de mim.
Mas os laços que a literatura cria entre as pessoas são impressionantes. E cada vez mais gente quer vir ao nosso encontro.
Ontem recebemos cinco pessoas novas. A casa estava lotada. E me trouxeram muitos presentes! Tortas, vinho, geleias, licores.
O livro As Pequenas Virtudes, que chegou nas minhas mãos inesperadamente numa tarde em Salvador, pelas mãos da minha amiga Verbena, deixou todo mundo emocionado, extasiado.
São crônicas. O livro se divide em duas partes. A primeira, bastante autobiográfica, a segunda, como sublinhou Maria Clara, mais ensaística.
Fomos passando crônica por crônica. Falamos do exílio e da memória. Da escrita maravilhosa da Natália. Máximo Tarantini, italiano, nos falou das distâncias naquela época. Então, quando a família estava exilada em Abruzzo, escondida, durante a guerra, além da sensação de exílio, pois haviam abandonado a própria casa, os amigos, a família, tudo o que amavam, havia a dificuldade de se chegar até lá. Não é como hoje, diz Maximo, quando se vai de Roma a Abruzzo em quarenta minutos.
Rafael falou de Proust para falar da memória.
Cristiano lembrou que a cantiga infantil que Natália ouvia em Abruzzo era um prenúncio da morte do seu marido, como se anunciasse o seu assassinato.
Cada crônica dessa primeira parte, onde ela fala da sua vida, tem a sua cor. Uma nostalgia que é como um vento triste, às vezes muito humor, como quando ela fala da sua estadia na Inglaterra, ou da sua relação com o segundo marido.
Em outra crônica Natália conta a amizade com Cesare Pavese, autor premiadíssimo. É o mais belo tratado sobre a amizade: ela não esconde nada do gênio dificílimo do amigo, das suas manias e esquisitices, mas com suas palavras ela vai untando o amigo com uma camada espessa de amor, quase um unguento. Até o desfecho , o seu suicídio, pensado e preparado, num mês quente de agosto, num hotel em Turim, a sua cidade natal. Li um poema belíssimo do Pavese.
Máximo nos lembrou que o suicídio naquela época era uma filosofia de vida. Cesare dizia que a única liberdade que o homem tinha era a de escolher o momento de sair da vida. Lembramos que anos mais tarde Primo Levi também se matou.
Na crônica sapatos rotos falamos da liberdade . Da importância de ter uma infância sólida, com sapatos fortes, para que no futuro se possa fazer belas escolhas, inclusive a de andar com sapatos rotos, uma metáfora maravilhosa.
Gilcilene nos disse que As Pequenas Virtudes, crônica maravilhosa sobre as Pequenas e Grandes Virtudes, trouxe de volta seu pai, pela relação desprendida que ele tinha com o dinheiro. Falamos um pouco sobre o significado do dinheiro.
Denise e Chico disseram que a crônica fez com que repensassem muitas atitudes com os filhos.
A paixão de todos foi a crônica Meu Ofício, que no caso de Natália era a escrita, mas suas considerações valem para qualquer ofício.
Em nosso Clube temos contadores, advogados, professores, um médico, Dr. Messias, comerciantes,poetas e cada um se viu nesta crônica,
Todos sublinharam como Natália trabalha o tempo todo com luz e sombra,
Messias disse que ela traz para a sua escrita todas as nuances do ser humano, todas as suas faces.
Ao passar para Calvino, Marcovaldo, Cristiano disse que nem parecia o mesmo escritor das Cidades Invisíveis (que já lemos no clube).Mas a sua escrita maravilhosa é sempre a mesma.
Propus que cada um falasse o que quisesse sobre qualquer episódio.
E que maravilha de considerações. Cristiano definiu Marcovaldo: uma mistura de Chaplin com D.Quixote. Ou foi Maria Clara, não tenho certeza..
Íamos nos lembrando e rindo e amando relembrar.
Máximo disse algo muito interessante. Depois da Guerra a Itália se uniu e perdoou. Todos se perdoaram querendo olhar para o futuro.
Marcovaldo fazia parte deste momento.
Falamos da sua busca pela beleza, pela natureza, quando a Itália deixava de ser agrária para ser industrial.
Acho que  Marcovaldo, apesar da sua condição de extrema pobreza, da consciência que tinha dessa  pobreza, da sua vida miserável, não desistia de tentar viver poeticamente: aí reside a sua maravilha. O seu olhar buscava os caminhos para chegar até o fio que divide a dureza da vida, da experiência poética.
Alguns leram poemas da Emily Dickinson.
Ronaldo e Ana cantaram: alimento.antes do almoço.
Fiz tabule, um arroz cremoso com frango desfiado e um arroz bem mediterrâneo com atum.
Cantamos parabéns para os aniversariantes, Samuel, nosso caseiro, Angela e Fernando.
Vinho branco e vinho tinto. Meus pães.
Cada um ganhou um livro do Juan autografado, O Amor Impossível, longa entrevista com Saramago.
O livro é maravilhoso e está saindo do catálogo da Manati. Se alguém tiver interesse pode encomendar na editora.
Angela trouxe livros para sortear e Máximo também.
Nosso próximo encontro será dia 7 de maio. Os livros:
O Memorial de Maria Moura de Raquel de Queiróz e O Compadre de Ogum de Jorge Amado.
Poemas do Quintana.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

ENCONTRO MÁGICO

Amanhã é o dia do nosso encontro mágico do Clube de Leitura da Casa Amarela.
Na verdade é uma grande celebração. Da literatura, da vida, da amizade. Já somos um clã. Nossa caverna é feita de livros!!!
Lemos Marcovaldo, do Italo Calvino, que li umas cinco vezes e As Pequenas Virtudes, da Natália Ginsburg. Pedi um poema da Emily Dickinson, para saciar a paixão desastrada pela natureza que tem Marcovaldo.
Calvino e Ginsburg fizeram parte de um mesmo grupo, combateram o fascismo, passaram pela guerra.
Os dois livros são magníficos , sendo que As Pequenas Virtudes, que li três vezes, tem uma capacidade de me emocionar que passa dos limites.
Podemos entrelaçá-los.
O Clube é um dos sonhos mais bem realizados da minha vida. Preparo a festa em cada detalhe. Mesmo quando estive doente, operada, o Clube nunca deixou de acontecer.
Algumas coisas que fazemos, pequenas, justificam a nossa vida e esta é uma delas.
Muita gente vem do Rio só para estar aqui e viver algumas horas plenas de poesia.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

NOVOS POEMAS

É muito bom deixar um trabalho descansando por um tempo. Para que a gente se afaste dele e possa ter o distanciamento necessário para fazer o que tiver que ser feito.
Eu havia começado uma coletânea. Já tinha 14 poemas. Em cima de uma ideia. Mas , outras ideias vieram e passaram na frente. Guardei o trabalho. E um tempo longo escorreu até que eu me lembrasse dele outra vez. Um ano ou dois, não sou boa para contar o tempo, não sei.
E agora eu trouxe o trabalho de volta, como um belo cavalo marinho, uma flor, um bordado.
Retomo o fio da meada e estou feliz novamente trabalhando na minha oficina de poesia.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

LIVROS NA VENDA DO ITAMAR

Quando estou na montanha, se falta alguma coisa para cozinhar, pego emprestado no Babel, restaurante do meu filho. Mas se não tem no Babel o que desejo, há que descer dois quilômetros até a venda mais próxima, que é um supermercado bem pequeno com cara de venda. Não tem nome. É o Itamar. A gente diz, vou no Itamar, ou pega lá no Itamar e anota..
Itamar é o dono e ainda tem aquele sistema de conta no caderninho.
No Itamar tem tudo! e até uma casinha-estante de madeira para livros na varanda. Pois, claro,, no Itamar tem uma varandinha,
A casinha se chama Livro-Livre e qualquer um pode levar um livro, Pode devolver ou passar o livro adiante, Pode colocar um livro que não quer mais. Pode ficar com o livro para sempre.
O Itamar é bem ali, no meio do Vale do Pavão, numa subida.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

ITÁLIA DE LUTO

O último trem quando parte nos deixa órfãos para sempre.
Umberto Eco se foi. É uma geração inteira que está indo embora. Porque somos provisórios, somos mortais , somos tão frágeis e nosso tempo aqui na Terra é tão irrisório.
Umberto Eco era um assombro de talento, lucidez, inteligência, humor . Ele era imenso e foi embora.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

VOLTA PARA CASA

Volto do mato e as más notícias me invadem.
No mato elas perdem a sua força, chegam abafadas como um eco longínquo.
O Brasil inventou a máquina do tempo.
retrocedemos tanto que estamos quase no século XVIII.
Deixo bem clara a minha posição:
Nenhum, absolutamente nenhum político para mim é sagrado. Qualquer político, de qualquer partido ou ideologia, que se aproprie do dinheiro público, nosso dinheiro, deve ir para a cadeia.E trabalhar lá dentro para pagar a sua comida. E deve devolver o dinheiro roubado.
Nenhum político que faz uso do dinheiro público para sua vida pessoal ou campanha, merece respeito.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

DUAS VIDAS

Como já contei aqui, tenho duas casas e duas vidas.
Aqui na montanha tenho a família: filhos, netos, irmã, noras e cunhado.
No mar tenho marido, gatas, projetos de leitura.
Nos dois lugares tenho amigos maravilhosos.
Nas duas casas vivo profundamente dentro da natureza, pois só sei viver assim.
Sempre que venho para a montanha as pessoas me desejam bom descanso.
Mas não venho para cá para descansar, simplesmente continuo fazendo o que faço sempre: estar com quem amo, ler, escrever, cozinhar, contemplar, sonhar.
São duas vidas diferentes. Mas nos dois lugares estou inteira, com todas as mulheres que sou bem amarradas num feixe de poesia.
 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

VIAGEM

Estou indo hoje para a montanha.

DE LONGE

De longe a pequena casa
me chama,
posso imaginá-la, tijolo
por tijolo,
névoa por névoa,
equilibrada
em meus pensamentos,
ou dentro dos bolsos,
quando busco moedas.

A todo momento
esbarro em seu telhado,
em suas paredes e janelas
que vieram de um tempo antigo.

Estou longe e ela me chama
com a voz da montanha
e com paciência espero a hora
de abri-la
como se abriria uma noz
que guardasse alguns milagres.

In Diário da Montanha, ed. Manati

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

COZINHANDO

Outro dia um amigo italiano que cozinha muito bem, veio até a nossa casa só para nos preparar um jantar. Trouxe tudo, suas panelas e ingredientes, já que só com suas panelas sabe cozinhar. Nos preparou pratos do sul da Itália. Mas a coisa mais linda foi o que nos disse:
____ Só cozinho para quem gosto . Para quem não gosto não cozinho de jeito nenhum.
Eu adorei isso. Porque é maravilhoso cozinhar para quem se gosta, para os amigos. Cozinhar é um ato de felicidade e comunhão.
Livros maravilhosos e comida, um bom vinho, eis a receita do sucesso do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

IEMANJÁ

É muito antigo o mito de uma deusa do mar, o mito das sereias, de uma rainha do mar. A beleza dos mitos que atravessam milênios nos fazem bem.
Um dia, faz muito tempo, fui com Juan Arias fazer uma reportagem para a revista do El País em Salvador, sobre a festa de Iemanjá. Ficamos hospedados no Rio Vermelho e cedinho já estávamos na fila com nossas flores. Era emocionante ver todas as pessoas de branco carregando braçadas de flores e os barcos que iam ficando abarrotados de flores. Era um povo misturado, lindo de ver, gente de todas as cores e de todas as classes sociais. Naquela época, parece, havia menos intolerância com as religiões de origem africana e provavelmente muita gente na fila carregando suas flores nem pertencia ao candomblé ou umbanda, provavelmente havia ali gente de muitas religiões diferentes para homenagear Iemanjá. Havia respeito, emoção, devoção e certamente sonhos e desejos amarrando as flores. Porque são as emoções e sonhos e desejos que empurram nosso barco da vida para longe. Com as bênçãos do vento e de Iemanjá e de tudo que exala beleza.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

GOSTO NÃO SE DISCUTE

Saquarema, onde vivo, em seu cotidiano, parece uma ilha deserta. É tudo o que amo. Silêncio. As coisas acontecem num tempo antigo, com calma. Vivo imersa no som domar, como se morasse dentro de uma concha.
Mas nos feriados tudo se transforma . Há muita gente, vizinhos que deixam o som altíssimo dia e noite, mercados superlotados e até o sol fica mais quente. É outra cidade. Dá vontade de fugir. E fujo mesmo.
Não consigo, nunca pude, participar da alegria do carnaval. Cada um tem a sua natureza e simplesmente sou incapaz. Então eu fujo e me escondo.
Lá na minha casinha dentro da mata na Mantiqueira, só o som do riacho que corre , invisível, ao lado. Só o som dos pássaros, grilos, sapos, corujas, jacus. Só a conversinha das árvores com o vento. E a música da chuva e a música que quero ouvir e às vezes o crepitar do fogo.
Mas gosto não se discute e para milhões de pessoas a maravilha é o que vem por aí, dias e dias de alegria coletiva.
Quando todos vão embora da nossa cidade, deixam toneladas de lixo. E a cidade leva um tempo para se recuperar da invasão. Quando nós humanos aprenderemos a delicadeza?