sexta-feira, 31 de julho de 2009

DESERTOS




CINCO

Percorrer o silêncio do deserto,
sua espinha dorsal
feita de murmúrios, vertigens,
caravanas, o ruminar dos camelos.

Numa noite escura
uma fonte escondida
fabrica sonhos e água.

Desertos, ed. Objetiva

Recebi das mãos do Roger Mello, em 2002, um caderno de viagens, a sua viagem ao Marrocos. Pedi ao Roger que me deixasse fazer os poemas para os seus desenhos. Fiz uma viagem imensa até a minha infância e me deixei conduzir pelas histórias da Bíblia que ouvia, pelas Mil e Uma Noites que lia. Gosto muito do resultado. Numerei os poemas, ao invés de dar um título para cada um. O livro é cheio de espaços vazios, o próprio deserto. A ed. Objetiva copiou perfeitamente o caderno de viagens do Roger. Fomos finalistas do Prêmio Jabuti.
A fonte escondida, no poema número cinco, é a que nos dá o poder da criação. Às vezes há que parar para ouvi-la. É no silêncio que posso recolher a sua água e fabricar os meus poemas.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

JARDINS

Flores alimentam sonhos,
dão de comer aos olhos,
arrumam e desarrumam
formas e cores.

Jardins, ed. Manati


Hoje queria falar do meu quintal. Onde antes só havia areia, quando compramos a casa em 2002, hoje há um bosque, um belo jardim. Gosto de me sentar aí, bem quieta , de manhã, e deixo que minha alma se perca ouvindo os pássaros. As árvores já estão bem grandinhas : seis coqueiros sempre carregados , cravo, canela, limoeiro, goiabeira, louro, graviola, acerola, pitanga, romã, jabuticaba, mulungu, bico-de-papagaio , uma imensa palmeira triângulo, uma areca e um jardim só de cactos. Um flamboyant de flores vermelhas hospeda uma orquídea. Tenho uma pequena horta de temperos. Onde antes só havia areia, hoje muitas vidinhas se agitam, visíveis e invisíveis. O quintal é uma aquarela: hibiscos e buganvílias colorem os muros e o mar faz o fundo musical. Na varanda tenho um fogão de lenha que me conecta com os ancestrais. E o vento que sopra do mar une todos os elementos.
A poesia está em tudo, de vez em quando estico a mão e apanho um poema como um beija-flor em pleno voo.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

LÁGRIMAS




PALESTINA

" No mais profundo do nosso ser acharemos água e ao nos submergirmos nela, choraremos. Nascemos na água e a ela retornamos. Morremos quando a água seca. O mar é um leito sobre o qual repousa a terra. As lágrimas são o leito sobre o qual os homens repousam. " Elias Khoury

Avanço na leitura do livro La cueva del sol de Elias Khoury e traduzi o pequeno trecho acima porque me comoveu demais. Porque todas as lágrimas do mundo não bastam para narrar a triste saga do povo palestino e vou junto, de aldeia em aldeia, expulsa de todos os lugares. Que história terrível a de povos irmãos que não se reconhecem . Sou judia e tenho um amigo-irmão libanês, Professor Latuf. São tantas as raízes que temos em comum, nossas almas caminham tão juntas, que por mais que busquemos, por mais que se cave a terra para encontrar as razões da exclusão de todo um povo por outro povo que sofreu a mesma coisa, dois mil anos de exílio, inquisição, e um Holocausto, não há razão. Os dois povos poderiam e deveriam viver juntos. Enquanto o milagre não acontece lágrimas cobrem a terra.

terça-feira, 28 de julho de 2009

FRASES TÓXICAS



FRASES AMOROSAS

Uma psicanalista francesa, não lembro o nome, falou (em um programa na TV 5 )sobre frases tóxicas. Aquelas frases terríveis que muitas crianças ouvem: "Você não sabe fazer nada direito"! "Que menina mais desastrada!" "Você faz sempre tudo errado"! "Teu irmão faz tudo muito melhor!"
Essas frases, como um veneno mortal e lento, vão ao longo dos anos agindo em nosso psiquismo, minando nossa auto-estima e nossa imagem interior fica frágil, estilhaçada.
O antídoto? Frases amorosas. Frases que nos empurrem suavemente em direção à vida como um vento perfumado e benfazejo. Frases delicadas, gentis, que nos abram as portas do universo. Frases amorosas que serão o nosso passaporte para a felicidade.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

RECEBENDO VISITAS



CASA DE AMGO

Na casa do amigo
os móveis flutuam
a um palmo do chão.

O ar é mais leve:
em cada recanto
os pássaros tecem.

Na casa do amigo
todas as confidências
são permitidas.

Todas as palavras
são entendidas
tâo facilmente,
que é como água
falando com água.

Na casa do amigo
o coração se alimenta.

Casas, ed. Formato

AMIGOS NA CASA

Preparar a casa para receber amigos é a tarefa mais prazeirosa que há. Dr.Messias, diretor da Unidade de Adolescentes do Hospital Pedro Ernesto e Dra. Kátia, sua mulher, diretora da Casa de Saúde Grajau são nossos companheiros nas alegrias e dissabores. O Messias assumiu a sua cadeira na Academia de Medicina lendo, em seu discurso, um poema meu. Chegaram sexta-feira à noite com duas garrafas de vinho espanhol para o jantar.
O sábado era de chuva e mar escuro, dia de ficar dentro de casa falando dos livros que cada um está lendo, dos filhos distantes, da vida, dos sonhos. Domingo veio Jaime e a linda família colombiana. Ele é diretor da agência EFE no Brasil e sua filha de 9 anos já está escrevendo um livro e comenta todas as notícias do mundo! Juan fez os pães e a paella, pois além de jornalista é padeiro. Os pães do Juan já estão famosos.
Agora estão chegando Maya, a filha do Juan e Kira, nossa netinha. Elas chegam dia 3 de Barcelona. Kira fará 4 anos em setembro e fala espanhol, inglês e catalão. Diz que também fala um pouquinho de português, já que sabe dizer vovô e vovó!
Hoje o dia está lindo, o mulungu continua florido e rodamos a manivela da segunda-feira...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

UNIVERSO




GLIESE 581d

Leio no El País um artigo maravilhoso sobre planetas fora do nosso sistema solar. A ciência deu um salto e hoje esses planetas que giram em torno de estrelas, como o nosso, estão sendo estudados. Existem muitos planetas parecidos com a nossa Terra e foi descoberto um , o GLIESE 581d, potencialmente habitável.
A notícia me deixa elétrica. Sempre acreditei não sermos únicos na imensidão do universo. Em algum lugar do firmamento deve existir pelo menos um planeta com um homem melhor do que nós, digamos menos humano, menos violento, mais leve e solidário. Alguns grandes homens e mulheres nos provam que esse tipo de humanidade é possível. Um mundo onde o outro nunca seja inimigo, onde o bem estar de cada um seja tarefa coletiva .

quarta-feira, 22 de julho de 2009

MINHA MÃE



ESPANTO POR ESPANTO

a vida é isso?
essa espera de auroras
boreais
estar a sós com seus
pensamentos
falcões amestrados
em direção ao passado
ao futuro
ao fundo duro
dos abismos?

o tempo não se mexe
penhasco imutável
no oceano das horas
nós é que nos vamos
estranhas marionetes
sem rumo

então a vida é isso
segundo por segundo
estrela por estrela
espanto por espanto

Poesia Essencial, ed. Manati

Minha mãe fez 88 anos em 30 de março e tem um câncer terminal. Ela não pergunta nada, mas acho que sabe. Todos os dias sua vida passa diante de mim como um filme. Os retalhos das lembranças que tenho. Ela vive em Teresópolis e eu em Saquarema. Todos os dias nos falamos pelo telefone e a proximidade de sua morte confere a tudo o que diz uma luz diferente e uma dor. Quando desligo o telefone estou destroçada. Será que deveria ficar feliz porque ainda está viva nesse dia? Então eu a vejo . Ela corria o tempo todo, era elétrica e criativa. Veio da Polônia com quatro anos, mas meu avô, muito esperto, a registrou no Brasil. Sempre esteve na vanguarda do seu tempo. Muito jovem saiu de casa para trabalhar, usava roupas extravagantes e platinava os cabelos. Era linda. Estilista de moda, teve uma butique num casarão antigo onde fabricava seus modelos. Amava jardins e descobriu Saquarema em 1969. Ela mesma fazia o jardim e eu a vejo com tesouras de podar e uma pazinha vermelha nas mãos. Desde que eu era criança ela caminhava uma hora bem cedo de manhã quando ninguém ainda caminhava. Ela adivinhava sempre o que iria acontecer no futuro! Quando se mudou para Teresópolis, pintou a parede do seu quarto de vermelho e fazia todos os cursos que podia na Pro Arte. Era viva e jovem e alegre, mas o seu tempo no palco-vida está se extinguindo. Concordo com o Drummond , mãe não deveria morrer nunca. Para onde irá minha mãe? Sei que estará ancorada em mim para sempre , até que chegue também a minha hora de escolher uma estrela para morar.

terça-feira, 21 de julho de 2009

TRANSFORMAÇÃO




RUA CARUARU



A minha primeira escola ficava na Rua Caruaru, no Grajau, onde passei minha infância. Talvez eu tivesse 3 anos. A babá me levava ou meu irmão, de bicicleta. Eu não gostava da escola. Vomitava na escola, todos os dias. Fiz os 3 primeiros anos do primário na E.M Francisco Manuel, escola pública. Fiz o último ano no Hertzlia, na Rua Maxwell e o ginásio no Colégio Hebreu Brasileiro, onde descobri que sabia escrever. Minhas redações eram lidas em voz alta e faziam sucesso. Em todas as escolas a disciplina era cruel e arbitrária, pairava um desconforto sobre todas as coisas e sempre me senti deslocada. Entre todos os professores apenas uma tocou meu coração com seu carinho e paciência: Rosa Hermann, acho que já não vive mais. Ela interagia comigo e fazia com que eu me sentisse única, especial e inteligente.



Leio um longo artigo publicado no El País, onde se coloca a questão: qual a papel do professor hoje? Na minha época o professor reinava soberano, sobre um pedestal, nos infundia um medo terrível e sabia tudo. Hoje os meninos e meninas lidam com a tecnologia muito melhor do que os professores e a informação e o conhecimento estão ao alcance de todos. O que fazer? Mudar a escola ou voltar ao passado, onde o aluno era punido e respeitava o professor por medo? A resposta para mim é clara: a escola vai mudar. O professor será aquele que orienta, conduz, faz o aluno descobrir seus talentos como fazia a professora Rosa comigo, ao me estimular. Cada ser humano tem um dom e às vezes, coisa terrível, uma vida inteira se passa sem que a pessoa descubra o seu dom. O professor(a) seria um descobridor de dons. Todas as matérias precisam interpenetrar-se, circular livremente umas dentro das outras e a literatura será como a estrela-guia. O professor hoje tem que achar o seu espaço, um novo espaço. E o aluno é agora um parceiro, nós todos, viajantes de um mundo em rápida transformação.

domingo, 19 de julho de 2009

BÚZIOS



UM ALMOÇO COM AMIGOS

Fui a Búzios a primeira vez em 1971. Acampamos com amigos na praia da Ferradurinha, completamente vazia. A estrada era uma aventura. Chegamos de madrugada com lua cheia.
Aquela cidade não existe mais. Andando pela Orla Bardot, lá no final, perto da subida para a Praia dos Ossos, há um eco de Búzios , como o mar dentro da concha. Pescadores, gaivotas, jovens saindo da escola, farejo o passado.
Ontem fomos almoçar com os amigos Nelson e Alba, em Búzios, numa bela casa de 1971, magnificamente restaurada. Conhecemos a Cris, escultora das estátuas de Búzios, crianças e pescadores . Conhecemos Ângela, socióloga, professora da PUC e seu marido. Durante o almoço e depois, conversamos sobre os escândalos políticos, o esgarçamento do tecido social.

O mar , na frente da casa, azul e límpido, contrastava com o mar de lama, o cinismo vigente, tema das nossas preocupações. Mas a pergunta mais inquietante : O que podemos fazer? Nós, pessoas comuns, simples mortais, para que alguma coisa mude, para mostrar nossa indignação?

sábado, 18 de julho de 2009

TAPETE DE PALAVRAS

Recebo um livro da Espanha: La cueva del Sol, do escritor libanês Elias Khoury, ed. Alfaguara. Seu livro ganhou em 2000 o Prêmio Palestina e foi eleito o livro do ano pelo Le Monde Diplomatique. O livro narra as andanças do povo palestino. O narrador é um médico sentado junto ao seu pai espiritual, em coma, num acampamento de refugiados. Sua narrativa é errante também, uma história dentro da outra, ao sabor das lembranças. O médico fala para que o homem não morra. Em certo momento ele diz: " Yo alfombro el suelo con mis palabras para que andes sobre ellas."
Seria essa a função do escritor? Atapetar o chão com palavras? Kafka disse que um livro tinha que ser como um machado para quebrar o gelo do coração do leitor.

Enquanto leio é minha a dor do povo palestino.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

DIVAGAÇÕES



OFERENDA

poesia é o que posso
te oferecer
como um pouco de tempo
claro
no fundo do tacho
como uma estrela de água

escuta: os pássaros
forram a tarde
com seus invisíveis anseios

caminha com cuidado
o chão está armado
em cima de horizontes

tudo pode ruir de repente
essa casa de vento
meu coração

Poesia Essencial, ed. Manati


Hoje o dia está completamente azul. Cedo de manhã leio uma conversa com o escritor mexicano Carlos Fuentes. Ele nos conta que não acredita em inspiraçâo e que escreve diariamente com uma disciplina férrea. Penso que a lavoura do poeta é diferente. Trabalhamos sobre o caos: qualquer coisa faz o poema, um cheiro, uma lembrança, uma sensação. O poema não precisa de tramas, é outra sua urdidura. Quando preciso escrever um poema, sinto um chamado físico, é no meu corpo que o poema nasce.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

FALANDO DE PÁSSAROS E GATOS



FAXINA

dia de faxina
na casa dos pássaros
chuva grossa e chuva fina
vassoura de vento
sabão de neblina

**********************

CASA DE GATO

casa de gato
no canto da rua
mobília de vento
tapete de lua

Falando de pássaros e gatos, ed. Paulus


Hoje chove uma chuvinha miúda, o mundo mais ou menos em preto e branco. Ao abrir a porta da varanda cedo de manhã, a que dá para a montanha, a surpresa : o mulungu havia florescido e suas berrantes flores vermelhas eram a única cor da paisagem.
Em dias assim os pássaros ficam preguiçosos, meio adormecidos em seus ninhos, lendo a natureza. Eu leio Isaac Bashevis Singer, (Amor e Exílio, ed. LPM) ,escritor que amo e ele traz meu pai de volta, sua infância de menino pobre numa aldeia perdida no interior da Polonia. Era tão triste e sofrida a vida dos judeus que meu pai não gostava de nos contar nada. Leio Amor e Exílio e penso na sorte imensa do meu pai ter vindo para o Brasil antes da guerra, na sorte que foi para mim ter nascido aqui. Adoro ser brasileira.
Nana, nossa nova gatinha, foi encontrada na rua, abandonada. A sorte da Nana foi igual a minha: imensa. Ela nos faz rir o tempo todo com suas palhaçadas e eu entendo todos os seus pensamentos.
Publiquei o livro Falando de pássaros e gatos em 1990, Edmir Perroti foi meu editor. Num dos lançamentos do livro, na Biblioteca Pública de Belo Horizonte, alguém me perguntou se eu achava que uma criança entenderia as minhas imagens. As crianças sempre amaram as minhas imagens e cada dia recebo mais e mais provas de que uma criança conhece muito bem um sabão de neblina e um tapete de lua!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

CAFÉ LITERÁRIO



A PROFESSORA

Com sua lanterna de abrir o céu,
de iluminar as profundezas do mar,
a professora soletra nosso pequeno
coração.

E todos os dias,
diante de nossos olhos
assombrados,
ela costura o passado e o futuro,
desembrulha
os segredos do universo.

Artes e ofícios, ed. FTD

Quarta-feira passada, dia 8 de julho, tivemos nosso Café Literário. Aguardo ansiosa a crônica do Professor Latuf, o nosso escriba oficial, porisso deixo para ele a tarefa de contar tudo o que aconteceu aqui na bela manhã de julho. Mas queria falar da felicidade que sinto quando vejo professoras e alunos misturados, envolvidos com o texto. Mais uma vez contei do livro que estou terminando de ler, A sociedade literária e a torta de casca de batata, de Mary Ann Shaffer e Annie Barrows, ed. Rocco. A sociedade literária do livro foi formada por não leitores, não vou contar o motivo, deixo para vocês descobrirem lendo o delicioso livro. Mas, este fato confirma a minha intuição de que criar Clubes de Leitura nas escolas para os professores seria uma maneira maravilhosa de incentivar a formação de novos leitores. Um professor(a) leitor(a) faz toda a diferença. Estou tentando passar a idéia para a Secretaria de Educação aqui em Saquarema, eles são incríveis e acreditam nas boas idéias. Uma aluna falou aqui na roda de leitura: "ler para mim é coisa sagrada" ! Um professor apaixonado passa adiante a sua paixão. Imagino que as escolas poderiam criar os Clubes de Leitura e fazer um jantar no final de cada mês para que todos discutissem juntos os livros lidos. Comida faz com que os afetos circulem.
Hoje, com toda a tecnologia, o papel do professor é ser parceiro, é ir junto, é abrir o coração dos seus alunos para a criação, o pensamento e as emoções. Ontem o Colégio estadual Oliveira Viana me chamou para uma homenagem , em Bacaxá, Saquarema. Leram vários livros meus e fizeram interferências nos meus poemas, declamaram dramatizando, pintaram telas, etc. Mas o que me contou a professora me deixou muito emocionada: eram alunos da nona série, já adolescentes, e no começo não conseguiam entender os poemas, mas de repente, com a ajuda da professora, leitora apaixonada, entraram na poesia, uma porta se abriu e o que aconteceu foi um jorro de emoção, uma catarsis. Foi uma avalanche de sentimentos. Só uma professora leitora, cuidadosa , parceira e paciente, poderia ter conseguido o milagre. Sai da escola com uma bromélia lindíssima, poema vivo, presente maravilhoso, e a certeza de que a poesia acende nossos corações.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

CAMINHO PEREGRINO



PEREGRINOS

Lá vão os peregrinos, os loucos,
passo por passo
em busca do possível:
um pouco de água clara
no oco das mãos,
um fio prateado de lua
para costurar os sonhos,
uma toalha feita com o brilho
de todos os olhos
para forrar a mesa
onde se comerá
o fruto permitido.

Rios da Alegria, ed. Moderna

Tenho a casa cheia de hóspedes e de alegria: minha irmã Evelyn, seu namorado que veio do México, Luis Mérigo que me trouxe uma cerâmica linda de sua autoria, Manuela, de quem sou fada madrinha e que saiu de casa para começar uma vida nova, irá viver em Teresópolis. Minha casa está sempre aberta a todos os ventos, os ventos da poesia, e ontem , dia do Café Literário, o carteiro me trouxe um livro lindíssimo: o catálogo da artista plástica Cristina Oiticica, Caminho Peregrino. A idéia da Cristina é linda, o conceito é maravilhoso: ela enterra as suas telas, para que a natureza pinte junto com ela. O resultado é impressionante, os quadros são tão belos que o coração quase não aguenta. No livro-catálogo ela nos conta toda a preparação , as telas foram enterradas no Caminho de Santiago, ela conta como nasceu a idéia de enterrar seu trabalho neste caminho pisado por milhares de peregrinos, neste caminho sagrado. Cristina diz que a energia feminina guia sua criação, portanto nada mais coerente do que pedir que a terra trabalhe junto com ela. Cristina divide com seu leitor espectador a feitura de cada tela, divide todo o seu processo de criação e faz uma espécie de diário de tudo o que ia acontecendo enquanto selecionava os materiais, produzia, enterrava, a natureza o tempo todo atuando junto, sol e chuva, raios e trovões.
desde 2002 Cristina e a natureza são parceiras e sua sensiblidade é mágica. pena que o catálogo não esteja accessível a todos. Cristina conta que sempre encontrava uma mão amiga para ajudá-la e que é essa teia que nos leva sempre adiante. O resultado da caminhada de Cristina é que saimos transformados por tanta beleza. E descobrimos que somos todos peregrinos em busca do possível. Somos todos peregrinos costurando os sonhos.

terça-feira, 7 de julho de 2009

PEDRA


POESIA

Juntar cisne e pedra
caminhar pela existência
com esse talho na garganta

no redemoinho das horas
um barco e nas mãos
um punhado de aurora

um poema se faz
com o avesso das águas

Pássaros do Absurdo, ed.Tchê

Em Paraty tive o privilégio de ouvir ATIQ RAHIMI, o escritor afegão que ganhou o Prêmio Goncourt 2008. Já havia lido seus dois livros publicados anteriormente no Brasil. Livros tristes e impactantes. Seu novo livro, o que ganhou o Prêmio, "Pedra-de paciência" , é uma idéia lindíssima: existe uma pedra para quem se pode contar tudo, uma pedra mágica, e num determinado momento, quando a pedra já está saturada, ela explode. Atiq escreve como poeta, ele mesmo disse que no Afganistão a tradição é oral e que foi criado ouvindo poesia. Ele fala poesia. Realmente junta cisne e pedra. A sua escrita é límpida, delicada e o que ele está contando é tão violento que quase não se pode suportar. Além do marido que em coma tudo ouve, nós, leitores , também somos a pedra e a qualquer momento poderemos explodir, já que não existe medida para os lamentos e confissões da mulher afegã, não existe limite para o seu sofrimento. O texto é cinematográfico até arrebentar no final. Em tão poucas páginas todo o sofrimento, a humilhação da mulher afegã se desenrola diante de nossos olhos atônitos. A intervalos irregulares ela limpa os olhos do homem em coma e é como se também nossos olhos precisassem dos cuidados da água para prosseguir, tamanha a crueldade do que se passa no Afganistão com as mulheres, tamanho o horror da sua realidade.
Como pode existir nos dias de hoje tanta opressão? Quantas pedras mágicas serão necessárias para que as mulheres esmagadas ainda possam continuar vivas?
Que um dia Atiq Rahimi possa escrever apenas cisne, apenas a beleza das tardes e do vento e a mulher afegã possa cantar.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

AGRADECIMENTOS




JARDIM

Infinito é o jardim
das delicadezas,
semeado desde
o primeiro dia do mundo.

Há que alimentá-lo,
hora por hora,
com palavras e gestos
e pedaços de alma.

Há que ser incansável
jardineiro:
para este jardim
cada sorriso é um sol.

Manual da Delicadeza, ed. FTD

Paraty foi um acontecimento onírico. Foi um prêmio ter sido convidada .
Queria agradecer a todos da Flipinha que me receberam como se recebe uma orquídea: me senti acolhida e amada.
Queria agradecer a Bia Hetzel e Silvia Negreiros , minhas editoras, que entendem de delicadezas e literatura e gatos como poucos na face da Terra e me levaram pela mão.
Queria agradecer a Geruza, que veio de Salta, na Argentina, para estar comigo e me ajudou a caminhar pelas pedras de Paraty com toda a delicadeza.
Queria agradecer ao Marcos que dirigiu soberbamente e fez a viagem mais leve com suas histórias e seu bom humor.

Queria agradecer aos alunos da Professora Aline Bonifácio da E.M Professora Marina Salete pelo delicioso livro de receitas caiçaras que prepararam para mim.
Queria agradecer ao Carlos Dimuro que durante tantos anos tem sido um amigo fiel e embora não estivesse comigo em Paraty era como se estivesse.
Queria agradecer ao Bartolomeu Campos de Queirós por ter escrito um Manifesto pela Leitura tão lindo, por estar vivo, por nos deixar ouvir sua voz.
Queria agradecer ao Juan, meu grande amor, por existir e estar aqui com um belo almoço preparado para a minha chegada .
E falar da minha grande felicidade: agora as escolas de Paraty terão uma Roda de Leitura na grade, durante uma hora por semana, inspiradas na experiência de Saquarema.
Queria agradecer a Violeta Parra por ter escrito
gracias a la vida que me ha dado tanto...



quarta-feira, 1 de julho de 2009

PARATY



UM BEIJO DOURADO

Um beijo dourado
varre o corpo com luz,
ilumina o céu.

Arabescos no vento, ed. Prumo

Conheci meu marido, Juan Arias, em 1994, quando eu ia para Sevilha, na Espanha, receber meu prêmio, entrar para a Lista de Honra do I.B.B.Y.
Nos sentamos juntos no aeroporto do Galeão. Ela estava voltando depois de uma longa estadia em Mato Grosso para uma reportagem com os índios Tapirapés. Em cinco minutos me contou que trabalhava no El País em Madrid. Fui convidada para conhecer seu jornal quando soube que eu era escritora. Marcamos um dia e uma hora, já que eu iria a Madrid. Fui ao jornal, deixei meus livros e parti. Juan fez uma matéria sobre duas irmãs analfabetas em Mato Grosso que começaram a estudar com mais de 70 anos e na matéria entrava um poema do Classificados Poéticos e ele falava sobre a minha poesia. Juan se apaixonou pelos meus poemas e começou a me escrever. Foi uma longa correspondência sem internet. Cartas cruzavam o Atlântico com poesia brasileira, poesia espanhola. Comecei a estudar espanhol. Em 1997 ele veio ao Brasil para se encontrar comigo. Eu o levei imediatamente a Paraty. Nos apaixonamos pelas ruas, pela luz, pelos telhados cheios de bungavílias, pelas árvores, por cada pedra, pelo mar . Nos apaixonamos tão perdidamente um pelo outro que fui morar em Madrid e depois Juan veio para o Brasil . Voltamos a Paraty muitas vezes, ele fez uma matéria linda para a Revista de Domingo do El País com fotos de Morgana, a filha do Vargas Llosa.
Hoje vou para Paraty sem o Juan, pois ele anda muito ocupado com o jornal e não pode sair da sua mesa de trabalho. Sou convidada da Feira Literária , o que me enche de orgulho e um certo medo. Confesso que sou da tribo dos bichos do mato. Não gosto de muita gente. Mas acho que vou encontrar tantos amigos que posso ficar tranquila.
Estarei de volta ao blog no dia 6 de julho. Até lá.