Ontem me dei conta de que nosso Clube de Leitura da Casa Amarela já tem seis anos. Sei porque meu grande e amado amigo Latuf, que foi embora para Pasárgada em 2010, estava vivo quando fizemos nosso primeiro encontro.
Acho que agora não há mais perigo do Clube se desmanchar no ar, sempre tive esse medo.
Desde criança achava que ninguém viria nos meus aniversários e que claro, iriam se esquecer de mim.
Mas os laços que a literatura cria entre as pessoas são impressionantes. E cada vez mais gente quer vir ao nosso encontro.
Ontem recebemos cinco pessoas novas. A casa estava lotada. E me trouxeram muitos presentes! Tortas, vinho, geleias, licores.
O livro As Pequenas Virtudes, que chegou nas minhas mãos inesperadamente numa tarde em Salvador, pelas mãos da minha amiga Verbena, deixou todo mundo emocionado, extasiado.
São crônicas. O livro se divide em duas partes. A primeira, bastante autobiográfica, a segunda, como sublinhou Maria Clara, mais ensaística.
Fomos passando crônica por crônica. Falamos do exílio e da memória. Da escrita maravilhosa da Natália. Máximo Tarantini, italiano, nos falou das distâncias naquela época. Então, quando a família estava exilada em Abruzzo, escondida, durante a guerra, além da sensação de exílio, pois haviam abandonado a própria casa, os amigos, a família, tudo o que amavam, havia a dificuldade de se chegar até lá. Não é como hoje, diz Maximo, quando se vai de Roma a Abruzzo em quarenta minutos.
Rafael falou de Proust para falar da memória.
Cristiano lembrou que a cantiga infantil que Natália ouvia em Abruzzo era um prenúncio da morte do seu marido, como se anunciasse o seu assassinato.
Cada crônica dessa primeira parte, onde ela fala da sua vida, tem a sua cor. Uma nostalgia que é como um vento triste, às vezes muito humor, como quando ela fala da sua estadia na Inglaterra, ou da sua relação com o segundo marido.
Em outra crônica Natália conta a amizade com Cesare Pavese, autor premiadíssimo. É o mais belo tratado sobre a amizade: ela não esconde nada do gênio dificílimo do amigo, das suas manias e esquisitices, mas com suas palavras ela vai untando o amigo com uma camada espessa de amor, quase um unguento. Até o desfecho , o seu suicídio, pensado e preparado, num mês quente de agosto, num hotel em Turim, a sua cidade natal. Li um poema belíssimo do Pavese.
Máximo nos lembrou que o suicídio naquela época era uma filosofia de vida. Cesare dizia que a única liberdade que o homem tinha era a de escolher o momento de sair da vida. Lembramos que anos mais tarde Primo Levi também se matou.
Na crônica sapatos rotos falamos da liberdade . Da importância de ter uma infância sólida, com sapatos fortes, para que no futuro se possa fazer belas escolhas, inclusive a de andar com sapatos rotos, uma metáfora maravilhosa.
Gilcilene nos disse que As Pequenas Virtudes, crônica maravilhosa sobre as Pequenas e Grandes Virtudes, trouxe de volta seu pai, pela relação desprendida que ele tinha com o dinheiro. Falamos um pouco sobre o significado do dinheiro.
Denise e Chico disseram que a crônica fez com que repensassem muitas atitudes com os filhos.
A paixão de todos foi a crônica Meu Ofício, que no caso de Natália era a escrita, mas suas considerações valem para qualquer ofício.
Em nosso Clube temos contadores, advogados, professores, um médico, Dr. Messias, comerciantes,poetas e cada um se viu nesta crônica,
Todos sublinharam como Natália trabalha o tempo todo com luz e sombra,
Messias disse que ela traz para a sua escrita todas as nuances do ser humano, todas as suas faces.
Ao passar para Calvino, Marcovaldo, Cristiano disse que nem parecia o mesmo escritor das Cidades Invisíveis (que já lemos no clube).Mas a sua escrita maravilhosa é sempre a mesma.
Propus que cada um falasse o que quisesse sobre qualquer episódio.
E que maravilha de considerações. Cristiano definiu Marcovaldo: uma mistura de Chaplin com D.Quixote. Ou foi Maria Clara, não tenho certeza..
Íamos nos lembrando e rindo e amando relembrar.
Máximo disse algo muito interessante. Depois da Guerra a Itália se uniu e perdoou. Todos se perdoaram querendo olhar para o futuro.
Marcovaldo fazia parte deste momento.
Falamos da sua busca pela beleza, pela natureza, quando a Itália deixava de ser agrária para ser industrial.
Acho que Marcovaldo, apesar da sua condição de extrema pobreza, da consciência que tinha dessa pobreza, da sua vida miserável, não desistia de tentar viver poeticamente: aí reside a sua maravilha. O seu olhar buscava os caminhos para chegar até o fio que divide a dureza da vida, da experiência poética.
Alguns leram poemas da Emily Dickinson.
Ronaldo e Ana cantaram: alimento.antes do almoço.
Fiz tabule, um arroz cremoso com frango desfiado e um arroz bem mediterrâneo com atum.
Cantamos parabéns para os aniversariantes, Samuel, nosso caseiro, Angela e Fernando.
Vinho branco e vinho tinto. Meus pães.
Cada um ganhou um livro do Juan autografado, O Amor Impossível, longa entrevista com Saramago.
O livro é maravilhoso e está saindo do catálogo da Manati. Se alguém tiver interesse pode encomendar na editora.
Angela trouxe livros para sortear e Máximo também.
Nosso próximo encontro será dia 7 de maio. Os livros:
O Memorial de Maria Moura de Raquel de Queiróz e O Compadre de Ogum de Jorge Amado.
Poemas do Quintana.
domingo, 28 de fevereiro de 2016
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