terça-feira, 31 de janeiro de 2012

BAILE MACABRO

Dia 27 de janeiro é o dia de nos lembrarmos das vítimas do Holocausto. Não só judeus, mas ciganos, homossexuais, dissidentes políticos, resistentes, comunistas. Este ano se deu especial atenção às mulheres e meninas. Lembremo-nos de Anne Frank. E nenhum livro fala mais alto do que É Isto Um Homem? do Primo Levi
Pois bem, a humanidade viveu muitos Holocaustos, mas o quase extermínio do povo judeu simboliza a crueldade humana em seu ápice.Cheguei de Mauá e Juan me diz: Sabe que em Viena neonazis comemoraram o Holocausto com um baile de gala?

Quando era criança, na década de 50, conviví com sobreviventes de Campo. Minha mãe tinha uma cliente belíssima com o número tatuado no braço.Lembro do seu rosto. A guerra ainda estava muito perto, respirava em nossas nucas.Dançar sobre os milhões de corpos que flutuam sobre a memória da humanidade é impressionante.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CAIXINHA DE MÚSICA

Acabo de chegar de Visconde de Mauá . Comecei um livro de contos que chamei de Exercícios de Caligrafia. Não são contos infantis e para mim escrever ficção é muito difícil. Mas já fiz o primeiro e talvez não tenha ficado tão ruim. A idéia é escrever quando estiver lá , são contos de amor e terminam sem terminar, são como exercícios mesmo.Escrevo na minha casinha do bosque. Comprei um netbook que é bem leve e posso carregar sem problemas.

Nancy Macedo vai me dar de presente um espetáculo Caixinha de Música para que eu possa oferecer à E.M Pedro Paulo Silva em Duque de Caxias que fez uma Sala de Leitura com meu nome. Iremos em março.O espetáculo é lindíssimo e estou muito feliz com o presente que recebí e vou passar adiante.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

RELATO MÁGICO

Andréa me conta que sua turma da E.M Municipal Barão do Amapá viveu uma experiência magnífica. Deixo o texto dela falar. Era para o texto ter saído numa publicação intitulada: No Chão da Escola: Um universo apaixonante lançado pela SME , mas infelizmente o texto não entrou. Assim eu o publico aqui no blog para deleite dos meus leitores. É a prova concreta de que basta um poema para mudar um mundo:
Descoberta

Com a sutileza de seus oito anos, Patrícia foi chegando na roda e dizendo:
Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa...
Patrícia havia tirado os versos da alma e oferecido a todos com entusiasmo, gesticulava e entoava a voz num ritmo encadeado pela emoção. A turma aplaudiu! A professora surpresa pelo fato da menina ter dito de memória, sorriu abertamente. _ É Drummond professora, desse livro aqui! Disse a menina enquanto corria até a carteira para pegar o livro meio surrado dentro da mochila. Era um exemplar da coleção “Literatura em minha casa” que a professora havia lhe emprestado na véspera.
Tomando de novo a palavra, Patrícia continuou: _É tia, eu também não vi o mar, não ouvi o barulho das ondas e nem sei como é o canto da sereia...
Estarrecida a professora quis saber mais: _Como assim não viu o mar? Esse bairro fica a 40 min. da praia de Copacabana, seus pais nunca te levaram? Patrícia fez um gesto negativo e baixou a cabeça. Fez-se um silêncio rápido e, em seguida, um menininho lá de trás disse baixinho: _ Eu também não vi o mar não, tia. _ Nem eu. Disse outro e mais outro... Em pouco tempo a sala de aula estava repleta de pequenos poetas sem mares a falar ao mesmo tempo.
A professora aproveitou o blá, blá, blá para refazer-se, nesse instante sentindo-se distante, se deu conta do abismo que a separava daquelas crianças que julgava conhecer tão bem, pois vinha acompanhando aquela turma há quase três anos. Tomou fôlego e disse: _Atenção, crianças! A sala encheu-se de silêncio e ela continuou: Eu os levarei para conhecer o mar! Essas palavras ressoaram dentro de si como uma promessa de amor... Um canto sagrado, um hino de louvor...
Novo blá, blá, blá agora mais intenso. A professora esqueceu o caderno de planos, naquele momento, levou as crianças para o quintal e embaixo da grande árvore, continuaram a conhecer-se pelas linhas da poesia de Drummond, leu todo o livro para a turma.
Não tinha a menor idéia de como conseguiria concretizar aquela promessa, fretar um ônibus não seria coisa fácil para ela, muito menos para os alunos, mas estava determinada, e tanto insistiu que conseguiu um patrocínio para financiar o passeio que não custou nada para os alunos.
Chegou o grande dia: os primeiros raios de sol emolduravam a cena, anunciando a formosura que viria. Ansiosa a professora foi a primeira a chegar, aos poucos e bem cedinho foram se juntando a ela, embaixo da velha árvore, todos os alunos, ninguém faltou. Seria um dia inteiro de diversão, ela tinha programado cuidadosamente o trajeto atentando para os mínimos detalhes: primeiro o contato com o mar através da praia de Copacabana, conheceriam a estátua de Drummond que fica no calçadão em seguida visitariam o Forte na mesma praia, depois fariam um passeio marítimo pela Bahia de Guanabara à bordo de um navio da Marinha e finalizariam o dia visitando Museu da Marinha.
O ônibus partiu na hora combinada, rumo ao primeiro ponto. Carinhas curiosas povoavam os bancos. Da calçada, chegavam jorros de bênçãos dos acenos das mães.
O mar despontou no horizonte, as crianças eufóricas viram aquela imensidão de água, não podiam imaginar que fosse tão grande, nada as segurava no banco, agitação total. Tudo era novidade para elas... Prédios, pessoas, biquínis, pranchas, quiosques, skates, turistas de outros países misturavam-se com aqueles pequenos turistas do lugar. No calçadão, um grupinho pediu para tirar foto com os surfistas que passaram por ali. A professora fez de tudo para convencê-los a se contentar em ficar na areia, em vão. Teve de permitir que molhassem os pés, seus olhos brilhavam, eles riam, pulavam, gritavam, catavam conchinhas e na areia moldada pequenas fantasias eram construídas. Muito bonito de ver...
Andaram mais um pouco pelo calçadão até chegar à estatua de Drummond, ficaram espantados com a obra... Muitas fotos tiradas na tentativa de eternizar aquela felicidade.
Patrícia, sempre ao lado da professora, não conteve as lágrimas. Alguns coleguinhas mais atentos, ao perceberem que ela chorava, perguntaram: _ Por que você tá triste? Ela respondeu: _Não é tristeza, é felicidade. Eu sabia que o mar era bonito, aprendi nas histórias, mas de perto, de pertinho, eu descobri que ele é cheio de poesia, tem movimento, cheiro, cor e sabor, é a continuação do céu aqui pertinho de nós,...
E tirando a voz do fundo do coração gritou: _ Eu vi o mar!
Andréa Lopes de Souza, a professora que acreditou em um sonho.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

UM CACHO DE BEIJOS

Publiquei meu primeiro livro, o Fardo de Carinho, em 1980. Foi muito difícil encontrar uma editora que ousasse publicar poesia. Elvira Vigna fez as ilustrações em bico de pena e finalmente o livro saiu. Depois foi reeditado pela Lê em 1986 com desenhos da Pat Gwinner e finalmente em 2009 a própria Lê fez um livro novo outra vez com a Elvira, mas um livro de arte, maravilhoso. Entrou no PNBE e já está na terceira edição.
Fiz os poemas para meu filho André que tinha 7 anos e hoje tem 42. São bem infantis e muito impregnados (ainda)do Ou Isto ou Aquilo da Cecília. Não é no primeiro trabalho que o poeta encontra a sua respiração, a sua voz. Mas os poemas, tão ingênuos, são atemporais e musicais.
Hoje dedico o poema abaixo para a minha irmã Evelyn Kligerman que se casa amanhã com seu grande amor da juventude , meu cunhado Luis, reencontrado. Eles estão radiantes, exalam felicidade e à sua volta espalham a poeira dourada do amor:

EU QUERO

Eu quero um cacho de beijos
para levar pra minha irmã
e também um quilo de nuvens
para a minha gatinha anã.

Quero um pedaço de arco-íris
para plantar um vaso de barro,
um pedacinho do azul do céu
para pintar o meu jarro

Estas coisas todas eu quero
e não sei onde comprar,
quem souber onde eu encontre
que venha me avisar...

in Fardo de Carinho, ed. Lê

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

AS PRAIAS DE AGNÈS

A memória é feita de fragmentos. Impossível uma memória linear. Os tempos se misturam dentro de nós, e o que fica são as vivências, não dias, meses ou anos. Os vivos se misturam com os mortos e todos estão vivos dentro de nossas memórias.
Ontem vi um filme belíssimo, As praias de Agnès. São as memórias da cineasta Agnès Varda por ocasião dos seus 80 anos. Ela nos mostra como o filme vai sendo criado, mistura fotos do passado, filmes e instalações maravilhosas no presente recriando algum momento deste passado. É uma lição de vida e de cinema.E foi incrível pescar este filme quando voltei da praia, às oito horas da noite. Fomos ver o sol cair no mar e quando saía da praia, por um momento, parecia que a casa dos meus pais ainda estaria lá, na rua atrás da praia, bastaria atravessar a rua, virar a esquina e encontraria todos na casa , minha mãe sentada no jardim, meu pai jogando cartas com os tios, minha tia Cecília cozinhando. Foi uma lufada que passou em segundos. Então ver o filme da Agnès Varda, que começa com uma cena de espelhos na praia, foi muito impactante.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

JABUTÍS

Tenho quatro jabutís no jardim. Nasceram aqui. A história começa com uma jabutí chamada Belinha que veio para cá de um apartamento no Leblon. Depois ganhamos um macho, o Céu, daqui mesmo. Então compramos um pequeno sítio no interior de Saquarema e nos mudaríamos para lá porque a minha necessidade de mato é insaciável. Marcamos a mudança e coisas inesperadas aconteceram. Desistimos de nos mudar pelo isolamento do sítio. Mas já havíamos dado o casal de jabutís, no sítio não havia muros e como eles são andarilhos iriam embora.
Algum tempo depois achamos alguns ovos enterrados no jardim. E nasceram seis filhotes do tamanho de uma unha. Perdemos dois. Agora os jabutís estão enormes Sou apaixonada por todos. Aqui é um habitat perfeito para eles. Todos os dias de manhã eles dão a volta no jardim. São como guardiães. As gatas gostam deles, ficam olhando. Então escreví um texto que sairá pela ed. Lê. Conto um pedacinho:

"Quatro jabutis
guardam o jardim,
leste oeste
norte sul,
como se guarda
papéis de seda
numa caixa azul:
com delicadeza.
.............................."

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ARTE DE NAVEGAR

Os dias aqui em Saquarema estão belíssimos. Todo azul é pouco para falar do azul. Mar e céu se misturam num estreito abraço. As manhãs são frescas mas as tardes derretem o corpo . Há que saber navegar no ar espesso do verão. Eugénio de Andrade ensina:

ARTE DE NAVEGAR

Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.


EUGÉNIO DE ANDRADE in Poemas de Eugénio de Andrade, ed. Nova Fronteira

domingo, 22 de janeiro de 2012

JANELA SOBRE UMA MULHER

Eduardo Galeano escreve no livro As Palavras Andantes um dos textos de amor mais belos que já li:

Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa casa serei habitado. Nela espera o vinho que me beberá.Muito suavemente bato na porta, e espero.

sábado, 21 de janeiro de 2012

SOL

Hoje vimos o sol nascer às 6:20hs. Um pouco antes o céu era uma aquarela em todos os tons de rosa e amarelo. O mar entre dourado, vermelho e azul. Instantes fugazes como poeira mágica, como são todos os instantes.
O dicionário me diz que a palavra persuasão é o ato ou efeito de persuadir, certeza fortemente estabelecida, convicção.
Leio em "Danúbio" de Claudio Magris:

A persuasão, escreveu, Michelstaedter, é a posse presente da própria vida e da própria pessoa, a capacidade de viver até o fundo o instante sem a obsessão frnética de queimá-lo rapidamente, de valer-se dele e usá-lo com vistas a um futuro que deveria chegar o mais rápido possível e consequentemente de destruí-lo à espera de que a vida, toda a vida, passe rapidamente. Quem não está persuadido consome a própria pessoa na espera de um resultado que sempre está por vir, que não é nunca. A vida como carência, continuamente aniquilada na esperança de que a difícil hora atual já tenha passado, para que tenha cessado a gripe, esteja superado o exame, seja celebrado o casamento ou registrado o divórcio, tenha acabado um trabalho, tenham chegado as férias e o laudo médico. Espera esperando/ que chegue a hora/ de ir-se embora/ para não mais esperar.

in Danúbio, Claudio Magris, Cia de Bolso.

Assim , penetro profundamente no instante, mergulho em seu vórtice e arranho o sol com as mãos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

APESAR

Apesar da destruição sistemática da Amazonia, apesar do BBB e do que faz com a mente das pessoas, apesar das horrorosas perspectivas para o planeta, apesar da fome na África, das guerras, apesar do Oriente Médio e da suposta bomba atômica do Irã, apesar dos ídolos de fumaça, apesar dos capitães que fogem do barco, apesar das ideologias e religiões que fazem do homem o animal mais violento do planeta, apesar da camisa de força que amarra milhões de mulheres pelo mundo, eu acredito na força da liberdade e do amor.

ESTRADAS

Nas estradas do ar
trafegam pássaros e sonhos,
e pensamentos
de mudar o mundo.
Nas entranhas do ar
pequenas partículas de amor
flutuam para que possamos
caminhar na terra como se fosse
no céu.

in Roseana Murray Poemas para Ler na Escola, ed. Objetiva

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

MEUS LIVROS NO JAPÃO

Enviei um pacote de livros para o Japão. Kats e Yuki, tradutores me escrevem: receberam ontem meus poemas e se encantaram particularmente com o livro Caixinha de Música. Vão tentar uma edição japonesa e só a tentativa já me deixa sonhadora, penso: meus poemas numa lingua que jamais entenderei! Mas a Marta, mãe da minha nora Dani, poderá ler os poemas para mim e navegarei em sua música estranha.

Recebí as canções que Alexandre Lemos, que não conheço, fez com alguns dos meus poemas . São lindas de verdade e é maravilhoso ouvir os poemas transformados.Agradeço imensamente.

Ontem meu neto Luis fez uma perfomance via skype com seu violãozinho e sua mãe no pandeiro. Ele , com dois anos e meio , já fingia que afinava o violão e dizia para a mãe como deveria tocar o pandeiro.Quando terminava ele pedia palmas. E pedia para ela cantar o sapo cururu.

O ano já se desdobra como um leque. Os trabalhos vão aparecendo no horizonte e eu , como toda viajante, estou sempre de malas abertas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EM CASA

Cheguei ontem à noite de Visconde de Mauá onde passei alguns dias com Felipe, Andréia e Cris, do nosso Clube de Leitura. O filho da Andréia, o Manú foi também, ele é fã de esportes radicais para desespero da sua mãe. Eles foram uma linda companhia.
Na minha casinha do bosque o mundo me chega de muito longe, um eco distante. Sem internet, jornais ou televisão flutuo numa outra dimensão. Mergulho dentro da natureza com muita intensidade. Li um maravilhoso livro de contos do D.H.Lawrence, O Cego e Outros Contos, terminei de ler O Monte do Mau Conselho do Amoz Oz e comecei a ler Danúbio de Claudio Magri. Não escreví nem uma linha. O último conto do livro do Amoz Oz é tão cortante, tão terrível e maravilhoso que vale por um ano de leituras. Fiquei muito impactada.
Hoje, quando acordei, uma neblina de algas cobria a casa. Mergulhar da montanha para o mar é uma experiência belíssima.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

EM MAUÁ

Agora sempre que venho para Visconde de Mauá, dou uma parada em Maringá para passar o dia no ateliê de cerâmica da minha irmã Evelyn. Adoro ver a Evelyn e o Luis trabalhando.
Agora espero meu filho me buscar e vou para a minha casinha do bosque, lá no sítio. Já passei no Bistrô das Meninas, um café-livraria muito simpático e me abastecí de livros.
Ontem fiz a aula na Escola de Culinária do André e amei. Fizemos quiches, saladas e sanduíches e finalmente aprendí a fazer uma quiche mais do que maravilhosa, parecia uma nuvem de tão leve. As saladas eram fantásticas e os vinhos também.O jantar durou horas, todo mundo comendo o que preparou, uma felicidade. E às 6hs da manhã o táxi me buscou. Subimos a serra com o dia começando numa paisagem indescritível de tão bela.
Lá no sítio não tenho internet, ficarei desconectada. Volto dia 18.Por favor, não se esqueçam de mim!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

VIAGEM

Vou hoje para Resende onde faço uma parada na Escola de Culinária Babel do meu filho André. Hoje à noite teremos uma aula Cozinhando para Os Amigos.A aula é engraçada, todo mundo cozinhando junto e depois é servido um jantar com tudo o que se cozinhou. Então na quinta subo às 6hs da manhã para Mauá. Receberei meus amigos Felipe, Andréa e Cris, professores de Duque de Caxias e participantes assíduos do Clube de Leitura. Estou super feliz com a visita deles.
Terminei o Diário da Montanha que escreví em Mauá ao longo de 10 meses num bloco de papel reciclado.É a primeira vez que vou sem o caderno dos poemas. Acho que me sentirei um pouco órfã, mas já comecei outro livro de poesia para criança e já tenho 15 poemas. Estou amando fazer este livro com uma pitada de non sense. Não existe prazer maior do que estar envolvida em um trabalho.
Ontem na Revista Terra saiu uma matéria maravilhosa sobre energia solar no deserto do Saara, sobre consumo. Recomendo. Parece que já existe no planeta a possibilidade de fazer tudo diferente. Basta mudar a mentalidade dos humanos.Não temos escolha. Há que mudar a nossa mentalidade consumista e predadora ou neste ritmo no futuro não haverá mais o que consumir, não haverá mais planeta.
Ficarei ausente por alguns dias, já que em Mauá não tenho internet.

Abro o livro Muitas Vozes do Ferreira Gullar. Ele me oferece este maravilhoso poema:

INFINITO SILÊNCIO

houve
(há)
um enorme silêncio
anterior ao nascimento das estrelas

antes da luz

a matéria da matéria

de onde tudo vem incessante e onde
tudo se apaga
eternamente

esse silêncio
grita sob nossa vida
e de ponta a ponta
a atravessa
estridente

Ferreira Gulla, in Muitas Vozes

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

AMARELINHA

Quando criança adorava jogar amarelinha. Era um jogo mágico e chegar ao céu valia qualquer esforço. Hoje, chego ao céu com bastante facilidade: basta uma flor, um entardecer, uma árvore, um pássaro, um poema... Na minha infância o céu era um lugar desenhado no chão. Hoje o céu é cada dia, é a vida.

AMARELINHA

Pulo amarelinha
com o tempo:
às vezes para a frente,
às vezes para trás,
zás-trás, rodopio,
mergulho no vento,
me reinvento, rio
adentro, mar afora,
a vida é agora.


in Carteira de Identidade, ed. Lê

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LIBERDADE RELIGIOSA

Durante a infância estudei em escola pública. Nasci numa família judia e meus pais pediram que eu fosse dispensada da aula de religião, que naquele tempo era matéria obrigatória. Eu ficava no pátio com outra judia da minha sala. Era horrível. Eu me sentia estranha, diferente, os colegas me olhavam quando eu saia da sala.No último ano meus pais me trocaram de escola, pois queriam que eu tivesse alguma formação religiosa, fui para uma escola judaica, Hertzlia.
Sou absolutamente contra qualquer tipo de aulas de religião em escolas públicas. Sou contra orações no começo da aula, no meio ou no fim. Explico: O Brasil é um país laico onde há separação entre Religião e Estado. A mistura de Religião e Estado é explosiva, perigosa.E cria constrangimentos como o que eu vivi na infância. Aula de que religião? Se for da religião católica onde ficam os judeus, muçulmanos, budistas, umbandistas, espíritas, evangélicos? No pátio, como eu ficava? E que oração se faz antes da aula? Uma oração cristã? Por que não um mantra hindu? Uma aula de determinada religião fere a liberdade religiosa que vigora no Brasil.
A questão religiosa deveria ser assunto mais do que privado, assunto de foro íntimo, como o sexo, o amor.A relação que cada um tem com o seu Deus, com o divino, o mistério, a espiritualidade é particular e pertence a cada um e não ao coletivo.Se os pais querem uma educação religiosa para os filhos existem escolas particulares para isso, onde a educação é paga. Educação dada pelo Estado tem que ser laica. Outra coisa seria o ensino da História das Religiões desde os primórdios do mundo, esta sim uma matéria interessantíssima, desde os ritos da pré história, passando pela Babilônia, Egito, Grécia, Roma, etc, etc, etc.

domingo, 8 de janeiro de 2012

TEMPOS DISTANTES

Recuperar a possibilidade de ir ao sítio em Visconde Mauá foi um dos maiores presentes da minha vida. Fiquei muitos anos sem poder ir por causa da coluna. A estrada era horrível e eu ficava destroçada. Com os exercícios ao longo do tempo fui me fortalecendo e apesar da instabilidade da coluna , hoje aguento qualquer dificuldade. Além disso asfaltaram a estrada.Compramos o sítio em 1976 quando a terra aí não valia nada. Abrimos a estrada com trator e mesmo assim era tão ruim que o jipe com tração nas quatro rodas atolava. Morei no sítio quando meus filhos eram pequenos e voltei a morar quando me separei, na década de 90. Morei com meu filho Guga por um ano e meio. Tínhamos um amigo filósofo que morava na Serra Negra e vinha nos visitar a cavalo com sua cachorra Josie, uma mistura de labrador com a nossa São Bernardo. Eram quatro horas de cavalgada. Naquela época o sítio não tinha luz, telefone, internet, celular, nada. Então fomos obrigados a desenvolver um sistema telepático com o Léo. Era assim: eu acordava algum dia com a sensação no corpo , uma sensação muito forte, de que o Leo viria. Guga sentia a mesma coisa. Ou eu ou o Guga dizíamos: "O Leo vem." Então eu fazia bolo de fubá e o esperávamos. Ele chegava sempre ao entardecer. Josie, sua cachorra, chegava primeiro.Naquela época as visitas vinham para passar alguns dias e o Leo ia ficando. Era um grande conversador.Nunca a nossa telepatia falhou. Fiz um conto com a história, está no livro PEQUENOS CONTOS DE LEVES ASSOMBROS, ed. FTD.
Os anos se passaram e nos afastamos. Mas sei que ele continua lá na Serra Negra. Sei que a Josie morreu. Hoje o sítio não está mais tão isolado e com o advento dos celulares não sei se o meu sistema telepático continua funcionando tão bem assim.

sábado, 7 de janeiro de 2012

O DIÁRIO DA MONTANHA

Passei quase um ano escrevendo os poemas do Diário da Montanha. Entreguei o original para a Bia , minha editora da Manati, com muito medo. E se A Bia não gostasse do resultado final? E se a Bia desistisse?
Transcrevo a maravilhosa resposta da Bia. O livro sairá em abril. No começo de maio vou para a Europa e já poderei levar meu livro novo para Granada, para o meu filho. Sonho com o lançamento em Visconde de Mauá onde o livro foi escrito. No ateliê da minha irmã Evelyn, com um coquetel do Babel, oferecido pelo restaurante do meu filho André. A Evelyn produzirá um pequeno azulejo para quem comprar o livro. Sonho com um violino tocando, pois no livro falo de ancestrais e eu tinha um tio na Polonia que tocava violino e isso me remete ao Chagall e ao Violinista no Telhado do escritor Sholem Aleichem. Adoro pensar em como os textos se entretecem.

Na véspera de Natal,
Quando o Rio de Janeiro fervilhava... nos shoppings
movido pela cega pulsão de consumo
Quando as ruas começavam a se esvaziar
Depois de dias de neuroses
coletivas e individuais totalmente engarrafadas
Quando as pessoas tentavam, em vão, engolir o nó da angústia pelos encontros, desencontros e perdas das famílias que em breve encontrariam por uma obrigação que há muito perdeu o sentido
Quando as crianças dos trópicos sonhavam com um senhor de barba, gordinho, simpático, de olhos azuis, que desceria pelas chaminés que não existem, em meio à neve que jamais caiu, para trazer quem sabe os prêmios por vários meses de chantagem
Pedi ao meu marido um presente de verdade para mudar de canal energético:
Várias horas de passeio pela floresta, na montanha onde um dia moramos
Aqui no quintal suspenso do Rio de Janeiro.
Gritos de alegria misturados ao canto das aves
Sorrisos sinceros trocados pelos poucos humanos que também preferem à terra ao asfalto
Um farto abraço na árvore que atravessa os séculos esperando por mim e não sabe o que é Natal
Uma pausa para descansar e tomar um refresco no riacho geladinho e límpido que corta a trilha da Cachoeira das Almas
Uma espiada na Cova da Onça
E um encontro com o azul esvoaçante do mirante do Excelsior para fechar como um laço de fita mágico o meu presente de Natal.

Voltei à cidade, dividi um pouco da energia e do amor do meu presente com pessoas queridas, voltei ao batente, virei o ano lavada de chuva, e agora, DIA DE REIS, chega, pelos fios óticos da internet, o maior de todos os presentes:
O DIÁRIO DA MONTANHA, um livro original da Roseana (Murray), minha amiga-irmã, dedicado a mim.
Voltei à floresta da montanha suspensa por uma breve eternidade.
Em mais algumas semanas, o livro deve sair editado pela Manati, e então terei a alegria selvagem de compartilhar com todos vocês a poesia da montanha e o presente do DIA DE REIS. Quem quiser me acompanhar pode ir preparando a mochila para o passeio!Ver mais
De: Bia Hetzel

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

MAPAS

Gosto de mapas, não os verdadeiros, mapas imaginários. Gosto de imaginar o que já foi, o que já houve. Lugares que existiram e que hoje são apenas memória. E há o mapa do corpo, o mapa dos afetos, o lugar que cada pessoa ocupou ou ocupa em nossas vidas.
Em 2002 publiquei o livro Poesia Essencial, pela ed. Manati. É uma antologia. Eu havia escrito o livro As Cidades e a Casa, em Madrid, em 1998. Oferecí o original mas a editora quis ver mais. Eu tinha também um inédito, Caravana, que havia ganho o concurso Cidade de Belo Horizonte, com um prêmio em dinheiro , mas sem publicação. E tinha um livro Paredes Vazadas, esgotado. Mostrei tudo e as minhas editoras escolheram misturar . Hebe Coimbra fez a seleção.

MAPA

me toque assim
em voo rasante
como a chuva
que se aproxima
o vento entre
as dobras da chuva
abrindo as janelas
do sótão

me toque assim
a ponta dos dedos
tirando a poeira
de tantos séculos
de luz mortiça

me toque assim
como o último pássaro
do mundo
engole o sol
e adormece no mar

me toque debaixo da pele
ali onde dormem
gerânios esquecidos
onde o sangue é mais
leve
e as lembranças
fazem cem vezes
o mesmo caminho.

in Poesia Essencial, ed. Manati

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O RELÓGIO

Faz muito tempo comprei um relógio em oito num antiquário em Teresópolis para o aniversário do Juan. Juan sonhava com um relógio assim. Ele está na parede da sala e há que dar corda todos os dias. Ele toca as horas, às vezes fica rouco. É muito antigo mas suas engrenagens estão perfeitas. Mesmo assim, às vezes enlouquece, mas quem se importa, o tempo está sempre escorrendo. Juan cuida do relógio como se fosse vivo e enquanto gira a pequena chave, a casa fica solene e parece que tudo é para sempre.

O RELOJOEIRO

Mal raia o dia
o relojoeiro se debruça
com sua lupa
sobre o coração dos relógios.

Com suas mãos delicadas
apalpa, escuta
o sono encantado do tempo.

Para ele os relógios estragados
são como pequenos pássaros
adormecidos.

Quando um relógio fica bom,
o relojoeiro suspira.

in Artes e Ofícios, ed. FTD

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A MORENA DA ESTAÇÃO

Angela, membro do Clube de Leitura da Casa Amarela e leitora do blog, comprou o livro A Morena da Estação do Ignacio de Loyola Brandão, indicação do blog. A história que dá título ao livro daria um filme! É belíssima.
Kats e Yuki, meus amigos japoneses virtuais, tradutores, me escrevem contando que compraram El Jinete Polaco do Muñoz Molina que indiquei no ano passado. Infelizmente El Jinete Polaco não está traduzido para o português, que eu saiba. Mas é um livro impactante, maravilhoso.
Dividir livros é um dos maiores prazeres da vida. Dividir histórias, o olhar do autor, seus pontos de vista, sua escrita. A cumplicidade que o amor por um livro cria entre duas pessoas é imensa, pois fala de coisas mais profundas.
Encomendei ontem o último livro do Amoz Oz, O Monte do Mau Conselho e espero ansiosamente a sua chegada. Há uma certa beleza em esperar o correio. Eu e Juan namoramos por quase dois anos através de cartas. A menina do correio lá no Rio Comprido já me conhecia. Ela sabia que eu era poeta, não me lembro como. Deve ter visto eu colocar algum livro meu numa caixa de sedex para o Juan. Um dia, ao levar a carta do dia, ela me pediu:
_ Por favor, faz um poema agora para mim. É aniversário do meu namorado!
Um dia, no metrô do Rio, na década de 90, uma mulher jovem lia Os Doze Contos Peregrinos do Garcia Marquez. Desejei aquele livro tão ardentemente que me doeram os ossos. Ganhei o livro de presente. É impressionante a força do desejo!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

DE MARINGÁ PARA SAQUAREMA

No próximo encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela receberemos um casal que virá de Maringá, no Paraná. Maristela e Wagner souberam dos nossos encontros através do blog , já compraram o livro O Cerco de Lisboa, do José Saramago e dia 11 de fevereiro estarão aqui. Ficarão hospedados na Pousada do Luis e da Sandra, Farol de Saquarema, ao lado da nossa casa. Luis e Sandra são adoráveis, os melhores vizinhos do mundo . Luis é engenheiro eletricista e embora já não trabalhe mais com eletricidade , várias vezes nos socorreu. Pagamos com tortillas espanholas, ele é louco por tortillas.
Li o livro O Cerco de Lisboa , que será discutido em nosso próximo encontro, na década de 90, eu acho. Faz muito tempo. Tenho as melhores recordações do livro, duas histórias de amor entrelaçadas , um sim e um não que mudam a História. A primeira vez que tive um contato real com a cultura árabe foi em Sevilha. Ao desembarcar, eu vinha da Alemanha, um cheiro fortíssimo de laranja me invadiu, Sevilha entrava assim por todos os meus poros. À noite, sozinha no quarto do hotel, eu não aguentava sair por causa das dores na coluna (estava ainda muito mal por causa da cirurgia recente de hérnia de disco), ouvi uma saeta como a do disco Concertos de Aranjuez do Miles Davis. Palácios, ruelas, a Giralda, fui jogada num tempo em que os árabes eram os senhores da Espanha. E se não tivessem perdido a guerra? Sobre isso nos fala Saramago. Antonio Muñoz Molina tem um livro belíssimo sobre Córdoba que nos dá a dimensão do que foi esta época.
Nosso Clube já recebeu algumas visitas de outros estados e até da França e Portugal. Ainda temos vagas , nossas portas estão abertas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

SEMPRE DE NOVO

Chove muito. O dia está para ler poesia. Abro um livro do Rilke ao acaso, como gosto de fazer com os livros de poesia. Ele me oferece um belo poema de amor:

SEMPRE DE NOVO

Sempre de novo, mesmo conhecendo a paisagem do amor
e o pequeno cemitério com os seus nomes comoventes,
e o abismo, terrivelmente mudo, onde os outros
terminaram: sempre de novo saímos, a dois,
sob as velhas árvores: deitamo-nos, sempre de novo,
entre as flores e de frente para o céu.

Rainer Maria Rilke
Tradução Karlos Rischbieter, ed. Posigraf


Sempre de novo fazemos as mesmas coisas, os mesmos gestos, falamos as mesmas palavras: estamos vivos.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O PRIMEIRO DIA DO ANO

Chove no primeiro dia do ano de 2012. Uma chuva mansa, musical. As plantas cantam de felicidade, se ficarmos em silêncio absoluto, podemos ouvi-las.
Ontem eu e Juan preparamos um jantar só para nós dois com os presentes que recebemos dos amigos:
Uma champagne Moet et Chandon , presente do Hélio e Fernando
Bruschetas com as alcachofras em conserva, que Angela, que vive em Casanova Staffora,Província de Pavia, numa comunidade na Itália, nos trouxe.
Folhas de presunto Pata Negra que Maite, da Ed. Maeva nos enviou dentro das páginas do maravilhoso livro Mujeres Admiradas, Mujeres Bellas , da série de livros ilustrados sobre mulheres. O presunto veio como um viajante clandestino.
Uma pasta negra italiana , artesanal, feita com tinta de lula: linda
Pesto que fizemos com manjericão da horta e queijo Parmeggiano Reggiano que também nos trouxe Angela. Este queijo é fabricado desde 1.300!!!
A sobremesa veio da Espanha pelas mãos de Boni e Alícia, que vivem nas Canárias: um turrón maravilhoso, feito com amêndoas escolhidas. É nítida a sua influência árabe.

Depois do jantar fomos para a rua. Pusemos duas cadeiras na calçada. Parecia uma procissão: centenas de pessoas passavam caminhando para a Vila. Da porta de casa assistimos a queima de fogos na Igreja, de longe a pequena igrejinha iluminada de verde, de 1630, parecia feita de sonho. Havia uma poeira de chuva.

E assim , todos os dias a vida recomeça. Hoje, no primeiro dia de 2012, farei o que faço todos os dias: arrumo a casa, cozinho, leio, contemplo, escrevo, amo.