Ontem, antes de sairmos do hotel, atenderam ao nosso pedido e trocamos de quarto, ou melhor de vista: agora nosso balcão dá para um pequeno canal por onde passam as gôndolas e do quarto ouvimos seus cantores. É maravilhoso.
Do nosso Campo del Giglio, depois de farejar o ar, decidimos ir para a Fondamenta Nuove, o bairro amado por Joseph Brodsky, o poeta russo. É um lindo passeio. No caminho para São Marcos entramos na Galeria Contini , há uma exposição de Igor Mitoraj, escultor polonês que faz uma releitura das esculturas da antiguidade. Trabalha com mármore branco. Não gostei. Apenas uma me tocou, parecia um caracol gigante,
Para ir a a Fondamenta Nuove há que seguir em direção a Rialto e isso quer dizer multidão. Mas de repente, como num milagre, depois de subir e descer escadas e passar por muitas pontezinhas, antes de chegar a Rialto, viramos à direita e já a rua é vazia, suas lojas são simples e é como se saíssemos de um filme e entrássemos em outro.
Desembocamos no Campielo Bruno Crovato. Há um bar no Campo e todos os que estão sentados são venezianos.
Depois chegamos ao Campo S.Maria Nova. Não é um Campo mas sim uma praça maravilhosa, senhoras e senhores sentados nos bancos , de um lado da rua há um antiquário e do outro uma loja esplêndida de carnaval. Logo ali ao lado há um Campo bem pequeno com seu poço e vejo a data: é de 1.800.
Numa ruazinha que sai da praça vimos uma exposição de fotografias num estúdio de arquitetura. A Mostra faz parte dos eventos paralelos da Bienal que privilegiam a arquitetura, pensam as cidades.
A exposição tem o belo nome de Città Africane in Movimento e são muitos fotógrafos. É belíssima a exposição.
Estamos na Veneza de dentro. Amamos este bairro tão simples, nenhuma suntuosidade, mas o silêncio dos canais.
No Campiello del Pestrin há um restaurante tipicamente veneziano onde vão comer os trabalhadores locais, os gondoleiros : Trattoria Cea.
Quando chegamos estava abarrotado e o movimento era magnifico , uma dança de pratos e jarras de vinho, cestas com pães para lá e para cá. As mesas são coletivas e nos sentamos finalmente, depois de alguma espera, ao lado de três trabalhadores.
O Menu do Dia, composto por três pratos por 16 euros, era magnífico. Comi uma pasta a la rabiatta, um prato de cogumelos frescos, uma lula em sua tinta com polenta branca, a polenta veneziana. O pão bem camponês, bem tosco, como adoro. Meio litro de vinho da casa.
A senhora que servia era super paciente ,nos explicou cada prato e conhecia todos e beijava todo mundo. Perguntei e ela me respondeu: todos os dias há um menu diferente. Mas a Fondamenta Nuove fica longe, impossível comer lá todos os dias, infelizmente.
Ao sairmos havia uma loja fechada, parecia uma exposição permanente, e a sua vitrine era de enlouquecer. Ali havia sido , isso eu entendi, uma antiga tipografia, que neste ano completava 500 anos. Era a tipografia de Aldous Manutius e a data: 1515.
Como sei que a Fondamenta Nuove foi destruída e refeita, não sei se nestes quinhentos anos sempre esteve no mesmo lugar..
Na vitrine podemos ler e a autoria é de Di Francesco di Ser Bernardone:
" Chi lavora con le mani è un operaio. (Quem trabalha com as mãos é um operário)
" Chi lavora con le mani e il cervello è un artigiano" (Quem trabalha com as mãos e o cérebro é um artesão)
" Chi lavora con le mani, il cervello e il cuore è un artista" (Quem trabalha com as mãos, o cérebro e o coração é um artista)
A arte da tipografia , com todas aquelas peças e engrenagens maravilhosas está em franca decadência.
Somos espectadores de um novo mundo.
E hoje no café da manhã , nos jornais que vejo no balcão em frente , me dizem que a cidade de Palmira, na Siria, caiu nas mãos do grupo islâmico Isis que já deve ter destruído tudo na região que foi o começo do mundo e da civilização .
No N.Y Times, na primeira página está estampada a violência do Rio de Janeiro.
Mas estou em Veneza e por aqui se caminha pelas ruas sem medo nenhum. Não se ouve falar em roubos ou facadas.
Aqui mergulho o corpo e a alma na beleza mais absoluta.
sexta-feira, 22 de maio de 2015
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