Ontem ao ultrapassar a porta do hotel fomos recebidos por muita chuva, muito frio, um dia horroroso, escuro, nada promissor.
Decidimos andar por dentro da Academia, seus pequenos canais maravlhosos.
Entramos na Igreja de San Trovaso, fundada no século VIII e reconstruída nos séculos XI e XVI. Dentro as obras de Tintoretto, Giambono, Maestro di San Trovaso, etc, não estavam iluminadas e a Igreja estava muito escura, a emoção era saber que numa igreja sem nenhum fausto os maiores pintores da época aí deixaram seus tesouros.
Ao lado do Sotoportego Calle Balastro encontramos uma feirinha que era uma joia, na beira do canal. A maneira como arrumam os legumes e as verduras é a mesma com que um pintor arruma as suas tintas. E então tenho que falar das vitrines, verdadeiras obras de arte. Nada é deixado ao acaso, são verdadeiras instalações. E tenho que falar das embalagens, parece que na Itália a beleza é o ar que se respira e o que é feio fica bem escondido.
Passamos por uma casa onde trabalhou Modigliani e podemos ler:
" Da Venezia ho ricevuto gli insegnamenti più preziosi nella vita;
Da Venezia sembra di uscirmene adesso come accresciuto dopo un lavoro" Modigliani, 1905
De Veneza recebi o ensinamento mais precioso da minha vida; De Veneza parece que ao ir embora agora, estou maior depois de um trabalho.
Quando Modigliani diz "adesso" , agora, o tempo é abolido e estou na sua porta, estou em 1905 .
Chovia tanto que o grande desejo era estar dentro de algum lugar seco e quente. Mas passeamos pelo zattere, o calçadão da Academia de onde se pode ver a Giudecca lá do outro lado.
Quando os sinos bateram as doze horas entramos no primeiro café que encontramos, numa ruazinha de dentro para a minha taça de vinho.
Paolo, nosso amigo garçom, nos recomendou muito um restaurante napolitano que fica no Campo S.Angelo e se chama Acqua Pazza . Adorei o nome, água louca e calculamnos o tempo para chegar lá às 13.30h.
Realmente é um restaurante impressionante. E dedico este almoço ao meu filho André, Chef do Babel em Visconde de Mauá. Pedimos de entrada flores de abobrinha .Mas antes como cortesia da casa trouxeram uma entrada belíssima, uma bruschetta, um bolinho de macarrão com queijo e alguma verdura empanada. As flores de abobrinha com queijo derretido dentro são o bilhete de entrada para o paraíso. Eu pedi um gnocchi que não era de batata, mas sim de trigo sarraceno e Juan um risoto de espuma de limão. Cada gnocchi parecia uma moeda grande com molho de tomate (o molho de tomate na Itália explica o nascimento do mundo) com manjericão.
E de sobremesa pedimos um tiramisù , parecia uma espuma de chocolate amargo e café.
No final da tarde fomos para a Praça São Marcos. Já não chovia. Neste percurso do hotel até lá, há a maior concentração de grifes famosas do mundo, certamente. Suas vitrines são belíssimas e os preços estonteantes . Será que alguém paga mais de mil euros por um vestido? Todas as lojas são maravilhosas.
Cada vez que se entra na Praça se perde o fôlego de tanta beleza. Nos sentamos no Café Lavena, aberto desde 1750. Os Cafés da Praça são absolutamente decadentes, mas para mim há muita beleza nesta decadência.
Eu me sentei de frente para a Igreja e o leão alado e dourado enchia meus olhos. Os anjos falavam comigo. A Igreja fulgurava, ardia em todos os tons de dourado. Acho que não existe nenhuma praça mais bonita no mundo.
A pequena formação de músicos tocava umas três ou quatro músicas e parava para que os músicos do café ao lado pudessem tocar. A praça estava quase vazia, pois os milhares de turistas que são despejados diariamente em Veneza pelos Cruzeiros a essa hora já estavam longe, em seus navios.
Há em Veneza a máfia dos cruzeiros. Um acordo de cavalheiros corruptos entre os políticos , os donos dos navios, o comércio local.
Veneza possui apenas cinquenta mil habitantes. São os turistas que alimentam a ilha . Mas não sei o que compram ou deixam aqui estes grupos imensos. Pouca coisa, eu diria. Mas eles são o deleite dos gondoleiros.
Hoje vamos tomar um barco e caminhar na Giudecca para ver a vista de Veneza lá do outro lado. É como ver o Rio de Janeiro de Niterói.
Da minha janela, enquanto escrevo, ouço os sinos que agora batem as horas para que caiam no precipício do tempo em todos os tons de grave e agudo. Ouço as gaivotas e as vozes das pessoas que cruzam a ponte do pequeno canal onde está debruçado o pequeno balcão do nosso quarto.
domingo, 24 de maio de 2015
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