quarta-feira, 30 de março de 2011

RIO DAS OSTRAS

Amanhã vou bem cedinho para Rio das Ostras e não poderei escrever. Depois conto. Hoje o dia está sendo magnífico, é o dia do André, meu filho. Estarmos todos juntos é tão raro e tão bom. Como Violeta Parra, digo: Gracias a la vida, que me ha dado tanto...

ABRIL

Que o mês de abril que já espera na porta traga em sua bolsa lindas noites e dias, amores, que se dissipem as guerras, as nuvens radioativas e o pólen da amizade e delicadeza cubra todas as coisas grandes e pequenas, invada os corações.

terça-feira, 29 de março de 2011

CASULO

Hoje a nossa mesa do almoço estava cheia e lindíssima: André, meu filho e Dani, minha nora, Evelyn, minha irmã e Luis, seu noivo, Samuel e Vanda, nossos caseiros, eu e Juan. Juan fez o almoço: uma receita de Granada, muito árabe, cheia de especiarias, se chama gallina a la pepitoria. Juan cozinha muito bem e suas comidas são como ele: exóticas, surpreendentes. A casa está cheia e alvoroçada, os passarinhos cantam mais alto no quintal, também desfrutam das visitas. Dia 31 eu, Evelyn e Luis vamos para Rio das Ostras, rumo ao Colégio Casulo. A Professora Zilma cuida de todos os detalhes. Evelyn vai dar uma oficina de cerâmica com meu livro Manual da Delicadeza e eu vou conversar com meus leitores e à noite participo de uma mesa redonda para professores e pais. Gisele, minha taxista-fiel-escudeira vai nos apanhar às 6hs da manhã. Já sei que vamos rir a viagem inteira com as histórias da Gisele. Ela mora em Inoã, aqui perto e em 450 metros quadrados tem galinhas,patos, galinhas d'angola, perus, gatos, cachorros e um lago com peixes. Sábado, minha caseira Vanda faz uma feijoada para inaugurar seu fogão de lenha e a calçada, já que a rua acaba de ser pavimentada e cada morador faz a sua calçada. Convidamos os rapazes do correio, eles são o supra sumo da delicadeza, sempre me recebem com muita alegria. Acho que a festa estará animada.

segunda-feira, 28 de março de 2011

ANDRÉ

No dia 30 de março de 1969 nascia meu filho André em Juiz de Fora quando eu tinha 18 anos. O Brasil estava imerso em trevas, eu ainda não escrevia nada, fazia o último ano do Clássico e os jovens acabavam de incendiar Paris com suas novas idéias. Passei momentos difíceis pois tive infecção hospitalar e fiquei oscilando entre a vida e a morte. Escolhí a vida e desde então André tem sido meu sol com sua alegria amarela. Somos amigos de todas as horas e André me entende sem que eu precise falar. Hoje André e Dani, minha nora oriental, chegam a Saquarema para festejarmos seu aniversário no dia 30. Amanhã chegam Evelyn e Luis e a casa , como num quadro do Chagall ou num poema do Jules Supervielle, flutuará no céu.

domingo, 27 de março de 2011

CHICO E LUA

Chico é branco, Lua é preta. Chico é gordo, Lua é magra. Ele é extrovertido, ela é lunar. São tão apaixonados que se beijam despudoradamente no meio de todos. Lua cuida do Chico com desvelo e são absolutamente inseparáveis. Chico e Lua são modernos, ele fez vasectomia para que Lua não engravide . Namoram à vontade. Chico e Lua são dois adoráveis labradores e foram as estrelas do nosso almoço de ontem na casa dos amigos Nelson e Alba. Chico conhece cada membro da família pelo nome e ficou o tempo todo tomando conta das nozes e amendoins , pois é um grande glutão. Num momento em que todos olhavam para o mar, ele se aproveitou e zapt, engoliu um monte de amendoins. Alba e Nelson são anfitriões maravilhosos e a casa é tão bela que parece existir numa outra dimensão. Ontem o azul do mar era safira e a luz do outono pousava com delicadeza em todas as coisas.

sábado, 26 de março de 2011

100 ANOS

Ontem vimos um documentário belga sobre a velhice de um modo geral, mas com o foco nos centenários. Numa pequena cidade da Sardenha, bem perto do campo, há muitas pessoas com 100 anos ou mais. Ainda trabalham no campo, estão lúcidas e felizes. Os de oitenta anos parecem ter sessenta. A receita é uma conjunção de fatores: a genética, alimentação saudável e frugal, atividade física . Uma senhora de 99 anos, na Bélgica deu uma linda entrevista: mora sozinha, é lúcida, antenada e além de fazer tudo em casa, ainda decora vidros para vender e a renda reverte para a Cruz Vermelha. A sua receita: um cálice de vinho tinto todos os dias, leitura, interesse pela vida e pelo outro. Fomos até a sua festa de 100 anos e ela estava feliz e linda. Cada vez mais as pessoas chegarão aos 100 anos e certamente ter interesse pelo mundo e pelo outro é fundamental , ler é fundamental , amar é fundamental.

sexta-feira, 25 de março de 2011

CAMINHADA

Todos os dias, de manhã bem cedo, o Juan ,meu marido, caminha 2 horas e me conta: encontra sempre as mesmas pessoas, são como uma tribo, todos se conhecem, dizem bom dia bem alto, cheios de uma energia matinal e passa o trator que limpa a praia e os garis gritam, oi seu Juan e ele volta para casa cheio de uma felicidade transbordante, com os olhos cheios de sol e mar. Eu não posso ir, pois tenho limites severos para caminhar, mas como aprendí a lidar com os limites, já não fico triste, deixo que a felicidade do Juan me inunde também.

Ontem recebí uma mensagem engraçada do editor do livro Luna,Merlin e Outros Habitantes. Para me contar que o livro está pronto, ele escreveu um poema com o nome de todos os bichinhos que habitam o texto! Amo este livro , tão antigo e que agora ganha uma nova vida. Custei anos até encontrar a forma de dizer o que eu queria dizer: a relação com os bichos que passaram por nossas vidas. Caó Cruz Alves, que fez as ilustrações, também é um amigo muito de antigamente, e eu não vi ainda as suas ilustrações, mas tenho uma confiança cega no lirismo do Caó. Enfim, aguardo o novo livro com grande alegria.

quinta-feira, 24 de março de 2011

ONDE OS CONTRÁRIOS SE ENCONTRAM

Leio um livro do escritor espanhol Antonio Muñoz Molina, "Ventanas de Manhattan". Ele descreve os mendigos que vagavam por Nova York nas década de 80 e 90 e que depois do desastre das Torres Gêmeas retornam, os homeless, os vagabundos envoltos em farrapos e que acumulam tudo o que a sociedade rejeita, restos, papéis, garrafas, latas, carregam sacas imensas, envoltos em um cheiro insuportável e se algum destes mendigos olhar para cima, pode ver as janelas dos apartamentos dos multimilionários em Park Avenue ou na Quinta Avenida e seus habitantes também acumulam seus tesouros sem escrúpulos nem vergonha. As duas pontas se tocam num furor acumulativo e sem sentido.

A editora Objetiva me pede uma biografia pequena e atualizada para o livro que sairá em julho. É muito difícil contar a minha vida em 3 linhas. A única coisa importante é misturar a vida e a poesia de uma tal maneira que não se pode dizer onde termina o poema e começa a vida. Às vezes nem mesmo é preciso escrever o poema.

quarta-feira, 23 de março de 2011

EGITO

Ontem vimos na TV Alemã um documentário emocionante sobre a revolução no Egito. Foram quatrocentos mortos, uma canção e um slogan: "Egípcios, levantemos a cabeça" . Uma revolução feita por jovens, com palavras e esperança. Mesmo com o exército matando, os jovens não abandonaram a praça. Temos que pensar na função das praças, local de encontro e confraternização desde os tempos mais remotos. Encontros e também desencontros, trocas, descobertas. Minha infância foi iluminada por uma linda praça , no bairro do Grajaú, no Rio de Janeiro, a Praça Edmundo Rêgo. Não sei quem foi este senhor e acho que as praças deveriam ter nome poéticos e não de pessoas, por exemplo, Praça da Lua Cheia, Praça do Vagalume...A praça era minha e era mágica e saber que ela estava a um passo da casa me ajudava a suportar momentos difíceis. Um dia fugi sozinha para a praça, tinha quatro anos e nem imagino o susto que todos passaram. Às vezes só voltava da praça quando a noite já havia caído e olhava para o céu e a lua me seguia. Ficava orgulhosa, a lua me amava. São lembranças muito antigas, quase as primeiras.
Agora, no Egito, todos sabem que é preciso estar atento, vigilante, pois o ditador caiu, mas toda a sua equipe continua no poder. Há que construir a democracia passo a passo, lentamente. Desde os Faraós, o Egito nunca escolheu seus governantes. O que os egípcios querem deveríamos querer também: o fim da corrupção, dignidade para todos. Leio estarrecida : assim que o Presidente Obama virou as costas, o lixo voltou a inundar as ruas da Cidade de Deus. A limpeza das ruas foi apenas para receber o Presidente e sua família.

terça-feira, 22 de março de 2011

PACOTE

Ontem recebemos junto com o outono, um pacote do Japão, dos nossos amigos Kats e Yuki. Havia um livro de fotos de neve e gelo, um livro de fotos da natureza no entorno da cidade de Nara, 3 CDS e uma carta explicando os presentes e a maneira como os japoneses sentem a natureza. Nossos amigos dizem que os japoneses ouvem a natureza como música, com os cinco sentidos. Ouvimos apenas o primeiro CD e é belíssimo, não se parece em nada com os nossos CDS de new age. São sons estranhos que acordam e aguçam a alma, são sons penetrantes . A música nos leva para paisagens totalmente desconhecidas. O que mais nos emocionou foi o envelope. Imagino nossos amigos preenchendo o envelope poucos dias antes da tragédia, quando a vida seguia normalmente seu curso, sem adivinhar a grande onda de destruição que varreria o Japão. Imagino o percurso até o correio, as horas escoando rumo ao desastre. Sonho receber um dia nossos amigos em Saquarema para poder retibuir um pouco tanta delicadeza,

segunda-feira, 21 de março de 2011

BORGES E O JAPÃO

No livro de entrevista com Borges, de Roberto Alifano, Borges evoca sua viagem ao Japão e as impressões que tem do país e do povo . Ele fala da cortesia das pessoas, que é o que mais nos assombra hoje: não há saques, nem revoltas, apenas gentileza e educação. Não vou traduzir, me falta coragem:

_ Ese rasgo que usted señala se da a través de la cortesía de la gente?

_ Sí, esencialmente a través de esa cortesía, de esa asombrosa cortesía. Recuerdo que visitamos la gran imagen del Buddha de casi treinta metros de altura, con un rostro terrible, y un turista que se encontraba en el grupo al qye yo acompañaba, un turista americano, preguntó al guía: _" Esta imagen es de madera, verdad? " Y el guía le contestó: _ " Sí, señor, es de madera." Otro turista, que conocía la cortesía japonesa, comprendió que la pregunta había sido mal formulada. Si uno pregunta " Esta imagen es de madera? " uno está sugeriendo la madera, por lo tanto el interlocutor no lo contradice, ya que el contradecir a alguién no cabe en esta cultura. Después de un tiempo prudencial, el otro turista reformuló la pregunta: " De qué está hecha la imagen del Buddha? Y el guía respondió : " De bronce, señor".
Es decir , la pregunta se había hecho dejando abierta una libertad para su respuesta.

Desconhecemos esta delicadeza no Ocidente.

domingo, 20 de março de 2011

VELOCIDADE

Como acompanhar a velocidade dos acontecimentos do mundo? Dormimos com verdades estabelecidas, " a democracia não é um regime compatível com o mundo árabe" e acordamos com as praças e ruas árabes fervilhando de jovens, velhos, mulheres, pedindo democracia. Dormimos com X guerras em andamento no planeta e acordamos com mais uma guerra de duração desconhecida. Aliás, as guerras não deveriam nem começar, mas quando começam nunca sabemos quando vão terminar. Dormimos com X Usinas Nucleares funcionando normalmente e com a crença de que elas seriam a saída energética para o planeta e acordamos com Fukushima. Nosso inconsciente não precisa fabricar pesadelos, é o cotidiano que os fabrica e não temos a dádiva de poder acordar no meio.
Deveríamos caminhar para um governo mundial onde ditadores não seriam permitidos e se os governantes não governassem para o bem estar de todos, seriam automaticamente destituídos. As riquezas pessoais dos governantes teriam que ser monitoradas com lupa, e toda sobra de um país deveria ser investida num país mais pobre. Todos os países ofereceriam condições de vida de tal maneira, que ninguém precisaria emigrar para poder viver, as pessoas sairiam dos seus países só por espírito de aventura. E por último: os países não teriam fronteiras, já que somos todos habitantes de um mesmo e ameaçado planeta.

sábado, 19 de março de 2011

MEL

Tivemos muitos cachorros e cadelas no sítio em Visconde de Mauá. Mel foi deixada no sítio por sua dona que se mudou para São Paulo. Ela já era adulta, mas se adaptou muito bem. Que eu me lembre, Mel já existia no começo da década de 90. Talvez Mel tenha vivido uns 20 anos, uma raridade. Quando meu filho André Murray foi morar em Mauá, minha nora Dani Keiko se apaixou pela Mel e a adotou completamente. Dani a defendia com unhas e dentes, já que ela era doce e nada agreessiva.Convivia maravilhosamente com as gatas e era uma obstinada. Toda dura pela artrose, já meio senil, andava o sítio inteiro. Mas nos últimos meses sua situação foi se agravando e ontem tiveram decidir por sua partida. André me escreve que Dani ficou muito triste e que disse que precisava sentir a tristeza em toda a sua imensidão. Dani é muito oriental e sábia. "Sentir" os sentimentos intensamente ao invés de negá-los é pura sabedoria. Mas hoje, quem quer ficar triste? Há remédio para tudo! Mas a tristeza não vivida vai para um lago profundo e um dia retorna, aumentada. Ou pior, vira doença. Mas no céu dos cachorros, Mel , com certeza, leva a lembrança da Dani para passear.

sexta-feira, 18 de março de 2011

OBJETOS

Derramamos nosso afeto sobre os objetos, ou melhor, mergulhamos os objetos em nosso mar de afeto. Os objetos adquirem vida. E penso nos que perderam tudo , no Japão, no outro lado da noite, porque de uma maneira estranha, nossos objetos acabam nos constituindo, fazendo parte da nossa identidade. Muitos ficaram apenas com o nome e uma dor sem nome.

Na minha estante da sala, pequena Torre de Babel, guardo os objetos mais disparatados, que fui arrastando ao longo da vida, de casa em casa. Muitos são antigos. Tenho um abridor de garrafas feito em cobre que ganhei na África, na Costa do Marfim, com uma cara de homem, em 1984. Ao lado um licoreiro da minha infância, uma mulher linda, que me fascinava quando criança, dizia minha mãe que ela veio da Polônia. Quando, sentada em minha cadeira de balanço , em devaneio, olho o homem africano, estou de novo em Bouaké, numa manhã africana e recebo das mãos do dono da casa, o pai da minha amiga Françoise, meu presente. Minha irmã Evelyn está comigo. Foi uma linda cerimônia: eu oferecí meus presentes e ele me deu o abridor. Eu fiz um discurso e ele fez um discurso. Quando olho a minha mulher de cristal, uma pequena casa no Grajaú se desdobra, ao lado da loja do meu pai, nos fundos. Os objetos nos ajudam a guardar a nossa história.

quinta-feira, 17 de março de 2011

A FUGA DE FREUD E ADEUS, STALIN!

Li dois livros que se complementam, por acaso, um depois do outro, já que se passam na mesma época, em lugares diferentes. Os livros, na maioria das vezes, me chegam assim, como mágica. Messias, meu amigo, levou para Mauá , para me emprestar, A Fuga de Freud , de David Cohen, ed. Record , e é um livro que narra de uma maneira interessantíssima e fragmentada, os dois últimos anos da vida de Freud em Viena : seu cotidiano, suas amizades, sua casa, cachorro, seu câncer, etc. Pelo que nos conta David Cohen, totalmente baseado em documentos verdadeiros, Freud e sua família foram salvos por um nazista convicto, Anton Sauerwald. Também lemos abismados como os nazistas se apoderaram da psicanálise para aprimorar a "magnífica raça ariana".
O livro Adeus, Stalin! de Irene Popow me foi enviado por Isa, minha editora da Objetiva com o seu carinho de sempre. Embora Irene não seja escritora e às vezes acho que o relato se ressente disso (ela é psicanalista) , ela nos conta sua vida na Ucrânia sob as botas do ditador Stalin e os anos que sua família passou em Campos de Concentração para não judeus, campos de trabalho forçado, mas não de extermínio, até a sua vinda para o Brasil. O livro é riquíssimo em aventuras mirabolantes que nenhum romancista seria capaz de inventar (como a realidade tantas vezes supera a ficção!) e nos traz informações e lições de vida preciosas. Indico os dois.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A CHUVA

Já contei aqui no blog que enquanto estive em Visconde de Mauá escreví um poema cada dia, num caderno, como fazia antigamente. Faz tanto tempo que escrevo no computador que já havia esquecido a delícia que é escrever com a mão, verso por verso, rabiscar, escrever por cima. Quando voltar a Mauá levarei o caderno para continuar a coleção de poemas. Talvez, quem sabe, um dia possa publicar um livro intitulado Diário da Montanha.

A CHUVA

A chuva escreve
na partitura das árvores
um som contido e cristalino,
envolve a mata em água,
traz até a casa
novelos de um passado contínuo.

Posso ouvir meus ancestrais
entre as dobras da chuva:
havia um tio que tocava violino,
escuto seus passos em cima
do telhado
e minha avó soprava o tempo
para que um dia
eu nascesse e a guardasse
num porta-retratos.

in Diário da Montanha

terça-feira, 15 de março de 2011

O MAR E OS SONHOS

Saiu uma reedição do meu livro O Mar e os Sonhos pela ed. Lê com novas ilustrações da Elvira Vigna. As ilustrações são belíssimas, virou um livro de arte. O formato é maravilhoso também e o papel... enfim, uma maravilha. Os poemas giram em torno do mar e quando escreví o livro, em 1990, nem sonhava em viver na frente do mar! E hoje leio que a cidade perdida e sonhada de Atlândida pode realmente ter existido e desaparecido por causa de uma tsunami. Ela teria florescido ao norte de Cádiz, na Espanha, segundo geólogos e arqueólogos. Existem sinais de grandes construções. O filósofo grego Platão escreveu sobre a cidade.

O PORTO

O porto, onde ancoram
fugazes navios,
onde homens com suas
tatuagens no peito
passeiam em linguas estranhas.
O porto, ponto de chegada
e de partida,
uma bússola pela metade
indica o país dos sonhos.
O porto, no meio dos guindastes,
guinchos e caixas,
se esconde como um grão,
o mistério do adeus.

Quando cheguei em Visconde de Mauá no dia 3 de março, chovia. Choveu quase o tempo todo e agora chove e a neblina cobre o mar, ficou tudo invisível. Subi a montanha com a Marta, mãe da minha nora Dani Keiko. Marta me contou muitas histórias da sua infância que se passou numa fazenda, onde todos eram japoneses. Junto com ela viajei para um tempo que não conhecia, onde se fermentava o arroz e a soja debaixo da terra para fazer missô. Penso: nossas lembranças também fermentam debaixo de uma camada de quase esquecimento, mas às vezes voltam, chegam até a superfície, como ondas.

segunda-feira, 14 de março de 2011

ANA LUA

Conhecí Ana Lua quando cheguei na escola de cozinha do meu filho André e sua mulher Dani keiko em Resende. A mãe de Ana Lua, Luana (é uma família lunar) a levou para a aula de cozinha oriental. Ela me disse: _ não tenho nada para fazer, minha mãe não trouxe nada para eu desenhar. Eu perguntei se ela já sabia ler e ela me disse que estava apenas começando, só tinha 6 anos. O André tinha um exemplar do nosso livro Poemas e Comidinhas e eu li os poemas para ela. Seus olhos iam se arregalando e ela foi se apaixonando pelos desenhos e pelos poemas. No final da aula dei o livro para ela e ela foi embora com o livro toda saltitante. No meio da semana ela foi me visitar em Mauá, adorou a minha casinha e me contou muitas coisas: que vende seus desenhos e que gostaria de aprender a fazer picolé para vender na porta da casa e daria um brinde para os clientes, quem comprasse o picolé teria o direito de passar a mão no seu cachorro! Sua mãe , Luana, me conta que ela gostou tanto do Poemas e Comidinhas que dorme abraçada com ele. Ana Lua tem os olhos mais bonitos que já vi.

Kats e Yuki, nossos novos amigos japoneses , tradutores do Juan, finalmente nos escreveram: estão vivos. Estávamos muito aflitos. Eles moram na província de Miyagi, na costa, na cidade de Iwate, onde aconteceu o tsunami. É um milagre que estejam salvos, são pessoas tão especiais! Na véspera da catástrofe nos escreveram uma carta linda dizendo que receberam nossos livros.

domingo, 13 de março de 2011

VOLTA

Depois de 12 dias fora do mundo, na minha casinha dentro da mata , em Visconde de Mauá, volto e as notícias são as mais terríveis. Estou em estado de choque com o que está acontecendo com o Japão. Novamente um pesadelo nuclear de consequencias ainda imprevisíveis. Todos os países deveriam revisar as suas políticas de uso de energia nuclear. Nada é seguro. E se acontecer alguma coisa em Angra? As pessoas já se mobilizam na Alemanha contra as usinas nucleares alemãs e os protestos deveriam incendiar o mundo. Sempre pensei que os riscos não compensam e todo o dinheiro que se usa para fabricar guerras deveria ser usado em pesquisas com energia limpa. Torcemos para que os danos fiquem restritos a uma área pequena no Japão e que o pesadelo não invada o futuro dos japoneses.
Na minha casa na montanha comecei uma coletânea de poemas , quem sabe algum dia possa publicá-los quando tiver um número suficiente. Foram dias belíssimos, de muita chuva, de encontro com amigos que chegavam pingando. Cozinhei para todos, escrevia, lia, contemplava. Meu filho André Murray comandava seus fogões no Babel Restaurante, mas da minha casa eu não via nem ouvia nada do que se passava nos outros lugares do sítio. Eu nem soube que era carnaval. E agora, quando volto para Saquarema, a loucura já passou e o dia é de névoa e o mar ruge.

quarta-feira, 2 de março de 2011

CAMINHO DA ROÇA

Hoje às 13hs vou para Visconde de Mauá em duas etapas. Durmo em Resende na Escola de Culinária do meu filho André e minha nora Dani Keiko. Hoje haverá aula de cozinha oriental, à noite, com um professor convidado. Espero aprender alguma coisa. É uma belíssima casa dos anos 50 e eu tenho um quartinho para mim. Há uma jabuticabeira no quintal cheia de passarinhos. A rua é linda, residencial e arborizada.
Amanhã bem cedo subo a montanha. A casinha branca, escondida dentro da mata me espera. Manuela, de quem sou fada madrinha, irá no sábado.
Adotei Manuela quando ela tinha 13 anos e seus olhos brilhavam no grupo de leitura que eu dirigia na E.M Gustavo Campos. Agora ela está terminando pedagogia e está trabalhando numa Sala de Leitura , numa Escola Municipal e começa a dirigir um grupo de teatro na escola. Os alunos farão um roteiro do meu livro Porta a Porta e irão encená-lo.
Uma das minhas maiores alegrias é a Manu estar se apaixonando por educação. Manuela mora sozinha e é muito corajosa, ela vem de uma família muito complicada que não queria que ela estudasse (isso existe!) e agora, dentro de pouco já vai se formar pela UniRio. Manuela é uma leitora e isso mudou a sua vida. Dediquei a ela meu livro Vento Distante.

Saramago nos diz (peço licença para escrever Saramago em espanhol, pois o livro está em espanhol e não tenho coragem de traduzir):
" Quizá estemos recorriendo un largo e interminable camino que nos lleva al ser humano. Quizá, no sé donde ni cuándo, lleguemos a ser aquello que tenemos que ser."
Isso completa o post de ontem.

Volto dia 13. Um bom carnaval para todos.

terça-feira, 1 de março de 2011

HOMEM MUTANTE

Com este título uma matéria no Caderno Ciência do O Globo . O geneticista Pardis Sabeti detectou 250 áreas do genoma humano que continuaram a mudar por seleção natural nos últimos dez mil anos. Parece que a seleção natural está reduzindo a altura e aumentando levemente o peso. Confesso o meu grande desapontamento. Não seria nessa direção que deveríamos evoluir. Nosso grande salto seria a não violência. Seres humanos compassivos é onde devemos chegar. Altos, magros ou gordos, que importa? Só o que importa é a nossa capacidade de amar o outro.

Chuva no jardim
Em suave reverência
plantas agradecem

Ontem no final da tarde a chuva nos inundou de alegria. Fiz o haicai acima para agradecer.