sexta-feira, 12 de junho de 2015

PARA O DIA DOS NAMORADOS III

Namorado ou namorada é tudo de bom. Mas não precisamos ficar restritos a uma ideia preconcebida. Podemos namorar uma estrela, a lua, uma árvore, um cachorro, uma gata, uma rena, um boi, um cavalo... Namorar é derramar sobre o outro, humano ou não, um olhar amoroso.
Hoje termino de contar o meu conto da Maria, do livro Exercícios de Amor. Mas antes divido com vocês a primeira namorada do poeta Manuel Bandeira:

PORQUINHO-DA-ÍNDIA

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor no coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queri era estar debaixo do fogão..
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

_ O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.


MARIA (final)
 
   Ele conta: está separado. Passou por um período difícil, de depressão. Parecia que sua vida não passava de uma sucessão de desastres. Ele só poderia contar pessoalmente.
Mas, lá no fundo de tudo, havia um país ensolarado, uma jovem a quem dedicara tantos sonhos. Tudo isso dançava em sua memória quando ele queria afundar.
No fundo, ele sabia que podia reconstruir a vida.Então arriscara escrever sem saber se a carta chegaria ao destino. Era o endereço que tinha, numa caderneta velha, que sobrevivera intacta a todas as encruzilhadas.
   Quando seus pais morreram, Maria que morava sozinha depois de sua separação,voltou para a casa da infância. Às vezes esbarrava com ela mesma em algum cômodo da casa; a casa parecia uma arca de memórias. Mas era bom, sentia a presença dos pais, o seu amor. E agora estava aqui para receber a carta, como antigamente, o cheiro de céu no envelope.
   Maria queria ir para a rua e dançar na chuva. Era outra vez a menina do barco. Buscou o livro na estante: Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada. Nenhum poeta escreveu versos de amor tão magníficos como Neruda.
   Maria escreve: "Julian, venha, temos muitos anos para passar a limpo. A minha vida também foi uma sucessão de desastres. Ou uma espera. Mas os poemas do Neruda que você me ensinou a amar, sempre me acompanharam."
   E nem por um segundo o metrônomo deixou de partir o tempo, até que a sua carta, como aquele pequeno barco, atravessasse o mar e chegasse até as mãos de Julian, e até que sua resposta chegasse num dia de sol: "Sim, vou".
   E nem por um segundo o metrônomo deixou de partir o tempo até o dia em que, com a mão tremendo, Maria abriu a porta da casa para Julian, que era o mesmo e não era o mesmo. Fazia sol. E o sol brilhava nos olhos de Julian. Na rua, o jasmineiro desprendia um cheiro de amor que se esparramava pela casa como um presságio.
   Um beijo que tinha gosto de cordilheira, de pássaros selvagens abrindo caminho novamente em seu corpo, de um barco azul e branco, mudou novamente sua vida e a rotação da Terra.
 
in Exercícios de Amor, Lê Editora, Altamente Recomendável para Jovens




                                             
   

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