Há uma magia
e um mistério nos encontros. No Clube de
Leitura da Casa Amarela essa maravilhosa alquimia sempre se repete.
Ontem
discutimos Judas, do Amos Óz e A Última Escala do Velho Cargueiro, do grande
escritor colombiano Álvaro Mútis.
Cristiano,
que foi quem sugeriu a leitura do Judas, não pode vir, mas me escreveu pelo whatsup
oferecendo uma chave para o elo entre os dois romances:
“ Puxe pelas
duas mulheres dos romances. São personagens extraordinárias. Mestres do amor,
como Diadorim foi para Riobaldo”.
Suzana
Vargas sugeriu que um bom começo seria ler um trecho do velho cargueiro. Ela
sempre faz isso em seus encontros de leitura.
Adorei a idéia
e escolhi o primeiro encontro do narrador com o navio, quando vai a Helsinque e
quer chegar ao extremo da Finlândia para ver as cúpulas douradas de São
Petersburgo. Felipe Lacerda, que voltou ao Clube quase depois de um ano de ausência, leu em voz alta, já que além de ter passado em primeiro lugar no concurso para professor em Duque de Caxias, é ator.
Há uma
beleza tão imensa nesta cena, é tudo tão absolutamente perfeito, que todos
ficamos sem fôlego e a partir daí recontamos o romance que tem dois narradores,
já quem um deles conta a história que ouve de outro. E o livro é uma incrível
história de amor. E ao unir as duas mulheres dos dois livros ,Warda e Atalia, que são duas mestres do amor, foi possível
começar a discutir o Judas, um dos
melhores livros que já na vida. Fizemos
a mesma coisa, comecei lendo o primeiro parágrafo:
“ Eis aí uma
história dos dias de inverno no final de 1959 e início de 1960. Nesta história
há erro e desejo, há amor frustrado e certa questão religiosa que ficou aqui
sem resposta. Em alguns prédios ainda se reconhecem os sinais da guerra que há
dez anos dividiu a cidade. Ao fundo dá para ouvir o toque distante de um
acordeão ou os sons nostálgicos de uma gaita ao entardecer, por trás de uma
persiana cerrada.”
O romance
inteiro já está aí, concordamos todos. Neste trecho mínimo Amos Oz já nos joga
neste lugar, Jersusalém dos anos 60, já nos situa historicamente, falando das
ruínas da Guerra da Independência, e nos fala de erro e desejo, e ao evocar os
sons nostálgicos da gaita, também nos fala de memória.
E a maior
questão do livro que tem muitas e muitas camadas é a traição.
Suzana
Vargas disse que a epígrafe também diz o livro inteiro:
“Eis que
corre o traidor na beira do campo.
Não ao vivo,
mas ao morto que há nele a pedra mirava.
Nathan
Alterman”
Shmuel, o
estudante, nos é oferecido em sua inteireza quebrada.
Ele perde
tudo de uma só vez: a namorada, a mesada dos pais para poder estudar, a irmã
que vai para a Itália.
Então começa
a sua aventura, ao aceitar o emprego de “distrair” e cuidar um pouco do velho
intelectual, Guershom Wald.
Shmuel escreve sua tese. A de que Judas não era um
traidor, mas sim o discípulo que mais amou Jesus.
O próprio avô
de Shmuel foi considerado traidor pelos israelenses e assassinado, quando na
verdade era um agente duplo.
O pai de
Atalia foi considerado um traidor, pois antes da Declaração do Estado de Israel
pela ONU, ele pregava um não Estado, com árabes e israelenses vivendo juntos e
misturados, sem fronteiras. Ele, como um profeta, já previa a carnificina
futura.
Então Amos Óz,
concordamos todos, desarruma o conceito de traição.
Os traços
físicos, o cheiro de cada personagem é tantas vezes reforçado, que eles saem do
livro e estão ali, bem diante dos nossos olhos, de carne e osso.
Suzana
Vargas mos diz que Amós Oz parece que escreve fazendo cinema.
Gilcilene
fez um depoimento lindíssimo. Ela disse que a cada encontro do livro seus
preconceitos são destruídos, há uma desconstrução de tantas idéias preconcebidas
que ela tinha.
Fernando,
Helio, Cesar, Flora, tantos falaram sobre a traição de Judas, e do que seria o
mundo e o cristianismo se o judaísmo tivesse aceito Jesus. Shmuel , em sua tese,
sustenta que, ao contrário, não foi uma traição. Judas não era um traidor.
Abravanel não era um traidor, o avô do Shmuel não era um traidor.
Falamos
todos da beleza e do cuidado que havia entre Shmuel, o estudante e Guershom, o
velho.
Do cuidado
com que Alalia, a mulher misteriosa e inalcançável tem com o estudante, ela, a
sua “mestre do amor”.
Messias ,
que não pode vir, também me mandou um whatsup sugerindo:
“ Um dos clímax
do livro é a carta da irmã!!!! Quase a metonímia do enredo do romance...”
Lemos então um
trecho da carta, belíssima, da irmã que vai para a Itália e pede ao irmão que
não pare de estudar.
Na verdade
esta é a única relação familiar não destroçada.
Maria Clara
leu o trecho em que Guershom fala que Atalia, sua nora é sua “Koná”, que no
hebraico contemporâneo, feminino de “koné”, quer dizer compradora, mas no
hebraico bíblico tem o sentido de criador e dono. Assim, Atália era a sua “dona”.
E foi impossível
esgotar todas as maravilhas do livro que merece uma segunda leitura, uma
terceira.
Assim, de
literatura, pão e vinho, a amizade de todos do grupo, a cada encontro se alimenta
e fortalece.
O almoço
estava magnífico.
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