Assisto estarrecida a Costa do Marfim envolta numa carnificina terrível . Estive em Abidjan em 1984 e era uma cidade linda, complexa. Estávamos num café europeu e ao virar a esquina caíamos numa África profunda e colorida, com seus mercados exóticos que eram como cidades. As pessoas eram amáveis, ainda mais quando sabiam que éramos brasileiras. Os africanos me contavam que havia um equilíbrio precário , uma certa tensão entre as etnias, mas todos conviviam. Pude transitar no mundo africano, pois meu cunhado era negro, fui a lugares onde brancos nem pisavam.Fiquei muito apaixonada pela África, me senti em casa. Eram todos tão generosos comigo, os africanos são anfitriões impecáveis. Chegávamos numa casa e logo era servido um banquete com o melhor que tinham para oferecer. Fomos ao interior e nos hospedamos num bairro onde nunca havia entrado nenhum branco, então me esquecí completamente que era branca. Porque também sou africana, já que fui criada por uma babá negra, Eunice, que me recebeu em seus braços e ficou comigo até se aposentar. Era na sua cama que eu dormia quando tinha medo. Minha mãe trabalhava muito e foi Eunice quem nos criou, educou, forjou. Ela nos ensinava a fazer a nossa cama, a botar a mesa e me deixava ajudar na cozinha. Nos contava histórias de assombração. Sua avó havia sido escrava. Quase todos os fins de semana íamos para a casa de sua mãe no subúrbio e era como uma aldeia africana. Eu amava. Naquela época era rural toda aquela zona e sua mãe tinha um chiqueiro, galinheiro, bananeiras. Brincava com as crianças e voltava feliz, nunca me lembrava que era branca. Porisso me aconchegava facilmente nos braços de Tia Nastácia, me sentia acolhida em seu afeto, ela era como a minha Eunice. Passei a infância dentro do Sítio do Pica-Pau Amarelo e talvez aí tenha nascido meu amor pela natureza e pela literatura. Agora volta toda a discussão em torno do racismo do Monteiro Lobato. Acho um absurdo. Tenho pavor de tudo o que é politicamente correto. Tia Nastácia é uma figura linda, sempre amorosa, acolhedora, amiga, maternal. Talvez Monteiro Lobato tenha repetido alguns clichês do seu tempo, como fez Debret nos comentários em seus desenhos e pinturas. Como fez a Bíblia com as mulheres e como milhares de livros que refletem o pensamento do período em que foram escritos.
Que a Costa do Marfim reencontre a paz, é muito triste uma guerra entre irmãos. E que Tia Nastácia continue fritando seus bolinhos e acolhendo seus leitores por muitas gerações.
terça-feira, 5 de abril de 2011
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Puxa Roseana, parece até que eu estava adivinhando o que você escreveria hoje, quando lhe enviei, ontem, aquele e-mail sobre o John Lennon da Silva.
ResponderExcluirEsse seu escrito mostra, eu acho, muita sabedoria que advém de algo que você experimentou. Não foi um comentário que saiu de uma imaginação fértil, mas de convivência verdadeira.
Gostei muito. Eu torço também que todas as guerras de todos os tipos possam ser varridas do nosso planeta para que sejamos mais felizes.
Obrigada, Angela, pela força!
ResponderExcluirRoseana: não seria o preconceito o medo do diferente? Milhares de anos se passaram e continuamos construindo barreiras,rotulando pessoas...quando começaremos a atravessar as pontes que nós mesmos construimos?Meu coração,também africano,lamenta pelo conflito em Costa do Marfim,e por mais uma vez essa polêmica levantada:Monteiro Lobato versus Tia Anastácia.POr esse e outros motivos milhares de livros já foram queimados.Beijos indignados.
ResponderExcluirObrigada Maria Neuza, vou repassar teu comentário para uma amiga que vai participar de um debate sobre Monteiro Lobato.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirRoseana, claro que a tônica do seu escrito de hoje, foi sobre discriminação e racismo, bem como a tristeza pelo que está acontecendo na Costa do Marfim. Mas você fala com muito carinho, sobretudo da generosidade, dos sentimentos e da arte do povo africano.
ResponderExcluirValeu muito o que você escreveu hoje.
Pois bem... ontem abri o BLOG da Maria Cininha e encontrei este lindo conto africano, bem como a colagem que ela fez para ele. Infelizmente, colagem não posso colocar no seu BLOG, mas o conto eu faço questão, e sei que você vai amar como sempre.
Diz um conto Africano, que no inicio dos tempos não havia nenhuma história. O mundo era muito triste. Assim o primeiro contador de história, teve que sair pelo mundo para colher às histórias que iria contar. Para acompanhá-lo levou um pássaro em seu ombro, um pássaro-escrivão.
Este homem junto com seu pássaro escutaram o vento, as pedras, o mar, as árvores, os animais e os homens. Enquanto o homem ouvia as histórias o pássaro ia anotando tudo com um pedaço de carvão com goma arábica. Mas o homem temia que estas histórias se perdessem. Então o pássaro pediu que ele colocasse as histórias escritas em uma cabaça com água e deixasse por uma noite. No dia seguinte o pássaro mandou que o homem tomasse aquela água cheia de histórias, e este homem então contou história nos cantos do mundo, e os que ouviram, contaram em outros cantos, e assim segundo o conto Africano nasceram às histórias, que acordam, revelam, alimentam e instigam a nossa imaginação.
Com muito carinho,
Angela