sexta-feira, 9 de março de 2012

CEDO DE MANHÃ

Assim se chamava uma música do belíssimo disco Mantiqueira do Nelson Ayres. Naquele tempo, começo dos 80, era disco mesmo. Sair para caminhar em Saquarema bem cedinho, às 6hs da manhã é uma dádiva. E me traz ao corpo a música do maravilhoso maestro.
Vimos a lagoa cheia de garças. Vimos um ancoradouro cheio de patos. Vimos as ruas lindas e limpas, arborizadas, completamente vazias. O céu explodia em azul, a temperatura era amena.
Saquarema, onde o olhar pousa, é pura beleza.
As pessoas me dizem que a minha poesia é bela. Vivendo num lugar assim, sinceramente, acho que é o mínimo que posso fazer para retribuir!

quinta-feira, 8 de março de 2012

DIA DA MULHER

Todos os dias são dias da mulher , o mundo seria outro se apenas de homens. Sempre achei que as mulheres deveriam decidir as grandes questões, como a paz no Oriente Médio, por exemplo.Como a preservação da água e das florestas, a distribuição da riqueza no mundo. Que mãe gostaria de perder seu filho numa guerra insana? Mas são os homens que discutem as guerras , excitados como se matar fosse um jogo. Se apenas as mães conversassem para resolver os graves problemas do mundo, achariam uma solução. Ser mãe não é apenas ter um filho. É ter o sentimento de ser mãe do universo.
Que nós mulheres possamos sempre exercer o ofício da paixão em cada pequeno gesto. E que saibamos sempre reconhecer o outro em nosso rosto.

O OFÍCIO DA PAIXÂO

Exercer a cada dia
o ofício da paixão :
um vento estranho
varre a tarde
bate as portas
abre caminho nas pedras

a cada dia o ofício
humano da paixão
como quem buscasse
com os olhos
o sentido das horas

entre a luz e a sombra
um frágil universo se equilibra
com suas tortuosas montanhas

in Pássaros do Absurdo

quarta-feira, 7 de março de 2012

FRALDAS DE PANO

Hoje Maria Clara passou bem cedinho por aqui para me deixar um exemplar do jornal POIESIS (www.jornalpoiesis.com.br).
Li uma entrevista com uma jovem mãe que me impactou muito.Assim como existe um movimento de slow food na cozinha e em tantas áreas se rema contra a corrente, Roberta Calábria nos oferece uma belíssima visão da maternidade. É antiga e é nova, antiga porque prega a volta das fraldas de pano e nova pois esta é a atitude correta frente ao lixo terrível que as fraldas descartáveis fabricam. Ela nos explica que as fraldas de pano evoluiram e são super corretas ecologicamente, já que oferecem a possibilidade de descartamos as fezes do bebê dentro do vaso sanitário, por exemplo, ao invés de irem para o lixo e o toque do pano de algodão com a pele do bebê não é o mesmo que o toque do material plastificado. Mas ela nos fala sabiamente de muitas e muitas coisas e vale a pena ler a belíssima entrevista. Basta acessar o jornal. Transcrevo a apresentação:

" Parto natural, amamentação, fraldas de pano. Cada vez mais mulheres optam por irem contra a corrente do consumismo e da rapidez em tudo e adotam iniciativas que as aproximem verdadeiramente do contexto natural e da sustentabilidade. Assim, ser mãe passa a ser uma atitude consciente, que envolve família, meio ambiente e economia de maneira harmoniosa. A valorização dos laços afetivos ganha nova dimensão.Neste mês em que se comemora o dia internacional da mulher, o Jornal Poésis foi ouvir a jovem Roberta Calábria, mãe, esposa e pequena empresária, que com seu "empreendedorismo materno" faz-nos refletir sobre os rumos que estamos dando às nossas vidas. Segundo ela, "a participação ativa das mulheres na sociedade trará resultados cada vez melhores, transformando o mundo em um lugar mais tranquilo, amoroso e pacífico, assim que estas mesma mulheres encontrem condições satisfatórias para criarem com essa mesma tranquilidade, amor e paz os seus próprios filhos".

MULHER

Voluptuosamente
metade maçã
metade serpente
com teus passos
inventas o mundo

às vezes brincas
de pássaro
ou
andarilha de sombras
com teus olhos evocas
cordilheiras abissais
e é no teu âmago
que a noite se forma

dentro de ti
o novelo da vida

Roseana Murray in Pássaros do Absurdo

terça-feira, 6 de março de 2012

AS COISAS

As nossas coisas estão encharcadas de afeto. Às vezes perambulam pela casa. Às vezes aparecem e desaparecem. Objetos que nos acompanham desde sempre. Tenho uma mulher de cristal que é um licoreiro que estava na sala da minha casa da infância. Com ela fiz um conto para o livro Vento Distante, ed. Escrita Fina. Tenho uma corujinha de bronze que ganhei quando tinha 20 anos. Elas me acompanharam por todas as casas. E a louça, alguns pratos lascados que não conseguimos jogar fora. A xícara que toma a forma das nossas mãos. Nossas coisas, às vezes, nos ajudam a viver, pois guardam lembranças e amores, nos aconchegam.

As coisas têm peso,
massa, volume, tama
nho, tempo, forma, cor,
posição, textura, dura
ção, densidade, chei
ro, valor, consistência,
profundidade, contor
no, temperatura, fun
ção, aparência, preço,
destino, idade, sentido.
As coisas não têm paz.


ARNALDO ANTUNES, in As Coisas e Como é que chama o nome disso, Publifolha

segunda-feira, 5 de março de 2012

FALTA DE CHUVA E ÚLTIMAS LEITURAS

Não chove em Saquarema. Desde muito antes do carnaval não cai uma gota de água. O jardim é enorme e o jardineiro, Samuel, vem apenas duas vezes por semana. Então molho dia sim dia não e ficar de pé tanto tempo me deixa com dor na coluna. Mas enquanto molho me desmancho , escuto o agradecimento das plantas, quase choramos juntas pela falta de chuva. Elas agradecem a pouca água que posso dar , eu ouço suas vozes mudas, é como um estremecimento sutil. E toda a dor da coluna vale a pena.Leio que teremos no mínimo mais 10 dias de sol sem chuva.Sofro, uma parte da minha alma é eslava e anseio por dias de bruma.

Terminei de ler Danúbio, do Cláudio Magris, um dos grandes livros que já li. E O Dia
de um Escrutinador, do Calvino, simplesmente maravilhoso. Uma Casa para o Sr.Biswas, do Prêmio Nobel S.Naipaul, um romance triste e divertidíssimo ao mesmo tempo, que se passa em Trinidad numa parcela da população indiana. É tocante, se chora e se ri ao mesmo tempo. A Rosa Candida, da autora islandesa Audur Ava Ólafsdóttir, romance delicadíssimo que ganhou um montão de prêmios na Europa e talvez chegue ao Brasil. Hoje começo a ler uma saga basca: Hijos del Árbol Milenario, de Maria Jesus Orbegozo.
Adoro sagas imensas, histórias intermináveis de grandes famílias. Uma vez li um livro, quando era muito jovem, que se chamava Histórias de Pobres Amantes, de um autor italiano cujo norme perdi. A história gira em torno de uma velha senhora que gosta de meninas e se passa durante o fascismo. Os personagens são magníficos e o livro nunca saiu da minha cabeça, mas sem o autor eu não o encontro. Se alguém tiver lido este livro e souber o nome do autor, por favor , me avise!

domingo, 4 de março de 2012

JOSÉ E PILAR

Ontem vi o filme José e Pilar que me chegou pelas mãos da Angela, leitora do blog e leitora do nosso Clube de Leitura.
O filme é impactante em todos os sentidos. Eu e Juan convivemos com Saramago e Pilar em 1997 por uma semana em Lanzarote para o livro do Juan O Amor Possível, ed. Manati. Foi antes do Nobel e o ritmo de vida deles não era tão frenético.Estivemos juntos em muitas ocasiões e sempre Pilar se queixava de cansaço, da vida extenuante que levavam.
Saramago e Pilar , no filme, nos abrem a porta da A CASA, da Biblioteca, da sua intimidade, do seu grande amor e da sua vida errante e louca. Para que tantas viagens, eu me pergunto. Para que tantas Feiras Literárias, já com a saúde abalada? Nós o vemos tão fraco, tão debilitado, para lá e para cá, de avião em avião, na Islândia, México, São Paulo, Rio, autografando pilhas de 500 livros, tão doente já. Mas parece que é mesmo o que ele queria. E também abraçar todas as causas do mundo, lutar para a mudança da mente humana, violenta e predadora. Eu penso que a literatura , o que escrevia, já fazia o trabalho por ele. Mas algo os impelia a ir sempre por aí, andando sem parar, com uma sacola de idéias a tiracolo e muito cansaço.Eles eram tão apaixonados um pelo outro que a gente termina o filme quase aos prantos. E faz pouco Pilar nos escreveu, destroçada com a ausência do seu grande amor.
Mas eu o vejo no filme, escuto a sua voz tão nossa conhecida, ouço as coisas maravilhosas que muitas vezes nos diz e penso que realmente a morte não existe.

sábado, 3 de março de 2012

NA PORTA DA GELADEIRA

Na porta da geladeira tenho um poema lindíssimo:

haja
hoje
para
tanto
hontem


Paulo Leminsky

Tenho uns versos da Patrícia , minha nora, num belo azulejo fabricado por Alícia:

Y sobre todo
amar
para que
nos crezcan
alas


Patrícia de Arias

os versos fazem parte de um poema, mas o poema inteiro não cabia no azulejo.

Tenho uma foto enorme do meu neto Luis. Ele está sempre me olhando , não importa onde estou.

Tenho uma foto do meu grande amigo Latuf, que se mudou definitivamente para Pasárgada com suas túnicas loucas, com todas as linguas que falava, com seu charme irresistível, com sua poesia.

Tenho uma série de azulejos da Alícia, lindos e figurativos, com cenas de Lanzarotte e outra série de azulejos oriundos de uma pesquisa que fez junto aos antigos habitantes, parecem figuras e símbolos pré-históricos, todos em tons de terra.

Tenho um desenho da caverna de Altamira , belíssimo, parece um bisonte.

E dentro da geladeira algumas geléias fabricadas pelo Babel Restaurante, do meu filho André: de tomate e de maçã com pimenta. Queijo branco e frutas. Frutos secos, chocolate amargo para o Juan.

Para mim comida e poesia se misturam sempre.

sexta-feira, 2 de março de 2012

ASAS

Um belo poema do Quintana me ajuda, hoje, a voar, eu, pobre humana que não tenho asas, tenho apenas a poesia:

EVOLUÇÃO

Todas as noites o sono nos atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz...
Até que, um dia, criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda em terra.

Mário Quintana
in Esconderijos do tempo, ed. LPM

quinta-feira, 1 de março de 2012

HAIKAIS

Dani Keiko, minha nora, me encomendou um haikai com alguma referência a comida para imprimir num jogo americano de papel. Os jantares da Escola de Culinária lá de Resende estão cada vez mais concorridos e ela quer eliminar as toalhas de tecido. Fiz o haikai :

um jardim na mesa
arco-íris para os olhos
salada de flores


Quem quiser usar a idéia da Dani eu ofereço o meu haikai, basta colocar meu nome.

Já que estamos falando de haikais, esta deliciosa forma de poesia, retiro do livro Conversa de Passarinhos de Alice Ruiz e Maria Valéria Rezende:

silêncio na mata
um grito corta a tarde
quero quero


Alice Ruiz


tudo é silêncio
acordei tarde demais
para ouvir sabiás


Maria Valéria

Acordar cedo é uma dádiva. Aqui em Saquarema cedinho de manhã passam bandos de patos selvagens e as gaivotas gritam sobre o mar.E faço um haikai agora mesmo, neste instante:

a banda de patos
da lagoa para o mar
enche o ar de música

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

JUDEUS E CIGANOS

Leio no Dicionário Houaiss a definição de judeu e cigano.

Judeu: (fem:judia) adj.s.m 1 (natural ou habitante) da Judéia; região da Palestina (Oriente Médio) 2 (indivíduo) nascido de mãe judia ou de pais judeus 3 Rel que(m) segue a religião e/ou a tradição judaica; israelita, hebreu 4 pej (indivíduo) avarento esta acp resulta de certas atividades ligadas a dinheiro, proibidas aos cristãos da Idade Média, mas não aos judeus. Adj 5 judaico. Col judaicidade, judeidade.

Cigano: adj,s.m 1 (indivíduo) dos ciganos, povo itinerante que emigrou da India para todo o mundo, com talento para a música e a magia; zíngaro 2p.ext. fig. que(m) tem a vida incerta e errante; boêmio 3p.ext.fig, que(m) trapaceia; velhaco Col bando, cabilda, ciganada, ginataria - ciganear v.int


Li ontem no O Globo que o Ministério Público queria proibir o Dicionário Houaiss de circular e aplicaria uma multa para quem o editou. Leio hoje que as novas edições suprimiram estas definições pejorativas. A minha edição é de 2004 e o que escrevi acima foi copiado do meu dicionário.
A questão é muito complexa. Se pode proibir um dicionário de circular? Acho que quando o dicionário diz que numa versão pejorativa judeu é avarento e cigano é velhaco, colabora de certa maneira para o enraizamento do preconceito. Seria desnecessário. Mas não gosto de probições de cima para baixo.Ele está apenas informando que existe este preconceito. Todos os preconceitos são horríveis mas não podemos proibir os clássicos e sim discutir as mentalidades que são cambiantes. Hoje os árabes são os judeus da vez e bodes expiatórios existem e existiram sempre, parece que há uma necessidade humana de culpar o outro. Temos que lutar dia por dia contra isso, mas não proibir livros, autores, dicionários. Fica com cheiro de ditadura.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

EM SAQUAREMA OUTRA VEZ

Cheguei ontem no final da tarde. É uma longa viagem de Visconde de Mauá até aqui, não apenas pelas horas transcorridas desde que se sai de um lugar até chegar ao outro, mas porque se trata da travessia de mundos. Travessia de realidades.
Passei 10 dias imersa no bosque. Sem internet, a realidade virtual passa a não existir e a conexão com o mundo externo é muito pequena e precária.O que passa a importar: os jacus, as maritacas e o lagarto imenso que mora no canteiro de hortências na frente da minha casinha e que todos os dias saía para tomar sol. O lagarto é de uma beleza estonteante. Não tomei nenhum conhecimento do carnaval, como se não fosse carnaval. Comprei um netbook para poder continuar o livro de contos que comecei aqui. Escrevi quatro contos e estou feliz com o andamento do livro.
Cheguei ontem no final da tarde e ao contrário do que imaginava, não fazia calor: 25 graus.Soprava um vento do mar bem frio e um cheiro adocicado de algas envolvia a casa. Juan me contou os dias de horror que passou aqui no feriado. Milhares de pessoas , carros de som até quase de manhã, muito calor, faltou luz durante 46 horas. Mas ele consegue sobreviver e eu não. Ele mergulha profundamente em seu trabalho, faz uma redoma e como o meu lagarto em seu buraco profundo, ele escreve aí dentro e respira. Não tenho essa capacidade. Eu me despedaço. Mas ontem todos já tinham ido embora e Saquarema volta ao seu natural, silêncio, o barulho intermitente e maravilhoso do mar. A casa me reconhece, as gatas , Luna e Nana não saem de perto de mim. Voltei.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

SUBSTÂNCIA

Dividirmos isso:
essa substância humana
esse líquido que habita
nossos ossos

como se divide um pão
o sol e a sombra
no mesmo prato

como se divide uma alucinação
no deserto
os sonhos boiando num fio
de água
como se divide a água
a noite e o dia no mesmo leito

como se divide o ar

in Pássaros do Absurdo, ed. TCHÊ, esgotado


Durante anos estou aqui dividindo com meus leitores a minha substância humana. Volto dia 27. Desejo belos dias para todos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

RECEITA DE ANDAR SEM RUMO

o vento como guia
suba montanha acima
siga a música do rio
pedra por pedra
dia por dia
perca o rumo e o fio
deixe que o coração
cante as horas
arrume a noite e o sol
in Receitas de Olhar, ed. FTD

Amanhã vou bem cedo para a montanha, para a casinha dentro da mata. Vou para o silêncio, para a música do rio.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

BERTA E LUIS

Minha mãe, Berta, era assim: festeira, dançarina, risonha, fazia moda e jardins. Gostava de multidão, da casa cheia.Não gostava de comer.
Meu pai, Luis, era assim: expansivo, engraçado, um grande leitor, detestava festas e muita gente, não sabia dançar, amava música clássica. Adorava comer.
Os dois eram alegres e tristes.
Meu pai veio da Polonia com 14 anos . Minha mãe veio da Polonia com 4 anos.
Meu pai se naturalizou brasileiro, amava o Brasil. Meu avô materno rasgou os documentos poloneses da minha mãe , pagou uma multa no cartório e a registrou aqui. Ela era brasileira.
Meu pai não gostava de falar do seu passado, era muito trágico para ser lembrado.
Minha mãe não tinha nenhuma lembrança da vida antes do Brasil. Teve uma infância tranquila numa casa gramnde, cheia de gatos, em Campos.
Eles eram muito diferentes nos seus gostos e interesses. Em comum tinham a paixão pelo cinema. Meu pai era explosivo, minha mãe nunca levantou a voz.
Dentro de mim continuam vivendo, cada um com seus interesses, cada um nos seus afazeres.
Mas às vezes é muito duro ser órfã, é como estar pendurada no vazio.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O AMOR POSSÍVEL

Tenho meus rituais para receber os amigos do Clube de Leitura. Ontem acordei às cinco horas da manhã e fiz dois pães, um com queijo parmeggiano na massa e o outro de milho com pimenta calabresa. Deixei todo o almoço pré preparado para entrar no forno. E já as 10hs chegaram os primeiros convidados, Hélio e Fernando, Francisco. Depois Messias que veio do Rio e o trio de Duque de Caxias, Felipe, Andrea e Cris. Vieram os convidados do Paraná, de Maringá, Maristela , Wagner e a filha Adah. Chegaram Pepito de São Pedro da Aldeia e Angela do Rio. Chegou Maria Clara. Parecia que já estávamos todos e começamos lendo o próprio Saramago explicando o seu jeito de escrever, como isso aconteceu, como ele disse não a tudo o que já estava aí, no belo livro O Amor Possível do Juan Arias que a Manati publicou aqui no Brasil. Então Felipe, que é contador de histórias contou o começo das Mil e Uma Noites e começamos a entrar no O Cerco de Lisboa. Fernando nos disse que a estrutura do livro lembrava As Mil e Uma Noites, histórias dentro da história. Messias falou do desconforto que uma escrita tão anti convencional nos causa, o desconforto do novo, de algo que não existia. Falamos das tradições orais, Maria Clara lembrou que Walter Benjamin disse que a literatura escrita exclui todo um universo e o próprio Saramago diz que ele o que quis foi recuperar esta oralidade. Então chegaram Flora e Héctor trazendo um bolo de frutas.
Flora e seu marido compraram o livro e não conseguiram ler. Andrea disse que teve muitas dificuldades para entrar no livro, mas de repente pensou, "mas é assim que meus alunos escrevem, sem pontuação! então faço de conta que estou lendo meus alunos, já que eu os entendo!" Hélio ficou maravilhado com a reconstrução histórica, os passeios do personagem por uma Lisboa real e outra adivinhada , a que existiu na época dos árabes. Todos nos maravilhamos com o contraste entre a luz e o almuaden cego. Juan contou da nossa estadia em Lanzarote e como era emocionante a relação do Saramago e Pilar, já que todos acharam que a história de amor entre o revisor e Maria Sara era um espelho da relação dos dois. Wagner nos falou do filme da vida deles e amou o livro. Messias lembrou o desejo de totalidade do autor, querendo dar conta de tudo, de todos os pensamentos, falamos de como o tempo fica anulado, existem todos os tempos e Ouroana e Mogueime oitocentos anos antes espelham e interferem no amor de Raimundo e Maria Sara. Maria Clara acaba de voltar de Lisboa e nos falou da história de Portugal , da força que tem Santo Antonio em Portugal,do Messianismo, do sebastianismo. Ela perdeu seu passaporte mas com a ajuda de Santo Antonio ele foi recuperado, numa história tão bela que daria um conto. Juan nos diz que Saramago dizia que só o não constrói e as guerras coneçam sempre com um sim. Começamos uma discussão sobre o sim e o não, infindável. Disse Messias que sem o não seria impossível existir qualquer sociedade já que prevaleceria o impulso do prazer. Todos falaram que o livro começa a fluir melhor a partir da história de amor, quando Maria Sara irrompe na vida do Raimundo. Todos falaram da genialidade do autor , de como é difícil rasgar o que já existe e começar algo realmente novo. Maria Clara lembrou que as vanguardas precisam sempre dizer não ao que estava antes. E mesmo quem não gostou do livro acho que com a discussão acabou gostando. E falamos também da sensação que se tem com o livro de que todos os tempos continuam existindo, sempre.
Pepito leu maravilhosamente um poema dos 20 Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada, que era o outro livro do nosso encontro. Como está apaixonado, fez uma leitura inesquecível. Juan , a meu pedido leu um dos poemas para mim, eu mesma me dediquei o poema! E Hector, que é argentino leu um terceiro poema, já que achei melhor que ouvíssemos os poemas em espanhol. Mas Fernando trouxe um dos poemas dos Versos do Capitão e nos contou que foi a sua primeira revelação poética e nos leu o lindo poema.Falamos de como o melhor do Neruda está em seus poemas de amor. Hélio nos contou da sua visita a Isla Negra e nos mostrou fotos de um belo livro.
Angela fabricou caixinhas mágicas para todos e em cada uma colocou uma bonequinha ou bonequinho na tampa e um texto que tivesse alguma relação com a pessoa lá dentro. Um gesto de tamanha delicadeza vi poucas vezes em minha vida.
Éramos dezoito pessoas na mesa . Foi maravilhoso o nosso encontro.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

CLUBE DE LEITURA

Hoje começo a preparar o encontro do nosso Clube de Leitura da Casa Amarela que acontecerá amanhã. Vou fazer um almoço de inspiração árabe, para acompanhar o livro O Cerco de Lisboa do Saramago que foi detestado por quase todo mundo. Farei um quibe de forno e um arroz empedrado que comi na Espanha e amei. É um arroz com açafrão e grão de bico. Espero que o almoço saia tão bom que não desistam do Clube por causa do livro. Mas acho que será uma discussão muito boa , muito fértil.Além disso, podemos aproveitar a seta que aponta para o mundo árabe para falar um pouco sobre o tema incandescente em nosso tempo. Felipe, professor de Duque de Caxias nos trará uma surpresa maravilhosa. E estamos recebendo Maristela, professora de Maringá, no Paraná, que vem de ônibus com o marido e a filha, atravessando mais de 16 horas para chegar a Saquarema. É inacreditável.Fico muito comovida. Messias, nosso médico e melhor amigo que vem do Rio para o encontro, diz que jamais perderia a oportunidade de discutir um livro tão chato! Mas eu adorei o livro, a sua arquitetura, a questão interessantíssima do narrador. Não é um romance convencional e gosto da idéia de duas histórias correndo paralelas em tempos tão diferentes.
Juan nos dará seu depoimento sobre a semana que passamos juntos nas Islas Canárias com Saramago e Pilar para seu livro de entrevistas "O Amor Possível" , ed. Manati. Nos livros do Saramago o amor é sempre possível,

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CAIXINHA MÁGICA

É curioso como nasce um livro. Um dia, a Ed. Abril me pediu um poema para a Revista Nossa Escola, mas teria que ser um poema inédito. Escreví o poema , e a partir dele fiz o livro Fábrica de Poesia ,que saiu pela ed. Scipione, com ilustrações do Caó, onde inventei o desafio de fabricar em cada página alguma coisa. O livro é lindo, realmente acho que os poemas foram bem sucedidos e os temas também.


CAIXINHA MÁGICA


Fabrico uma caixa mágica
para guardar o que não cabe
em nenhum lugar:
A minha sombra
em dias de muito sol,
o amarelo que sobra
do girassol,
um suspiro de beija-flor,
invisíveis lágrimas de amor.

Fabrico a caixa com vento,
palavras e desequilíbrio
e para fechá-la
com tudo o que leva dentro,
basta uma gota de tempo.

O que é que você quer
esconder na minha caixa?


in Fábrica de Poesia, ed. Scipione.

Aliás, adoro caixas de todos os tipos.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

O QUE SERÁ?

O que será o destino? Uma pedra no meio do caminho que nos faz tropeçar ou desviar ou atravessar a rua, a cidade , o país? Em 1971 passei o outono em Toronto no Canadá e me apaixonei perdidamente pelos parques, pelos tapetes de folhas, pelos esquilos que vinham comer na nossa mão. Eu também era um esquilo assustado e sabia muito pouco de mim. Mas aquele país de amplos espaços, nenhuma miséria e gente amável me conquistou. Tentamos emigrar para o Canadá e tudo corria muito bem, já tínhamos a papelada da imigração em curso mas uma contra ordem desmontou nosso castelo de vento e não pudemos ir. E se a contra ordem não tivesse chegado, se aquela pessoa que disse não tivesse dito sim? Basta trocar uma palavra e tudo já é outra coisa, como no O Cerco de Lisboa, do Saramago.
Eu seria quem sou hoje, teria escrito todos os meus livros, onde estaria agora?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PARA VIAJAR

Quando viajamos rompemos com o cotidiano, com o desenho conhecido de nossas vidas e nos diz Claudio Magris em seu livro Danúbio, parece que de certa maneira voltamos para a infância, pois olhamos o mundo maravilhados, como se fôssemos outra vez crianças e então , pela lógica da poesia, temos todo o futuro pela frente, já que somos crianças outra vez. Sempre fui viajante, pois sempre fui leitora.Agora mesmo viajo pelo Danúbio, por suas cidadezinhas maravilhosas de nomes impronunciáveis. Além disso, estou sempre com as malas abertas, estou sempre indo e voltando. Quando viajo o que mais me encanta é sentar num café e ficar olhando o grande teatro que se desenrola diante dos nossos olhos: as pessoas andando, falando, gesticulando, sérias ou sorridentes. Troco a rua por qualquer programa.

PARA VIAJAR

Como é que se vai para a Atlântida?
De cavalo-marinho?
E de unicórnio,
dá para chegar nas montanhas da lua?
Para o centro da Terra
vamos de dragão dourado?
De Maria-fumaça a gente atravessa
o tempo?


in Pera, Uva ou Maçã? Ed. Scipione

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

GALA SOLAR

Os dias estão belíssimos. Da minha janela que dá para as montanhas posso ver até onde o olho já não alcança. Do outro lado o mar é de um azul claro e profundo, um azul inominável.O dia começa fresco mas dentro de algumas horas fará muito calor.
Escolho um poema do livro Sinais do Mar da Ana Maria Machado para ilustrar este dia. Fabriquem vocês as imagens, é um convite:

GALA SOLAR

calor
coral
colar de pura marola
no alvo colo da praia
decote sem gola
nas costas de gala.

rola
roda
em baile de aberta sala
e toda a baía enrola
na luz que estala
solar.

Ana Maria Machado, in Sinais do Mar, Cosacnaify

domingo, 5 de fevereiro de 2012

PEPITO E AULAS DE TANGO

Pepito é meu cunhado poeta, um menino travesso que faz hoje 77 anos e só vem confirmar os novos tempos. Pepito é professor de tango e reiki. E está apaixonadíssimo. Tudo começou via internet com uma troca de poemas. Em dezembro Pepito foi conhecer a sua amada Gabriela em Lima e confirmaram: querem se casar. Agora cada um arruma as suas papeladas para que possam viver juntos em Lima. Com grande entusiasmo Pepito está sempre recomeçando . É um grande aventureiro e uma lição de vida. Totalmente alternativo, suas coisas cabem em uma pequena maleta, a sociedade de consumo não o seduz: Pepito é essencial.Para ele faremos hoje um belo almoço, abriremos uma champagne e cantaremos com Violeta Parra: Gracias a la vida!

sábado, 4 de fevereiro de 2012

SAFO

Safo, a poeta grega que viveu no século VII A.C e de quem só nos chegam fragmentos de segunda mão, me seduziu quando eu tinha 14 anos com um poema. Uma flechada certeira no coração. Foi na aula de História Antiga, no Instituto Lafayette. Meu professor era adorável e para agradá-lo, para fazer bonito, decidí comprar um livro de poesia grega. O fragmento, que ficou tatuado do lado de dentro da minha pele , era assim:

Meia-noite.
A lua já se pôs
as pleiades também.
Foge o tempo
e estou tão sozinha.

Que uma mulher 2.700 anos antes de mim falasse o que eu sentia era uma revelação quase religiosa. Eu a a sentia viva, respirando ao meu lado. E me apaixonei por ela. Ganhei o livro Eros, Tecelão de Mitos , de Joaquim Brasil Fontes em 1990 em Campinas. E ao lhe contar que o fragmento acima me habitava desde a adolescência, ele me falou o poema em grego num dos momentos mais mágicos da minha vida. E me contou que ao viver tão intensamente com Safo na sua exaustiva pesquisa, os deuses lhe cobraram um preço: havia perdido a audição de um ouvido.

...................
aqui, rumoreja a água fria, entre ramos
de macieiras; recobre este lugar uma sombra
de rosas e, do alto das folhas trêmulas,
flui um sono profundo;

in Eros, Tecelão de Mitos, A poesia de Safo de Lesbos,Joaquim Brasil Fontes, Estação Liberdade.

Poetas não morrem, apenas dormem um sono profundo, enrolados em camadas de tempo.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

JULIA

Julia, minha sobrinha, passou em primeiro lugar na Marinha, como psicóloga, fez um ano de treinamento militar (para mim é um mistério as razões que levam a Marinha a treinar um psicólogo para a guerra)muito pesado, mas agora se mudou para Natal com seu marido e me conta:
_" Tia, Natal é linda!!!" Ela está radiante.Da sua janela ela vê um pedaço do mar.

E hoje me escreve uma aluna de literatura infantil justamente de Natal :
Olá, Roseana!
Boa noite!
Gostaria de te agradecer mais uma vez por me conceder algumas obras.
Apresentamos o trabalho hoje, não sei se ficou a sua altura, mas o fizemos com bastante empenho. Estudamos tudo o que estava no seu site e também fiz pesquisas a seu respeito e a respeito de suas obras no GOOGLE. Fizemos uma encenação do Poema (A menina e a boneca), Mundo da Lua. Levamos tapetes, brinquedos de menina e uma boneca de perna fina. Fomos bastante aplaudidas.
...............................................................
Lemos 10 de suas obras. Adorei todas, mas assim como meu filho, nos apaixonamos pelo Mundo da Lua.
Obrigada!!!!!!!!!!!!!!!!
Lucélia


E já me convidam para ir a Fliporto em Olinda em novembro. Ainda não é certo pois eles precisam levantar a verba, mas é uma possibilidade. Estou pré convidada. Então poderei visitar a Julia.

Hoje fui ao mar bem cedinho e era tudo tão absurdamente belo que eu poderia perder a voz.
Digo como Lorca: " Mas o que vou dizer da poesia? O que vou dizer destas nuvens, deste céu? Olhar, olhar, olhá-las, olhá-lo e nada mais"

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

MATÉRIA LINDA

Acabo de ler no Caderno Boa Viagem do O Globo uma matéria linda sobre Visconde de Mauá. E o Babel Restaurante do meu filho André recebeu os mais rasgados elogios. Transcrevo:
"Com a alma lavada e a cabeça fresca, a fome vai começar a bater. Um bom lugar para o almoço é o Restaurante Babel, que fica em lugar de acesso complicado: ou seja, é melhor ir até lá durante o dia.
..............................
Com poço e queijo, ou não, o Restaurante Babel é um daqueles que justificam inteiramente algum sacrifício para se chegar. Dirigindo com cautela , qualquer carro vai até lá. Num local agradável, cercado de verde e com amplos janelões que valorizam a paisagem, o casal Daniela Keiko e André Murray serve uma cozinha refinada, com forte inspiração franco-italiana. Para começar capuccino de cebola com funghi porcini e figos ao mel e balsâmico com queijo de cabra. Para o prato principal uma boa sugestão é o Alcantilado, uma canela de cordeiro cozida à perfeição ao mel e especiarias, servida com polenta trufada e cebola assada. Outra? O inusitado fetuccini caseiro de curry com truta e aspargos frescos. Vale a pena investir no menu degustação."

Depois disso só um babador para a minha condição de mãe.

UM BELO POEMA

Um belo poema todas as manhãs. Assim começo meu dia. A leitura diária de poesia ajuda a respirar. Pego um livro por acaso na estante e também abro ao acaso. Hoje me coube Alejandra Pizarnik, a esplêndida poeta argentina:

FIESTA
He desplegado mi orfandad
sobre la mesa, como um mapa.
Dibujé el itinerário
hacia mi lugar al viento.
Los que llegan no me encuentran.
Los que espero no existen.

Y he bebido licores furiosos
para transmutar los rostros
en un ángel, en vasos vacíos.

Alejandra Pizarnik, in Poesía Completa, Editorial Lumen

E já se aproxima nosso encontro do Clube de Leitura. Várias pessoas me telefonam ou escrevem dizendo que não conseguem ler O CERCO DE LISBOA, do Saramago. Ler Saramago não é uma fácil tarefa, é como entrar numa cidade estrangeira e ter que decifrar uma lingua que não conhecemos. Mas no final, sempre vale a pena, saimos enriquecidos.

Sua poesia , levemente surreal, possui uma musicalidade intensa.

Maristela, que vem de Maringá ao nosso encontro do Clube no dia 11 ,leu o blog e escreve:Sobre a História do cerco de Lisboa estou no fim, faltam 16 páginas; leitura difícil mas deliciosa quando pegamos o ritmo... Eu penso que se parece quando dançamos com alguém pela primeira vez, a gente pisa no pé vai pra lá e ele pra cá, depois passa o estranhamento bailamos e rodopiamos deliciosamente ao sabor da música. Beijos e até daqui a pouco (11.02)..

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

LIVROS NOVOS

Espero meus livros novos com uma paciência que vou tecendo ao redor dos dias.
Espero a reedição do meu livro Retratos que entraria na gráfica em novembro, escrevo mas a editora não me responde. Aliás, é muito rara uma relação generosa entre o autor e a editora.Ainda bem que tenho algumas editoras maravilhosas para compensar.
O livro sairá com fotos antigas da minha família e agora que minha mãe já não está mais aqui, tudo adquire outro significado.Enquanto o livro não chega leio no O Globo que foram descobertas gravações muito antigas e há a voz de um homem do século XVIII.É quase como viajar no tempo.É quase como se pudéssemos estar lá, atravessamos a fina película do tempo, pois aquele instante foi aprisionado junto com a voz.
E como adoro fotos antigas escreví o poema Fotografia para o livro Poemas e Comidinhas da Ed. Paulus. Em todos os poemas falo de comida, o livro é uma delícia:

FOTOGRAFIA

Algodão doce, pirulito,
cocada,quebra-queixo,
pé de moleque, suspiro,
brigadeiro, maria-mole,
um mundo inteiro
de doces coloridos
na festa da praça.

Moça bonita come de graça
um lambe-lambe fotografa.

Isso era antigamente,
está no álbum de retratos.

in Poemas e Comidinhas, ed. Paulus

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

BAILE MACABRO

Dia 27 de janeiro é o dia de nos lembrarmos das vítimas do Holocausto. Não só judeus, mas ciganos, homossexuais, dissidentes políticos, resistentes, comunistas. Este ano se deu especial atenção às mulheres e meninas. Lembremo-nos de Anne Frank. E nenhum livro fala mais alto do que É Isto Um Homem? do Primo Levi
Pois bem, a humanidade viveu muitos Holocaustos, mas o quase extermínio do povo judeu simboliza a crueldade humana em seu ápice.Cheguei de Mauá e Juan me diz: Sabe que em Viena neonazis comemoraram o Holocausto com um baile de gala?

Quando era criança, na década de 50, conviví com sobreviventes de Campo. Minha mãe tinha uma cliente belíssima com o número tatuado no braço.Lembro do seu rosto. A guerra ainda estava muito perto, respirava em nossas nucas.Dançar sobre os milhões de corpos que flutuam sobre a memória da humanidade é impressionante.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

CAIXINHA DE MÚSICA

Acabo de chegar de Visconde de Mauá . Comecei um livro de contos que chamei de Exercícios de Caligrafia. Não são contos infantis e para mim escrever ficção é muito difícil. Mas já fiz o primeiro e talvez não tenha ficado tão ruim. A idéia é escrever quando estiver lá , são contos de amor e terminam sem terminar, são como exercícios mesmo.Escrevo na minha casinha do bosque. Comprei um netbook que é bem leve e posso carregar sem problemas.

Nancy Macedo vai me dar de presente um espetáculo Caixinha de Música para que eu possa oferecer à E.M Pedro Paulo Silva em Duque de Caxias que fez uma Sala de Leitura com meu nome. Iremos em março.O espetáculo é lindíssimo e estou muito feliz com o presente que recebí e vou passar adiante.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

RELATO MÁGICO

Andréa me conta que sua turma da E.M Municipal Barão do Amapá viveu uma experiência magnífica. Deixo o texto dela falar. Era para o texto ter saído numa publicação intitulada: No Chão da Escola: Um universo apaixonante lançado pela SME , mas infelizmente o texto não entrou. Assim eu o publico aqui no blog para deleite dos meus leitores. É a prova concreta de que basta um poema para mudar um mundo:
Descoberta

Com a sutileza de seus oito anos, Patrícia foi chegando na roda e dizendo:
Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa...
Patrícia havia tirado os versos da alma e oferecido a todos com entusiasmo, gesticulava e entoava a voz num ritmo encadeado pela emoção. A turma aplaudiu! A professora surpresa pelo fato da menina ter dito de memória, sorriu abertamente. _ É Drummond professora, desse livro aqui! Disse a menina enquanto corria até a carteira para pegar o livro meio surrado dentro da mochila. Era um exemplar da coleção “Literatura em minha casa” que a professora havia lhe emprestado na véspera.
Tomando de novo a palavra, Patrícia continuou: _É tia, eu também não vi o mar, não ouvi o barulho das ondas e nem sei como é o canto da sereia...
Estarrecida a professora quis saber mais: _Como assim não viu o mar? Esse bairro fica a 40 min. da praia de Copacabana, seus pais nunca te levaram? Patrícia fez um gesto negativo e baixou a cabeça. Fez-se um silêncio rápido e, em seguida, um menininho lá de trás disse baixinho: _ Eu também não vi o mar não, tia. _ Nem eu. Disse outro e mais outro... Em pouco tempo a sala de aula estava repleta de pequenos poetas sem mares a falar ao mesmo tempo.
A professora aproveitou o blá, blá, blá para refazer-se, nesse instante sentindo-se distante, se deu conta do abismo que a separava daquelas crianças que julgava conhecer tão bem, pois vinha acompanhando aquela turma há quase três anos. Tomou fôlego e disse: _Atenção, crianças! A sala encheu-se de silêncio e ela continuou: Eu os levarei para conhecer o mar! Essas palavras ressoaram dentro de si como uma promessa de amor... Um canto sagrado, um hino de louvor...
Novo blá, blá, blá agora mais intenso. A professora esqueceu o caderno de planos, naquele momento, levou as crianças para o quintal e embaixo da grande árvore, continuaram a conhecer-se pelas linhas da poesia de Drummond, leu todo o livro para a turma.
Não tinha a menor idéia de como conseguiria concretizar aquela promessa, fretar um ônibus não seria coisa fácil para ela, muito menos para os alunos, mas estava determinada, e tanto insistiu que conseguiu um patrocínio para financiar o passeio que não custou nada para os alunos.
Chegou o grande dia: os primeiros raios de sol emolduravam a cena, anunciando a formosura que viria. Ansiosa a professora foi a primeira a chegar, aos poucos e bem cedinho foram se juntando a ela, embaixo da velha árvore, todos os alunos, ninguém faltou. Seria um dia inteiro de diversão, ela tinha programado cuidadosamente o trajeto atentando para os mínimos detalhes: primeiro o contato com o mar através da praia de Copacabana, conheceriam a estátua de Drummond que fica no calçadão em seguida visitariam o Forte na mesma praia, depois fariam um passeio marítimo pela Bahia de Guanabara à bordo de um navio da Marinha e finalizariam o dia visitando Museu da Marinha.
O ônibus partiu na hora combinada, rumo ao primeiro ponto. Carinhas curiosas povoavam os bancos. Da calçada, chegavam jorros de bênçãos dos acenos das mães.
O mar despontou no horizonte, as crianças eufóricas viram aquela imensidão de água, não podiam imaginar que fosse tão grande, nada as segurava no banco, agitação total. Tudo era novidade para elas... Prédios, pessoas, biquínis, pranchas, quiosques, skates, turistas de outros países misturavam-se com aqueles pequenos turistas do lugar. No calçadão, um grupinho pediu para tirar foto com os surfistas que passaram por ali. A professora fez de tudo para convencê-los a se contentar em ficar na areia, em vão. Teve de permitir que molhassem os pés, seus olhos brilhavam, eles riam, pulavam, gritavam, catavam conchinhas e na areia moldada pequenas fantasias eram construídas. Muito bonito de ver...
Andaram mais um pouco pelo calçadão até chegar à estatua de Drummond, ficaram espantados com a obra... Muitas fotos tiradas na tentativa de eternizar aquela felicidade.
Patrícia, sempre ao lado da professora, não conteve as lágrimas. Alguns coleguinhas mais atentos, ao perceberem que ela chorava, perguntaram: _ Por que você tá triste? Ela respondeu: _Não é tristeza, é felicidade. Eu sabia que o mar era bonito, aprendi nas histórias, mas de perto, de pertinho, eu descobri que ele é cheio de poesia, tem movimento, cheiro, cor e sabor, é a continuação do céu aqui pertinho de nós,...
E tirando a voz do fundo do coração gritou: _ Eu vi o mar!
Andréa Lopes de Souza, a professora que acreditou em um sonho.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

UM CACHO DE BEIJOS

Publiquei meu primeiro livro, o Fardo de Carinho, em 1980. Foi muito difícil encontrar uma editora que ousasse publicar poesia. Elvira Vigna fez as ilustrações em bico de pena e finalmente o livro saiu. Depois foi reeditado pela Lê em 1986 com desenhos da Pat Gwinner e finalmente em 2009 a própria Lê fez um livro novo outra vez com a Elvira, mas um livro de arte, maravilhoso. Entrou no PNBE e já está na terceira edição.
Fiz os poemas para meu filho André que tinha 7 anos e hoje tem 42. São bem infantis e muito impregnados (ainda)do Ou Isto ou Aquilo da Cecília. Não é no primeiro trabalho que o poeta encontra a sua respiração, a sua voz. Mas os poemas, tão ingênuos, são atemporais e musicais.
Hoje dedico o poema abaixo para a minha irmã Evelyn Kligerman que se casa amanhã com seu grande amor da juventude , meu cunhado Luis, reencontrado. Eles estão radiantes, exalam felicidade e à sua volta espalham a poeira dourada do amor:

EU QUERO

Eu quero um cacho de beijos
para levar pra minha irmã
e também um quilo de nuvens
para a minha gatinha anã.

Quero um pedaço de arco-íris
para plantar um vaso de barro,
um pedacinho do azul do céu
para pintar o meu jarro

Estas coisas todas eu quero
e não sei onde comprar,
quem souber onde eu encontre
que venha me avisar...

in Fardo de Carinho, ed. Lê

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

AS PRAIAS DE AGNÈS

A memória é feita de fragmentos. Impossível uma memória linear. Os tempos se misturam dentro de nós, e o que fica são as vivências, não dias, meses ou anos. Os vivos se misturam com os mortos e todos estão vivos dentro de nossas memórias.
Ontem vi um filme belíssimo, As praias de Agnès. São as memórias da cineasta Agnès Varda por ocasião dos seus 80 anos. Ela nos mostra como o filme vai sendo criado, mistura fotos do passado, filmes e instalações maravilhosas no presente recriando algum momento deste passado. É uma lição de vida e de cinema.E foi incrível pescar este filme quando voltei da praia, às oito horas da noite. Fomos ver o sol cair no mar e quando saía da praia, por um momento, parecia que a casa dos meus pais ainda estaria lá, na rua atrás da praia, bastaria atravessar a rua, virar a esquina e encontraria todos na casa , minha mãe sentada no jardim, meu pai jogando cartas com os tios, minha tia Cecília cozinhando. Foi uma lufada que passou em segundos. Então ver o filme da Agnès Varda, que começa com uma cena de espelhos na praia, foi muito impactante.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

JABUTÍS

Tenho quatro jabutís no jardim. Nasceram aqui. A história começa com uma jabutí chamada Belinha que veio para cá de um apartamento no Leblon. Depois ganhamos um macho, o Céu, daqui mesmo. Então compramos um pequeno sítio no interior de Saquarema e nos mudaríamos para lá porque a minha necessidade de mato é insaciável. Marcamos a mudança e coisas inesperadas aconteceram. Desistimos de nos mudar pelo isolamento do sítio. Mas já havíamos dado o casal de jabutís, no sítio não havia muros e como eles são andarilhos iriam embora.
Algum tempo depois achamos alguns ovos enterrados no jardim. E nasceram seis filhotes do tamanho de uma unha. Perdemos dois. Agora os jabutís estão enormes Sou apaixonada por todos. Aqui é um habitat perfeito para eles. Todos os dias de manhã eles dão a volta no jardim. São como guardiães. As gatas gostam deles, ficam olhando. Então escreví um texto que sairá pela ed. Lê. Conto um pedacinho:

"Quatro jabutis
guardam o jardim,
leste oeste
norte sul,
como se guarda
papéis de seda
numa caixa azul:
com delicadeza.
.............................."

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

ARTE DE NAVEGAR

Os dias aqui em Saquarema estão belíssimos. Todo azul é pouco para falar do azul. Mar e céu se misturam num estreito abraço. As manhãs são frescas mas as tardes derretem o corpo . Há que saber navegar no ar espesso do verão. Eugénio de Andrade ensina:

ARTE DE NAVEGAR

Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.


EUGÉNIO DE ANDRADE in Poemas de Eugénio de Andrade, ed. Nova Fronteira

domingo, 22 de janeiro de 2012

JANELA SOBRE UMA MULHER

Eduardo Galeano escreve no livro As Palavras Andantes um dos textos de amor mais belos que já li:

Essa mulher é uma casa secreta.
Em seus cantos, guarda vozes e esconde fantasmas.
Nas noites de inverno jorra fumaça.
Quem entra nela, dizem, não sai nunca mais.
Eu atravesso o fosso profundo que a rodeia. Nessa casa serei habitado. Nela espera o vinho que me beberá.Muito suavemente bato na porta, e espero.

sábado, 21 de janeiro de 2012

SOL

Hoje vimos o sol nascer às 6:20hs. Um pouco antes o céu era uma aquarela em todos os tons de rosa e amarelo. O mar entre dourado, vermelho e azul. Instantes fugazes como poeira mágica, como são todos os instantes.
O dicionário me diz que a palavra persuasão é o ato ou efeito de persuadir, certeza fortemente estabelecida, convicção.
Leio em "Danúbio" de Claudio Magris:

A persuasão, escreveu, Michelstaedter, é a posse presente da própria vida e da própria pessoa, a capacidade de viver até o fundo o instante sem a obsessão frnética de queimá-lo rapidamente, de valer-se dele e usá-lo com vistas a um futuro que deveria chegar o mais rápido possível e consequentemente de destruí-lo à espera de que a vida, toda a vida, passe rapidamente. Quem não está persuadido consome a própria pessoa na espera de um resultado que sempre está por vir, que não é nunca. A vida como carência, continuamente aniquilada na esperança de que a difícil hora atual já tenha passado, para que tenha cessado a gripe, esteja superado o exame, seja celebrado o casamento ou registrado o divórcio, tenha acabado um trabalho, tenham chegado as férias e o laudo médico. Espera esperando/ que chegue a hora/ de ir-se embora/ para não mais esperar.

in Danúbio, Claudio Magris, Cia de Bolso.

Assim , penetro profundamente no instante, mergulho em seu vórtice e arranho o sol com as mãos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

APESAR

Apesar da destruição sistemática da Amazonia, apesar do BBB e do que faz com a mente das pessoas, apesar das horrorosas perspectivas para o planeta, apesar da fome na África, das guerras, apesar do Oriente Médio e da suposta bomba atômica do Irã, apesar dos ídolos de fumaça, apesar dos capitães que fogem do barco, apesar das ideologias e religiões que fazem do homem o animal mais violento do planeta, apesar da camisa de força que amarra milhões de mulheres pelo mundo, eu acredito na força da liberdade e do amor.

ESTRADAS

Nas estradas do ar
trafegam pássaros e sonhos,
e pensamentos
de mudar o mundo.
Nas entranhas do ar
pequenas partículas de amor
flutuam para que possamos
caminhar na terra como se fosse
no céu.

in Roseana Murray Poemas para Ler na Escola, ed. Objetiva

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

MEUS LIVROS NO JAPÃO

Enviei um pacote de livros para o Japão. Kats e Yuki, tradutores me escrevem: receberam ontem meus poemas e se encantaram particularmente com o livro Caixinha de Música. Vão tentar uma edição japonesa e só a tentativa já me deixa sonhadora, penso: meus poemas numa lingua que jamais entenderei! Mas a Marta, mãe da minha nora Dani, poderá ler os poemas para mim e navegarei em sua música estranha.

Recebí as canções que Alexandre Lemos, que não conheço, fez com alguns dos meus poemas . São lindas de verdade e é maravilhoso ouvir os poemas transformados.Agradeço imensamente.

Ontem meu neto Luis fez uma perfomance via skype com seu violãozinho e sua mãe no pandeiro. Ele , com dois anos e meio , já fingia que afinava o violão e dizia para a mãe como deveria tocar o pandeiro.Quando terminava ele pedia palmas. E pedia para ela cantar o sapo cururu.

O ano já se desdobra como um leque. Os trabalhos vão aparecendo no horizonte e eu , como toda viajante, estou sempre de malas abertas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EM CASA

Cheguei ontem à noite de Visconde de Mauá onde passei alguns dias com Felipe, Andréia e Cris, do nosso Clube de Leitura. O filho da Andréia, o Manú foi também, ele é fã de esportes radicais para desespero da sua mãe. Eles foram uma linda companhia.
Na minha casinha do bosque o mundo me chega de muito longe, um eco distante. Sem internet, jornais ou televisão flutuo numa outra dimensão. Mergulho dentro da natureza com muita intensidade. Li um maravilhoso livro de contos do D.H.Lawrence, O Cego e Outros Contos, terminei de ler O Monte do Mau Conselho do Amoz Oz e comecei a ler Danúbio de Claudio Magri. Não escreví nem uma linha. O último conto do livro do Amoz Oz é tão cortante, tão terrível e maravilhoso que vale por um ano de leituras. Fiquei muito impactada.
Hoje, quando acordei, uma neblina de algas cobria a casa. Mergulhar da montanha para o mar é uma experiência belíssima.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

EM MAUÁ

Agora sempre que venho para Visconde de Mauá, dou uma parada em Maringá para passar o dia no ateliê de cerâmica da minha irmã Evelyn. Adoro ver a Evelyn e o Luis trabalhando.
Agora espero meu filho me buscar e vou para a minha casinha do bosque, lá no sítio. Já passei no Bistrô das Meninas, um café-livraria muito simpático e me abastecí de livros.
Ontem fiz a aula na Escola de Culinária do André e amei. Fizemos quiches, saladas e sanduíches e finalmente aprendí a fazer uma quiche mais do que maravilhosa, parecia uma nuvem de tão leve. As saladas eram fantásticas e os vinhos também.O jantar durou horas, todo mundo comendo o que preparou, uma felicidade. E às 6hs da manhã o táxi me buscou. Subimos a serra com o dia começando numa paisagem indescritível de tão bela.
Lá no sítio não tenho internet, ficarei desconectada. Volto dia 18.Por favor, não se esqueçam de mim!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

VIAGEM

Vou hoje para Resende onde faço uma parada na Escola de Culinária Babel do meu filho André. Hoje à noite teremos uma aula Cozinhando para Os Amigos.A aula é engraçada, todo mundo cozinhando junto e depois é servido um jantar com tudo o que se cozinhou. Então na quinta subo às 6hs da manhã para Mauá. Receberei meus amigos Felipe, Andréa e Cris, professores de Duque de Caxias e participantes assíduos do Clube de Leitura. Estou super feliz com a visita deles.
Terminei o Diário da Montanha que escreví em Mauá ao longo de 10 meses num bloco de papel reciclado.É a primeira vez que vou sem o caderno dos poemas. Acho que me sentirei um pouco órfã, mas já comecei outro livro de poesia para criança e já tenho 15 poemas. Estou amando fazer este livro com uma pitada de non sense. Não existe prazer maior do que estar envolvida em um trabalho.
Ontem na Revista Terra saiu uma matéria maravilhosa sobre energia solar no deserto do Saara, sobre consumo. Recomendo. Parece que já existe no planeta a possibilidade de fazer tudo diferente. Basta mudar a mentalidade dos humanos.Não temos escolha. Há que mudar a nossa mentalidade consumista e predadora ou neste ritmo no futuro não haverá mais o que consumir, não haverá mais planeta.
Ficarei ausente por alguns dias, já que em Mauá não tenho internet.

Abro o livro Muitas Vozes do Ferreira Gullar. Ele me oferece este maravilhoso poema:

INFINITO SILÊNCIO

houve
(há)
um enorme silêncio
anterior ao nascimento das estrelas

antes da luz

a matéria da matéria

de onde tudo vem incessante e onde
tudo se apaga
eternamente

esse silêncio
grita sob nossa vida
e de ponta a ponta
a atravessa
estridente

Ferreira Gulla, in Muitas Vozes

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

AMARELINHA

Quando criança adorava jogar amarelinha. Era um jogo mágico e chegar ao céu valia qualquer esforço. Hoje, chego ao céu com bastante facilidade: basta uma flor, um entardecer, uma árvore, um pássaro, um poema... Na minha infância o céu era um lugar desenhado no chão. Hoje o céu é cada dia, é a vida.

AMARELINHA

Pulo amarelinha
com o tempo:
às vezes para a frente,
às vezes para trás,
zás-trás, rodopio,
mergulho no vento,
me reinvento, rio
adentro, mar afora,
a vida é agora.


in Carteira de Identidade, ed. Lê

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

LIBERDADE RELIGIOSA

Durante a infância estudei em escola pública. Nasci numa família judia e meus pais pediram que eu fosse dispensada da aula de religião, que naquele tempo era matéria obrigatória. Eu ficava no pátio com outra judia da minha sala. Era horrível. Eu me sentia estranha, diferente, os colegas me olhavam quando eu saia da sala.No último ano meus pais me trocaram de escola, pois queriam que eu tivesse alguma formação religiosa, fui para uma escola judaica, Hertzlia.
Sou absolutamente contra qualquer tipo de aulas de religião em escolas públicas. Sou contra orações no começo da aula, no meio ou no fim. Explico: O Brasil é um país laico onde há separação entre Religião e Estado. A mistura de Religião e Estado é explosiva, perigosa.E cria constrangimentos como o que eu vivi na infância. Aula de que religião? Se for da religião católica onde ficam os judeus, muçulmanos, budistas, umbandistas, espíritas, evangélicos? No pátio, como eu ficava? E que oração se faz antes da aula? Uma oração cristã? Por que não um mantra hindu? Uma aula de determinada religião fere a liberdade religiosa que vigora no Brasil.
A questão religiosa deveria ser assunto mais do que privado, assunto de foro íntimo, como o sexo, o amor.A relação que cada um tem com o seu Deus, com o divino, o mistério, a espiritualidade é particular e pertence a cada um e não ao coletivo.Se os pais querem uma educação religiosa para os filhos existem escolas particulares para isso, onde a educação é paga. Educação dada pelo Estado tem que ser laica. Outra coisa seria o ensino da História das Religiões desde os primórdios do mundo, esta sim uma matéria interessantíssima, desde os ritos da pré história, passando pela Babilônia, Egito, Grécia, Roma, etc, etc, etc.

domingo, 8 de janeiro de 2012

TEMPOS DISTANTES

Recuperar a possibilidade de ir ao sítio em Visconde Mauá foi um dos maiores presentes da minha vida. Fiquei muitos anos sem poder ir por causa da coluna. A estrada era horrível e eu ficava destroçada. Com os exercícios ao longo do tempo fui me fortalecendo e apesar da instabilidade da coluna , hoje aguento qualquer dificuldade. Além disso asfaltaram a estrada.Compramos o sítio em 1976 quando a terra aí não valia nada. Abrimos a estrada com trator e mesmo assim era tão ruim que o jipe com tração nas quatro rodas atolava. Morei no sítio quando meus filhos eram pequenos e voltei a morar quando me separei, na década de 90. Morei com meu filho Guga por um ano e meio. Tínhamos um amigo filósofo que morava na Serra Negra e vinha nos visitar a cavalo com sua cachorra Josie, uma mistura de labrador com a nossa São Bernardo. Eram quatro horas de cavalgada. Naquela época o sítio não tinha luz, telefone, internet, celular, nada. Então fomos obrigados a desenvolver um sistema telepático com o Léo. Era assim: eu acordava algum dia com a sensação no corpo , uma sensação muito forte, de que o Leo viria. Guga sentia a mesma coisa. Ou eu ou o Guga dizíamos: "O Leo vem." Então eu fazia bolo de fubá e o esperávamos. Ele chegava sempre ao entardecer. Josie, sua cachorra, chegava primeiro.Naquela época as visitas vinham para passar alguns dias e o Leo ia ficando. Era um grande conversador.Nunca a nossa telepatia falhou. Fiz um conto com a história, está no livro PEQUENOS CONTOS DE LEVES ASSOMBROS, ed. FTD.
Os anos se passaram e nos afastamos. Mas sei que ele continua lá na Serra Negra. Sei que a Josie morreu. Hoje o sítio não está mais tão isolado e com o advento dos celulares não sei se o meu sistema telepático continua funcionando tão bem assim.

sábado, 7 de janeiro de 2012

O DIÁRIO DA MONTANHA

Passei quase um ano escrevendo os poemas do Diário da Montanha. Entreguei o original para a Bia , minha editora da Manati, com muito medo. E se A Bia não gostasse do resultado final? E se a Bia desistisse?
Transcrevo a maravilhosa resposta da Bia. O livro sairá em abril. No começo de maio vou para a Europa e já poderei levar meu livro novo para Granada, para o meu filho. Sonho com o lançamento em Visconde de Mauá onde o livro foi escrito. No ateliê da minha irmã Evelyn, com um coquetel do Babel, oferecido pelo restaurante do meu filho André. A Evelyn produzirá um pequeno azulejo para quem comprar o livro. Sonho com um violino tocando, pois no livro falo de ancestrais e eu tinha um tio na Polonia que tocava violino e isso me remete ao Chagall e ao Violinista no Telhado do escritor Sholem Aleichem. Adoro pensar em como os textos se entretecem.

Na véspera de Natal,
Quando o Rio de Janeiro fervilhava... nos shoppings
movido pela cega pulsão de consumo
Quando as ruas começavam a se esvaziar
Depois de dias de neuroses
coletivas e individuais totalmente engarrafadas
Quando as pessoas tentavam, em vão, engolir o nó da angústia pelos encontros, desencontros e perdas das famílias que em breve encontrariam por uma obrigação que há muito perdeu o sentido
Quando as crianças dos trópicos sonhavam com um senhor de barba, gordinho, simpático, de olhos azuis, que desceria pelas chaminés que não existem, em meio à neve que jamais caiu, para trazer quem sabe os prêmios por vários meses de chantagem
Pedi ao meu marido um presente de verdade para mudar de canal energético:
Várias horas de passeio pela floresta, na montanha onde um dia moramos
Aqui no quintal suspenso do Rio de Janeiro.
Gritos de alegria misturados ao canto das aves
Sorrisos sinceros trocados pelos poucos humanos que também preferem à terra ao asfalto
Um farto abraço na árvore que atravessa os séculos esperando por mim e não sabe o que é Natal
Uma pausa para descansar e tomar um refresco no riacho geladinho e límpido que corta a trilha da Cachoeira das Almas
Uma espiada na Cova da Onça
E um encontro com o azul esvoaçante do mirante do Excelsior para fechar como um laço de fita mágico o meu presente de Natal.

Voltei à cidade, dividi um pouco da energia e do amor do meu presente com pessoas queridas, voltei ao batente, virei o ano lavada de chuva, e agora, DIA DE REIS, chega, pelos fios óticos da internet, o maior de todos os presentes:
O DIÁRIO DA MONTANHA, um livro original da Roseana (Murray), minha amiga-irmã, dedicado a mim.
Voltei à floresta da montanha suspensa por uma breve eternidade.
Em mais algumas semanas, o livro deve sair editado pela Manati, e então terei a alegria selvagem de compartilhar com todos vocês a poesia da montanha e o presente do DIA DE REIS. Quem quiser me acompanhar pode ir preparando a mochila para o passeio!Ver mais
De: Bia Hetzel

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

MAPAS

Gosto de mapas, não os verdadeiros, mapas imaginários. Gosto de imaginar o que já foi, o que já houve. Lugares que existiram e que hoje são apenas memória. E há o mapa do corpo, o mapa dos afetos, o lugar que cada pessoa ocupou ou ocupa em nossas vidas.
Em 2002 publiquei o livro Poesia Essencial, pela ed. Manati. É uma antologia. Eu havia escrito o livro As Cidades e a Casa, em Madrid, em 1998. Oferecí o original mas a editora quis ver mais. Eu tinha também um inédito, Caravana, que havia ganho o concurso Cidade de Belo Horizonte, com um prêmio em dinheiro , mas sem publicação. E tinha um livro Paredes Vazadas, esgotado. Mostrei tudo e as minhas editoras escolheram misturar . Hebe Coimbra fez a seleção.

MAPA

me toque assim
em voo rasante
como a chuva
que se aproxima
o vento entre
as dobras da chuva
abrindo as janelas
do sótão

me toque assim
a ponta dos dedos
tirando a poeira
de tantos séculos
de luz mortiça

me toque assim
como o último pássaro
do mundo
engole o sol
e adormece no mar

me toque debaixo da pele
ali onde dormem
gerânios esquecidos
onde o sangue é mais
leve
e as lembranças
fazem cem vezes
o mesmo caminho.

in Poesia Essencial, ed. Manati

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O RELÓGIO

Faz muito tempo comprei um relógio em oito num antiquário em Teresópolis para o aniversário do Juan. Juan sonhava com um relógio assim. Ele está na parede da sala e há que dar corda todos os dias. Ele toca as horas, às vezes fica rouco. É muito antigo mas suas engrenagens estão perfeitas. Mesmo assim, às vezes enlouquece, mas quem se importa, o tempo está sempre escorrendo. Juan cuida do relógio como se fosse vivo e enquanto gira a pequena chave, a casa fica solene e parece que tudo é para sempre.

O RELOJOEIRO

Mal raia o dia
o relojoeiro se debruça
com sua lupa
sobre o coração dos relógios.

Com suas mãos delicadas
apalpa, escuta
o sono encantado do tempo.

Para ele os relógios estragados
são como pequenos pássaros
adormecidos.

Quando um relógio fica bom,
o relojoeiro suspira.

in Artes e Ofícios, ed. FTD

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A MORENA DA ESTAÇÃO

Angela, membro do Clube de Leitura da Casa Amarela e leitora do blog, comprou o livro A Morena da Estação do Ignacio de Loyola Brandão, indicação do blog. A história que dá título ao livro daria um filme! É belíssima.
Kats e Yuki, meus amigos japoneses virtuais, tradutores, me escrevem contando que compraram El Jinete Polaco do Muñoz Molina que indiquei no ano passado. Infelizmente El Jinete Polaco não está traduzido para o português, que eu saiba. Mas é um livro impactante, maravilhoso.
Dividir livros é um dos maiores prazeres da vida. Dividir histórias, o olhar do autor, seus pontos de vista, sua escrita. A cumplicidade que o amor por um livro cria entre duas pessoas é imensa, pois fala de coisas mais profundas.
Encomendei ontem o último livro do Amoz Oz, O Monte do Mau Conselho e espero ansiosamente a sua chegada. Há uma certa beleza em esperar o correio. Eu e Juan namoramos por quase dois anos através de cartas. A menina do correio lá no Rio Comprido já me conhecia. Ela sabia que eu era poeta, não me lembro como. Deve ter visto eu colocar algum livro meu numa caixa de sedex para o Juan. Um dia, ao levar a carta do dia, ela me pediu:
_ Por favor, faz um poema agora para mim. É aniversário do meu namorado!
Um dia, no metrô do Rio, na década de 90, uma mulher jovem lia Os Doze Contos Peregrinos do Garcia Marquez. Desejei aquele livro tão ardentemente que me doeram os ossos. Ganhei o livro de presente. É impressionante a força do desejo!

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

DE MARINGÁ PARA SAQUAREMA

No próximo encontro do Clube de Leitura da Casa Amarela receberemos um casal que virá de Maringá, no Paraná. Maristela e Wagner souberam dos nossos encontros através do blog , já compraram o livro O Cerco de Lisboa, do José Saramago e dia 11 de fevereiro estarão aqui. Ficarão hospedados na Pousada do Luis e da Sandra, Farol de Saquarema, ao lado da nossa casa. Luis e Sandra são adoráveis, os melhores vizinhos do mundo . Luis é engenheiro eletricista e embora já não trabalhe mais com eletricidade , várias vezes nos socorreu. Pagamos com tortillas espanholas, ele é louco por tortillas.
Li o livro O Cerco de Lisboa , que será discutido em nosso próximo encontro, na década de 90, eu acho. Faz muito tempo. Tenho as melhores recordações do livro, duas histórias de amor entrelaçadas , um sim e um não que mudam a História. A primeira vez que tive um contato real com a cultura árabe foi em Sevilha. Ao desembarcar, eu vinha da Alemanha, um cheiro fortíssimo de laranja me invadiu, Sevilha entrava assim por todos os meus poros. À noite, sozinha no quarto do hotel, eu não aguentava sair por causa das dores na coluna (estava ainda muito mal por causa da cirurgia recente de hérnia de disco), ouvi uma saeta como a do disco Concertos de Aranjuez do Miles Davis. Palácios, ruelas, a Giralda, fui jogada num tempo em que os árabes eram os senhores da Espanha. E se não tivessem perdido a guerra? Sobre isso nos fala Saramago. Antonio Muñoz Molina tem um livro belíssimo sobre Córdoba que nos dá a dimensão do que foi esta época.
Nosso Clube já recebeu algumas visitas de outros estados e até da França e Portugal. Ainda temos vagas , nossas portas estão abertas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

SEMPRE DE NOVO

Chove muito. O dia está para ler poesia. Abro um livro do Rilke ao acaso, como gosto de fazer com os livros de poesia. Ele me oferece um belo poema de amor:

SEMPRE DE NOVO

Sempre de novo, mesmo conhecendo a paisagem do amor
e o pequeno cemitério com os seus nomes comoventes,
e o abismo, terrivelmente mudo, onde os outros
terminaram: sempre de novo saímos, a dois,
sob as velhas árvores: deitamo-nos, sempre de novo,
entre as flores e de frente para o céu.

Rainer Maria Rilke
Tradução Karlos Rischbieter, ed. Posigraf


Sempre de novo fazemos as mesmas coisas, os mesmos gestos, falamos as mesmas palavras: estamos vivos.

domingo, 1 de janeiro de 2012

O PRIMEIRO DIA DO ANO

Chove no primeiro dia do ano de 2012. Uma chuva mansa, musical. As plantas cantam de felicidade, se ficarmos em silêncio absoluto, podemos ouvi-las.
Ontem eu e Juan preparamos um jantar só para nós dois com os presentes que recebemos dos amigos:
Uma champagne Moet et Chandon , presente do Hélio e Fernando
Bruschetas com as alcachofras em conserva, que Angela, que vive em Casanova Staffora,Província de Pavia, numa comunidade na Itália, nos trouxe.
Folhas de presunto Pata Negra que Maite, da Ed. Maeva nos enviou dentro das páginas do maravilhoso livro Mujeres Admiradas, Mujeres Bellas , da série de livros ilustrados sobre mulheres. O presunto veio como um viajante clandestino.
Uma pasta negra italiana , artesanal, feita com tinta de lula: linda
Pesto que fizemos com manjericão da horta e queijo Parmeggiano Reggiano que também nos trouxe Angela. Este queijo é fabricado desde 1.300!!!
A sobremesa veio da Espanha pelas mãos de Boni e Alícia, que vivem nas Canárias: um turrón maravilhoso, feito com amêndoas escolhidas. É nítida a sua influência árabe.

Depois do jantar fomos para a rua. Pusemos duas cadeiras na calçada. Parecia uma procissão: centenas de pessoas passavam caminhando para a Vila. Da porta de casa assistimos a queima de fogos na Igreja, de longe a pequena igrejinha iluminada de verde, de 1630, parecia feita de sonho. Havia uma poeira de chuva.

E assim , todos os dias a vida recomeça. Hoje, no primeiro dia de 2012, farei o que faço todos os dias: arrumo a casa, cozinho, leio, contemplo, escrevo, amo.